Venâncio Mondlane disse que não foi por “medo” que saiu de Moçambique, incentivando desde fora os apoiantes a contestar nas ruas os resultados das eleições de 9 de outubro que muitos consideram fraudulentas, e explicou que é sem receios que regressa esta quinta-feira ao país. “Podem matar-me a mim. A única coisa que sei é que a minha luta nunca vai morrer”, indicou num vídeo no Facebook, no domingo. A dias de completar 51 anos e após semanas em parte incerta, o regresso anunciado - avisou que chega, “pontualmente”, às 8.05 (menos duas horas em Lisboa) ao aeroporto de Maputo (a essa hora é esperado o voo vindo de Doha) - surge em vésperas da tomada de posse de Daniel Chapo como presidente. E está rodeado de muitas incógnitas. O objetivo será travar essa cerimónia, marcada para dia 15, e tomar posse de forma paralela? Ou o regresso foi articulado com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder desde a independência em 1975)? E que apoios tem o candidato, em rotura com o partido Podemos (Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique) que o apoiava?“Acho que o Venâncio Mondlane resolveu esticar a corda. Não creio que isto resulte de um acordo” com a Frelimo, disse ao DN o professor catedrático Fernando Jorge Cardoso, da Universidade Autónoma de Lisboa. O especialista em assuntos africanos falou do reforço da segurança nos últimos dias nas vias de acesso ao aeroporto, onde são esperadas milhares de pessoas para receber Mondlane, não estando garantido que as autoridades aeroportuárias (isto é o governo) ou a companhia aérea não decidam anular o voo. Tudo dependia, previa, da confusão que pudesse haver durante a noite de quarta e madrugada desta quinta-feira. Em relação às tomadas de posse, quer de Chapo quer dos deputados (estes no dia 13), “só poderão ser postas em causa se houver internamente na capital um surto de violência e de destruição tão grande que, por razões de segurança, leve ao adiamento.” Porque, lembrou, “do ponto de vista da chamada comunidade internacional, não há nenhum país que se tenha posto ao lado de Venâncio Mondlane”..Personalidades apelam a que Portugal garanta segurança a Venâncio Mondlane, líder da oposição moçambicana. Fraude e contestação.O opositor reivindicou a vitória nas presidenciais de 9 de outubro, mas a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e o Conselho Constitucional atribuíram a vitória a Chapo, da Frelimo. Isto apesar de várias denúncias de fraude, com irregularidades admitidas pelo próprio Conselho Constitucional e pelos vários observadores internacionais, incluindo da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa. Os boletins serão destruídos no dia 17, foi entretanto anunciado pela CNE, o que poderá acender ainda mais os ânimos.“Não é a recontagem que traz a verdade eleitoral, como diz o Venâncio Mondlane, mas confirmaria a fraude eleitoral e portanto, obviamente, a anulação das eleições. E isso era o que o Conselho Constitucional tinha todos os dados para fazer”, acrescentou Fernando Jorge Cardoso. “A única coisa que a recontagem iria demonstrar, provavelmente, era uma contradição ainda maior entre o número de votos com aquilo que está escrito nos editais”, insistiu, falando na compra de votos e de cartões de eleitores, entre outras irregularidades. A contestação aos resultados nas ruas, com greves gerais convocadas à distância por Mondlane e violência entre manifestantes e autoridades, já fez pelo menos 250 mortos, após o próprio advogado de Mondlane e um assessor do Podemos terem sido assassinados em Maputo. O candidato e o partido liderado por Albino Forquilha pareciam avançar na mesma direção, mas a decisão dos deputados eleitos do Podemos (é agora o principal partido da oposição na Assembleia da República) de tomarem posse foi vista pelos aliados de Mondlane como um traição. Diante dessa acusação, o Podemos respondeu acusando o próprio Mondlane de “violar reiteradamente” os termos desse mesmo acordo (cujos pormenores não são públicos). Um “acordo político subscrito livre, consciente e voluntariamente pelas partes, mas jamais coloca em causa a independência dos mutuários do acordo”, segundo o partido de Forquilha. O Podemos considera que, depois de esgotado o recurso para o Conselho Constitucional, está “encerrada” a discussão, não excluindo continuar a apelar às manifestações.Para Fernando Jorge Cardoso, caso os 48 