As eleições gerais de Angola em dez perguntas

Que sistema é o angolano? E o regime? Como se escolhem os representantes? O que marcou a campanha? Respondemos a estas e outras questões.

O cenário é o de eleições bipolarizadas e as mais disputadas de sempre. Mas o sufrágio de hoje é mais do que uma escolha entre MPLA ou UNITA, João Lourenço ou Adalberto Costa Júnior. As eleições gerais de Angola em dez perguntas e outras tantas respostas.

É uma eleição presidencial?

Não. A Constituição aprovada em 2010 e a consequente reforma eleitoral de dezembro de 2011 acabaram com as eleições presidenciais. O sistema político de Angola é presidencial, com o chefe de Estado a acumular a chefia do governo. No entanto, o presidente escolhido é o número um da lista de candidatos a deputados à Assembleia Nacional pelo partido mais votado nas eleições gerais. A mesma lógica aplica-se ao vice-presidente. Ou seja, num único boletim e numa única escolha, os eleitores elegem o presidente, o vice-presidente e os deputados. Os 220 representantes são eleitos de duas formas: 130 numa circunscrição única nacional e os restantes 90 pela votação em cada uma das 18 províncias do país, através do método de Hondt.

Quem vota?

Tem direito de voto o cidadão angolano maior de idade, desde que registado como eleitor e com capacidade eleitoral, isto é, que não seja um condenado a cumprir pena de prisão, nem um demente "notoriamente reconhecido". Num país com 33 milhões de habitantes, há 14,3 milhões de eleitores. Pela primeira vez os residentes no estrangeiro - em rigor, em 12 países - podem votar. Mas nessas assembleias de voto, divididas por 25 cidades, Porto e Lisboa incluídas, só há 12 mil eleitores registados.

Pela primeira vez há uma mulher candidata à presidência, Florbela Malaquias, pelo Partido Humanista. Pelo MPLA, Esperança da Costa concorre à vice-presidência.

Quem são os candidatos?

Por defeito, o líder do partido é o candidato número um, logo, o concorrente à presidência. Há oito partidos a votos, mais dois do que na eleição anterior, em 2017, com a admissão pelo Tribunal Constitucional do Partido Humanista de Angola, liderado por Florbela Malaquias (a primeira mulher candidata ao mais alto cargo); e do P-NJANGO, uma criação de Eduardo "Dinho" Chingunji, dirigente de uma família com ligações históricas à UNITA. O partido do galo negro é chefiado por Adalberto Costa Júnior (também conhecido como ACJ). O MPLA mantém João Lourenço - o atual presidente do país - na liderança. São ainda candidatos Quintino Moreira (ANP - Aliança Patriótica Nacional), Manuel Fernandes (CASA-CE), Nimi A. Simbi (FNLA) e Benedito Daniel (PRS - Partido de Renovação Social).

E as mulheres?

A paridade de género nas listas de candidatos está longe de ser uma realidade. No entanto, além da ex-militante da UNITA "Bela" Malaquias, há outras mulheres em posição de destaque nas listas. E no MPLA o sinal foi dado: nos primeiros cem lugares 47 são mulheres. Além disso, o partido no poder desde 1975 reservou as três posições seguintes à de João Lourenço a mulheres: Esperança da Costa, atual secretária de Estado das Pescas; Carolina Cerqueira, ministra para Área Social; e Luísa Damião, deputada e vice-presidente do MPLA. São respetivamente candidatas à vice-presidência, presidência da Assembleia Nacional e liderança da bancada do partido. Pela UNITA participam 23 mulheres nos primeiros 100 lugares da lista. A mais bem posicionada é Arlete Chimbinda, no terceiro lugar.

Metade dos eleitores tem menos de 35 anos. Entre os mais novos, na faixa dos sub-25, o desemprego atinge mais de 50%

Não havia uma frente da oposição?

