Crianças palestinianas analisam os danos causados pelo ataque israelita a um campo de refugiados de Rafah.
Crianças palestinianas analisam os danos causados pelo ataque israelita a um campo de refugiados de Rafah.EPA/HAITHAM IMAD

Após quatro meses, o que separa Israel e o Hamas de uma trégua?

Benjamin Netanyahu rejeitou a proposta de cessar-fogo e troca de reféns feita pelo grupo terrorista palestiniano, mas as negociações continuam no Cairo.
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O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, respondeu à proposta de cessar-fogo do Hamas com vista à libertação dos reféns com a declaração de que Israel está “a poucos meses” da vitória total e a ordem para que as suas forças comecem as operações terrestres em Rafah. Apesar da nova ronda de negociações estar prevista para hoje, no Cairo, a resposta de Netanyahu demonstra que, quatro meses após o início da guerra, ainda há um longo caminho a percorrer até ser possível um cessar-fogo.

“Estamos a caminho da vitória completa. A vitória está ao nosso alcance”, disse o primeiro-ministro israelita numa conferência de imprensa, alegando que o triunfo será “uma questão de meses” e que os termos da contraproposta do grupo terrorista eram “delirantes”. E insistiu: “O dia depois é o dia depois do Hamas. Todo o Hamas.” Netanyahu defendeu que “não há outra solução a não ser a vitória completa”, alegando que “render-se às suas exigências apenas convidaria a um novo massacre”, como o de 7 de outubro, no qual Israel diz terem morrido quase 1200 pessoas. 

A proposta do grupo terrorista palestiniano foi feita em resposta a um primeiro texto, submetido na semana passada pelos negociadores do Qatar e do Egito, após conversações de alto nível em Paris com os EUA e Israel. O plano, que o Hamas disse ser “razoável e realista”, está dividido em três fases, cada uma com 45 dias. Mas o objetivo final seria o fim da guerra, que as autoridades de Gaza (controladas pelo grupo terrorista) dizem já ter causado a morte a 28 mil palestinianos.

As três fases do plano

A prime ira fase do plano passaria pela libertação, por parte do Hamas, de todas as reféns do sexo feminino, os jovens menores de 19 anos que não são militares, os idosos e os doentes. Em troca, o grupo terrorista pedia a libertação das mulheres, crianças e idosos palestinianos que estão presos em Israel. 

O Hamas queria ainda, nesta fase, o compromisso de Israel da libertação de 1500 prisioneiros, sendo 500 deles escolhidos entre os que estão condenados a prisão perpétua. Finalmente, falava do aumento da ajuda humanitária à Faixa de Gaza (500 camiões por dia), o regresso dos deslocados às regiões de onde saíram e o início da reconstrução das casas e hospitais.

A segunda fase passava pela libertação de todos os reféns do sexo masculino em troca de presos palestinianos, além da continuação da entrada de ajuda no enclave e o início da retirada das forças israelitas da Faixa de Gaza. Antes do início da terceira fase, teria de se negociar uma “trégua completa” e o regresso à “calma”. A terceira fase passaria pela devolução dos corpos dos restantes reféns, após a identificação, e a continuação da ajuda humanitária. 

A proposta do Hamas foi apresentava como não sendo negociável. “Entre estes detalhes, nenhum pode ser comprometido”, disse à Al-Jazeera, o porta-voz do grupo, Muhammad Nazzal. “A máquina de matar israelita deve ser interrompida. Desejamos ver a retirada total das forças de ocupação israelitas da Faixa de Gaza. A nossa resposta é realista e as nossas exigências são razoáveis.”

O plano inicial, que terá sido apresentado ao Hamas após a reunião de Paris, também incluía três fases, sendo a primeira de seis semanas e passaria pela libertação de 40 reféns (mulheres, idosos e doentes) em troca de um número incerto de presos palestinianos. Os termos das outras fases não chegaram a estar fechados, mas a segunda passava também pela libertação dos restantes reféns do sexo masculino, enquanto na terceira seriam devolvidos os corpos. O rácio de número de presos palestinianos libertados por refém variava a cada fase, sendo que nas duas últimas não tinham sido estabelecidos prazos para o cessar-fogo.

