“Penso que vamos fazer coisas que vão deixar as pessoas chocadas”, disse Donald Trump na terça-feira. Na véspera, batera o recorde de ordens executivas assinadas no primeiro dia do mandato, 26. E nas horas seguintes continuaram os anúncios de medidas ou de manifestação de intenções. Um contraste com o seu primeiro mandato, onde passou quase um quarto dos dias em propriedades suas com campos de golfe. Na Sala Oval da Casa Branca, o presidente mandou reinstalar o busto de Winston Churchill, um retrato de Andrew Jackson, as bandeiras de cada ramo das forças armadas e um botão vermelho usado para pedir Coca-Cola Diet. Nada disto chocará os norte-americanos. Mas algumas das ordens executivas caíram mal em alguns setores da sociedade, das minorias sexuais aos funcionários públicos, e vão ser pugnadas em tribunal. A primeira viagem de Trump decorreu na sexta-feira: deslocou-se à Carolina do Norte e à Califórnia, estados onde decorreram desastres naturais (furacão no primeiro, incêndios no segundo). Aproveitou para criticar o "desastre" que diz ser a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA) e disse que esta vai deixar de funcionar como até agora, ou até deixar de funcionar. “Também vou assinar uma ordem executiva para iniciar o processo de reforma e reestruturação profunda da FEMA, ou talvez para me livrar da FEMA. Acho que, francamente, a FEMA não é boa”, disse. Nas relações externas, Trump deu ordens para os EUA saírem da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Acordo de Paris. No primeiro caso, porque acredita que o seu país foi enganado, que a instituição dirigida por Thedros Ghebreyesus não soube lidar com a pandemia e, no fundo, que a OMS é controlada pela China. Sobre o pacto global para baixar as emissões os gases com efeito de estufa, os EUA vão juntar-se ao Iémen, Líbia e Irão porque o republicano é cético em relação às alterações climáticas e afirma que o acordo é "injusto" para o seu país. Noutra frente, declarou como organizações terroristas dois bandos criminosos (Tren de Aragua e La Mara Salvatrucha) e os cartéis de droga. Também voltou a designar de organização terrorista estrangeira os houthis, o grupo armado apoiado pelo Irão que controla a maior parte do território povoado do Iémen. Em 2021, para permitir a entrada de ajuda humanitária no país mais pobre do Médio Oriente, Joe Biden reclassificou os houthis com um nível de ameaça mais baixa. Ainda no que respeita às relações externas, Trump emitiu uma suspensão de ajuda internacional de 90 dias enquanto a sua administração revê as prioridades. No entanto, a assistência à Ucrânia não é afetada. Quanto a Israel, cujo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é seu estreito aliado, Trump levantou as sanções aos grupos e indivíduos colonizadores na Cisjordânia. O príncipe saudita Mohammed bin Salman e o presidente salvadorenho Nayib Bukele foram os dignitários estrangeiros com quem o nova-iorquino falou ao telefone. Do primeiro ouviu o interesse de investir 600 mil milhões de dólares nos EUA, com o segundo discutiu formas de cooperação para combater a imigração ilegal e os gangues latino-americanos.Além disso, fez saber que pretende encontrar-se em breve com o russo Vladimir Putin depois de ter dito que este "não está a fazer boa figura" e que "está a destruir a Rússia". O objetivo é pôr fim à guerra na Ucrânia, "um campo de morte". Em declarações à Fox News, voltou a elogiar o norte-coreano Kim Jong-un -- "um tipo inteligente" --, com quem se encontrou três vezes sem alcançar resultados, e disse que irá voltar a entrar em contacto. Em videoconferência para o Fórum Económico de Davos, na Suíça, Trump fez uma proposta aos empresários retirada do sua linha "América Primeiro": se tiverem fábricas nos EUA terão impostos reduzidos de 15%, caso contrário os seus produtos serão onerados com tarifas. A imposição de taxas alfandegárias à China marcou o seu primeiro mandato, e agora quer reforçar essa política, que diz ser uma potencial fonte de rendimento de "biliões", embora à custa dos consumidores norte-americanos. À China vai aplicar uma sobretaxa de 10% em todo os produtos como punição por alegadamente os norte-americanos estarem a consumir o opiáceo sintético fentanilo oriundo daquele país. Mas disse que vai ter uma boa relação com Xi Jinping e adiou a proibição da rede social Tiktok por 75 dias para que possa ser vendida a uma empresa dos EUA. Aos vizinhos canadianos e mexicanos ameaça aplicar tarifas de 25% aos seus produtos canadianos tão cedo como a partir de 1 de fevereiro. No entanto, economistas e empresários acreditam que este cenário é uma forma de criar pressão nos países vizinhos. A imigração é outro tema central do republicano. Alegou uma "invasão" de imigrantes e declarou “emergência nacional” na fronteira com o México, alocando militares e fechando as fronteiras à imigração, inclusive a 30 mil que tinham agendadas entradas. Na sexta-feira, aviões militares começaram a repatriar imigrantes. Segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, foram detidos 538 imigrantes em situação irregular. .Noutra frente, Trump assinou uma ordem executiva que retira o direito de cidadania aos filhos de imigrantes em situação por regularizar, bem como de estrangeiros em trabalho temporário ou em estudos, ao contrário do estipulado na 14.