Os dirigentes da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) tentaram formar uma plataforma comum com o Bloco Democrático, de Filomeno Vieira Lopes, e o PRA-JA - Servir Angola, de Abel Chivukuvuku. Mas a Frente Patriótica Unida, lançada em outubro último, foi rejeitada pelo Tribunal Constitucional em maio, estando proibida de realizar atividades políticas. A solução encontrada foi integrar membros dos partidos nas listas da UNITA. Pelo Bloco Democrático concorre o anterior líder, Justino Pinto de Andrade, e pelo PRA-JA o seu líder, ex-UNITA e ex-CASA, Abel Chivukuvuku. Este é o número dois da lista, ou seja, o candidato a vice-presidente. A lista da UNITA conta também com alguns jovens ativistas que pertenceram ao Movimento Revolucionário Angolano, conhecidos como "revús".

Como correu a campanha?

O impedimento da formação da plataforma Frente Patriótica Unida foi o prólogo para uma campanha eleitoral marcada pelas trocas de acusações pessoais entre os dirigentes partidários e com várias queixas e suspeitas da oposição sobre o processo eleitoral, em particular sobre o papel da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Temas como o combate à pobreza e à desigualdade, o desemprego ou a educação acabaram por ficar nos textos dos programas de governo. Se João Lourenço prometeu melhorias para o país e fez campanha pela paz social, Adalberto da Costa Júnior foi a voz da palavra "mudança", tendo advogado mais transparência. Pelo meio, o processo de trasladação do corpo do anterior presidente, José Eduardo dos Santos, de Barcelona para Luanda, com a viúva e os filhos mais velhos a disputarem a guarda do mesmo.

Na lista de 14,3 milhões de eleitores registados, as autoridades admitem que haja até dois milhões de registos desatualizados, entre emigrados e falecidos.

Por que está a CNE no centro das atenções?

A UNITA e elementos da sociedade civil queixaram-se de os cadernos eleitorais conterem, pelo menos, dois milhões de mortos, como reconhecido pelo Ministério da Administração do Território, e de eleitores estarem em listas de assembleias de voto fora da área de residência. Já o Partido Humanista queixa-se de que as atas das mesas de voto não contêm a indicação do número de votantes, o que pode abrir a porta à fraude. Além disso, a lei eleitoral foi alterada no ano passado, tendo revogado o apuramento dos resultados ao nível municipal e provincial. Compete agora à Comissão Nacional Eleitoral a centralização dos resultados e a distribuição dos mandatos, o que levou a oposição e o Observatório Eleitoral Angolano a criticarem a medida.

O que é o "votou, sentou"?

Alguns dirigentes da oposição apelaram para os votantes permanecerem junto das assembleias de voto como forma de pressionar a publicação dos resultados locais. Além do MPLA, que respondeu com um "votou, bazou", a CNE e a polícia alertaram para a ilegalidade da permanência dos eleitores na assembleia de voto. Refira-se que cada partido tem direito à permanência de um delegado em cada mesa de voto. Além disso, há mil observadores angolanos e dezenas de observadores internacionais, alguns dos quais políticos portugueses convidados pelo presidente.

Apesar de a comunidade angolana em Portugal exceder as 80 mil pessoas, apenas 7600 estão registadas.

Que regime é o angolano?

A desconfiança da oposição e da sociedade civil sobre o processo eleitoral num país governado desde a independência pelo mesmo partido leva à pergunta: qual a relação de Angola com a democracia? Segundo o índex da Economist Intelligence Unit, o regime angolano é "autoritário" e recuou em 2021 face ao ano anterior, estando no lugar 122 entre 167 estados analisados. Para a Freedom House, Angola é "não livre" e recolhe 30 pontos em 100 possíveis. Na avaliação Democracy Matrix, da Universidade de Würzburg, o país está classificado como uma "autocracia moderada", na 120.ª posição entre 176. E para o Instituto V-Dem, de Gotemburgo, Angola é uma "autocracia eleitoral", no 126.º lugar em 179.

Quem é o favorito?

Tudo indica que as quintas eleições no país serão as mais disputadas, apesar de ser difícil de aferir. As sondagens são proibidas durante o período de campanha e a única publicada, em Africaelects.com, da responsabilidade do Angobarometro, atribui 56% à UNITA e 30% ao MPLA, mas desconhece-se o método seguido. Já a CEDESA, numa análise às sondagens anteriores, atribui o favoritismo ao MPLA, ao prever para o partido no poder um resultado entre 54% e 61%, ao mesmo tempo que a UNITA alcança cerca de 40%. Em 2017, o MPLA obteve 61% e a UNITA 26,6%.

cesar.avo@dn.pt

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