Na prática, o que diferencia um plano do outro será a exigência do Hamas da retirada total do Exército israelita de Gaza, sem que haja uma cedência do poder no enclave. Algo que o Governo israelita rejeita. Segundo o Channel 13, o Executivo de Netanyahu e os EUA estarão a discutir o eventual exílio dos líderes militares do Hamas num país terceiro (a liderança política já está fora de Gaza).

Numa primeira reação à contraproposta do grupo terrorista palestiniano, o porta-voz do Governo israelita disse que estava a ser analisada “atentamente”. Contudo, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, deixou mais tarde o aviso de que “a resposta [do Hamas] foi formulada para que Israel a recusasse”. E considerou que era uma posição que ia levar à “continuação da guerra” e enviar as forças israelitas “para outros locais de Gaza rapidamente”. 

A ameaça veio a confirmar-se mais tarde, quando o primeiro-ministro anunciou, na conferência de imprensa, ter dado autorização para que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) atuassem em Rafah - a localidade junto à fronteira com o Egito onde se concentram 1,1 milhões de deslocados. Muitos já tinham trocado as suas casas no norte da Faixa de Gaza por Khan Yunis, no sul, até o Exército israelita começar as operações também nesta cidade.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, mostrou-se “alarmado” com essa possibilidade. “Tal ação aumentaria exponencialmente o que já é um pesadelo humanitário com consequências regionais incalculáveis”, alertou, na apresentação das prioridades para 2024 perante a Assembleia-Geral da ONU. “É hora de um cessar-fogo humanitário imediato e da libertação incondicional de todos os reféns. Isto deve conduzir rapidamente a ações irreversíveis no sentido de uma solução de dois Estados, baseada nas resoluções das Nações Unidas, no Direito Internacional e em acordos anteriores”, instou.

Blinken ainda confiante

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, no encontro com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
FOTO: EPA/GPO/Amos Ben Gershom

A negativa de Netanyahu à proposta do Hamas surgiu horas depois de o primeiro-ministro se encontrar com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. Os dois acabaram, contudo, por falar em separado aos jornalistas, sendo que Blinken seguiu depois para Ramallah, para reunir com o líder da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas.

“Há muito trabalho por fazer”, admitiu Blinken sobre um acordo para a libertação de reféns, mostrando-se, ainda assim, otimista. Uma trégua inicial de uma semana, no final de novembro, permitiu a libertação de cerca de 100 reféns, na maioria mulheres e crianças. “Estamos muito focados nesse trabalho para, esperamos, poder retomar a libertação dos reféns que foi interrompida”, confessou Blinken. 

Uma “nova ronda de negociações” para alcançar “a paz na Faixa de Gaza” está prevista para hoje, no Cairo, revelaram esta quarta-feira os egípcios, exortando “as duas partes a mostrarem a flexibilidade necessária”. O responsável disse, sob anonimato à AFP, que o Egito “está a realizar esforços intensos e persistentes para chegar a um acordo de trégua”. 

Ainda em Jerusalém, o secretário de Estado norte-americano disse também estar a discutir mais ajuda a Gaza. “Todos temos a obrigação de fazer todo o possível para levar a ajuda necessária a todos aqueles que dela precisam desesperadamente”, afirmou. Netanyahu, entretanto, confirmou aos jornalistas que rejeitou o pedido de Blinken para se reunir em privado com o chefe do Estado-Maior de Israel, Herzi Halevi, dizendo que ele também não faz o mesmo quando vai aos EUA ou a outro país qualquer.

Na reunião com Blinken, Abbas pressionou para que os EUA reconheçam o Estado palestiniano e reiterou que a paz e segurança só podem ser alcançadas através de uma solução de dois Estados. O líder da Autoridade Palestiniana pediu ainda pressão para que Israel liberte os fundos destinados a Ramallah que mantém retidos, argumentando que podem ser transferidos para o Hamas.

susana.f.salvador@dn.pt 

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