ª emenda da Constituição. Uma das mais controversas medidas no curto espaço de tempo de Trump 2.0, foi já bloqueada, ainda que de forma temporária. O juiz John Coughenour considerou a ordem “flagrantemente inconstitucional” e emitiu uma ordem de restrição temporária para bloqueá-la. O juiz federal perguntou ainda onde estavam os advogados da equipa do presidente quando este tomou a decisão.Além da guerra à imigração, as admissões de refugiados foram suspensas por quatro meses.Outro tópico caro a Donald Trump é o crescimento económico. Aconselhou o governador do banco central a baixar as taxas de juro, e deu ordens a todas as agências para combaterem a inflação. O presidente afirma que é o preço dos combustíveis o responsável pelo aumento dos preços no consumidor. Como tal, declarou uma “emergência nacional de energia”. Assinou uma ordem executiva para “libertar o potencial extraordinário de recursos do Alasca” para explorar petróleo, gás e outros recursos naturais. Em sentido oposto, suspendeu temporariamente todos os negócios de energia eólica, tanto no mar como em terra, revertendo a política da administração Biden, que previa servir 22 milhões de casas com energia do vento até 2030.Mas os EUA vão precisar de toda a energia que puderem produzir, em especial se for avante o Stargate, projeto de 500 mil milhões de dólares anunciado na Casa Branca por Trump e por alguns empresários, e que visa construir centros de dados para a inteligência artificial. Ao renomear o Serviço Digital dos EUA em Departamento da Eficiência Governamental (DOGE, sigla igual à da criptomoeda de Elon Musk), a funcionar na sua alçada, na Casa Branca, deu um mandato ao bilionário até 4 de julho de 2026 para levar a sua agenda de cortes nos serviços federais. Aos funcionários federais foram dados sinais de que estão a mais: Trump congelou as contratações no governo federal, com exceção para os militares. Além disso, uma ordem executiva criou uma categoria de nomeado político que vai obrigar as agências federais a identificar e reclassificar os funcionários públicos de carreira cujos empregos são “confidenciais, determinantes de políticas, de formulação de políticas ou de defesa de políticas” como nomeados políticos. O objetivo é poder despedi-los. Segundo a NPR, entre os 2,3 milhões de funcionários públicos no governo federal, cerca de 4 mil são nomeados políticos, mas esse número poderá saltar para 50 mil ou até centenas de milhares.Outra medida que poderá levar à saída de trabalhadores federais foi a ordem executiva para que os funcionários em trabalho remoto regressem aos escritórios. Musk e Vivek Ramaswamy -- o ex-candidato presidencial que deveria dividir o DOGE com o dono da SpaceX mas que já se afastou do projeto -- assinaram um texto conjunto no The Wall Street Journal a defender esta medida: "Resultaria numa vaga de rescisões voluntárias que saudamos", lê-se.Terminou igualmente com as políticas de promover a diversidade, equidade e inclusão nas agências federais. A isto liga-se o reconhecimento de apenas dois géneros (homem e mulher). Uma das primeiras consequências é o fim dos passaportes em que o cidadão podia escolher um outro género (X).. Durante estas primeiras horas, Trump quis também cumprir as promessas junto do seu eleitorado fiel. Perdoou ou comutou as penas de 1583 pessoas condenadas pela invasão do Capitólio para impedir a certificação do resultado eleitoral de 2020. Uma medida que caiu mal entre alguns republicanos, uma vez que alguns dos indultados agrediram as forças policiais. E caiu mal até entre perdoados. Pamela Hemphill, que se declarou culpada e cumpriu dois meses de prisão, recusou o indulto. “Aceitar um perdão seria apenas insultar os agentes da polícia do Capitólio, o Estado de direito e, claro, a nossa nação", disse a pessoa que na altura ficou conhecida nos meios pró-Trump como "Avozinha MAGA". Perdoou igualmente dois polícias condenados pela morte de um jovem afro-americano de 20 anos, em 2020, e 23 ativistas antiaborto, cujas ações passaram por impedir o acesso às clínicas de interrupção de gravidez. Trump perdoou muita gente, mas não dois antigos homens com quem trabalhou na administração anterior, o então secretário de Estado Mike Pompeo e o conselheiro de segurança nacional John Bolton. Ambos perderam o direito a segurança pessoal, apesar de se sentirem ameaçados pelo Irão.Por fim, refira-se a mudança anunciada de dois nomes: os EUA vão passar a chamar Golfo da América ao Golfo do México e vão voltar a chamar o Monte Denali, no Alasca, para o seu anterior nome oficial, Monte McKinley, em homenagem ao 25.º presidente, William McKinley. Delani é o nome usado pelos nativos do Alasca ao monte.