deputados do Podemos tomem posse no dia previsto (e nada na lei diz que perdem o lugar se não o fizerem), isso significa que o partido “perdeu toda a credibilidade”. E lembrou: “Não é preciso ser um cientista político nem uma pessoa com conhecimentos especiais para saber que a projeção nacional do Podemos foi completamente conseguida pela campanha de Mondlane.” O candidato já disse que considera a sua ligação com o Podemos cortada se os deputados tomarem posse, com o professor a ver nesse gesto um “corte com os eleitores” em troca de uma “utopia política” de achar que são importantes numa Assembleia da República onde a maioria absoluta continua a ser da Frelimo. Ou estão simplesmente a pensar nas “regalias” da oposição. Independentemente do que acontecer, Fernando Jorge Cardoso considera estas eleições um ponto de rutura em Moçambique. “O povo perdeu o medo e isso é uma questão fundamental do ponto de vista da governabilidade num regime autoritário que utiliza a repressão, que é este, destes grupos que tomaram conta da Frelimo”, afirmou ao DN. “A população e, particularmente, a juventude perdeu o medo. Isto são más notícias para quem vai governar”, acrescentou, falando também do receio dos investidores nacionais e internacionais. “Não auguro uma governação fácil para o governo, caso venha a tomar posse, como tudo indica que virá”, acrescentou. Mas quem é afinal Mondlane?.O opositor nasceu a 17 de janeiro de 1974 em Lichinga, capital da província de Niassa, no norte de Moçambique, e num perfil em vídeo na sua página de Facebook é destacada a sua “resiliência”. Estudou engenharia florestal, mas fez carreira no setor bancário, em paralelo com o comentário político em vários programas de televisão e rádio e colunas culturais em jornais. É também pastor da Igreja Ministério Divina Esperança. A entrada na política vem da “tendência”, que diz ter desde a infância, em se “preocupar muito com o bem estar do outro, o bem estar alheio”.Candidato do recém-fundado Movimento Democrático de Moçambique (MDM) às autárquicas de Maputo, em 2013, alegou que foi o vencedor, mas que foi “bloqueado de assumir o cargo”. Os resultados oficiais das eleições boicotadas pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, então o maior partido da oposição) dão-lhe quase 40% dos votos, diante dos 58% de David Simango, da Frelimo. Após dois anos na assembleia municipal de Maputo, renunciou a esse mandato para assumir o de deputado na Assembleia da República, onde desempenhou a função de relator da bancada do terceiro maior partido. Isto até deixar o MDM (e o parlamento) em 2018, alegando “incompatibilidade e constrangimentos” no exercício da sua função, passando para a rival Renamo.É pelo principal partido da oposição (já liderado por Ossufo Momade após a morte do histórico Afonso Dhlakama) que voltou a concorrer às autárquicas de Maputo, em 2018, mas a sua candidatura foi impugnada pela CNE a pedido do MDM, que lembrou que não é elegível quem tiver renunciado ao mandato anterior. Mais uma das injustiças que Mondlane diz ter acompanhado a sua carreira política. Tornou-se depois assessor para assuntos políticos do presidente da Renamo e mandatário nacional, regressando em 2019 à Assembleia da República, onde foi relator da bancada. Em 2023 foi, pela terceira vez, candidato às autárquicas em Maputo. Reclamou a vitória, mas a Frelimo voltou a ser dada como vencedora. “Em vez de celebrar, enfrenta a injustiça”, diz o vídeo do perfil.Em junho do ano passado, deu-se a rutura com a Renamo, com Momade a acusá-lo de minar o partido com “chantagens e agendas ocultas”. Mondlane, que tinha sido excluído de concorrer à liderança partidária por não cumprir os requisitos do perfil definido pelos órgão do partido, alegou querer procurar “meios alternativos para promover a ética, princípios e valores de uma democracia plena”, deixando também o cargo de deputado. “Eu irei onde o povo disser para eu ir. Eu farei aquilo que o povo disser para eu fazer”, escreveu no Facebook, onde é muito ativo nos lives (diretos) para o contacto com os apoiantes. Na altura já estaria a recolher assinaturas para ser candidato à presidência nas eleições gerais de outubro, para as quais acaba por avançar com o apoio do Podemos (fundado em 2019 por dissidentes da Frelimo). Apresentou-se então como o “candidato do povo”, liderando a contestação à nova vitória da Frelimo.