Apoiantes do reformista Massoud Pezoshkian durante um comício num estádio em Teerão.
Apoiantes do reformista Massoud Pezoshkian durante um comício num estádio em Teerão.ATTA KENARE / AFP

Após morte de Raisi, eleições são prova de vida do regime

Após a desistência de dois candidatos na quarta-feira, os eleitores iranianos escolhem nesta sexta-feira entre três homens da linha dura da teocracia e um reformista que tentou mobilizar mulheres e jovens. 
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Num ano marcado pelo número inaudito de pessoas chamadas a votar em mais de 50 países, algumas eleições foram antecipadas por motivos políticos - caso do Reino Unido ou de França - ou por motivo de força maior, como aconteceu no Irão com a morte do presidente Ebrahim Raisi num acidente de helicóptero. Nos três países a vitória da oposição é possível (muito provável na Europa), mas nas eleições que decorrem hoje, e nas quais o regime teocrático xiita quer dar prova da sua força, a afluência às urnas pedida pelo líder supremo poderá jogar contra si.

Por terem sido organizadas em tão pouco tempo - a Constituição dita que as eleições sejam realizadas até 50 dias após o falecimento do presidente - há a perceção de que este sufrágio não tem um vencedor determinado, ao contrário de 2021, quando Raisi, da ala mais fundamentalista do regime, se apresentou sem concorrência séria nem candidatos da oposição reformista. O resultado foi a mais baixa participação em presidenciais, 49%. Registo pior só nas eleições parlamentares deste ano, que a Prémio Nobel da Paz Narges Mohammadi, na prisão, apelou para o seu boicote.

Desta vez 80 pessoas registaram-se como candidatas, tendo o Conselho dos Guardiães, uma entidade formada por uma dúzia de clérigos e de juristas, aprovado os nomes de seis, um dos quais Massoud Pezoshkian, reformista. As sondagens indicam que este pode ficar em primeiro ou em segundo na primeira volta, mas esta novidade face a 2021 terá, porém, de convencer o eleitorado a dirigir-se às mesas de voto. Nas eleições ganhas em 2013 e 2017 por Hassan Rouhani, o último reformista na chefia do Governo, a abstenção foi na ordem dos 30%. 

Para o ayatollah Khamenei é hora de toque a rebate. Num discurso na terça-feira, o líder de 85 anos apelou para a participação popular como forma de afirmar o regime, que, por sua vez, não consegue tirar economia da crise e a sociedade de um torpor após a mais recente onda repressiva causada pelos protestos da morte de Mahsa Amini, em 2022. “Sublinhamos a importância de uma participação elevada porque é o orgulho da república islâmica. Em todas as eleições em que a taxa de participação foi baixa, os inimigos da república islâmica denunciaram-nos”, afirmou.

“Deixar Pezeshkian concorrer pode ser visto como uma tentativa de aumentar a participação, mas veremos se este será bem-sucedido em apelar para um eleitorado que está extremamente desiludido”, interroga-se Michelle Grisé, investigadora da Rand ao The Washington Post. Reportagens da Associated Press e da AFP em Teerão descrevem a apatia e o conformismo dos eleitores, que se dividem entre a abstenção e o voto nos principais candidatos da linha dura, o presidente do Parlamento Mohammad Qalibaf e o antigo negociador nuclear Saeed Jalili. 

Pezeshkian, de 69 anos, é cirurgião cardiovascular, ex-ministro da Saúde, deputado e largamente desconhecido do eleitorado antes da campanha. Com um discurso a querer reabrir as negociações com o exterior e virado para as mulheres, a juventude e as minorias étnicas, o candidato atraiu multidões. Distanciou-se de todos os outros candidatos ao declarar não querer que a lei que impõe o véu islâmico seja aplicada de forma repressiva como até agora. Recuperou a cor do Movimento Verde (das eleições de 2009 e dos protestos que se seguiram à vitória de Ahmadinejad) e o mote “Pelo Irão” da campanha de um anterior presidente reformista, Mohammad Khatami (que declarou o seu apoio, tal como o ex-MNE Javad Zarif). 

O outsider, que se for eleito terá de lidar com o poder do líder religioso e político e do todo-poderoso Corpo dos Guardas da Revolução, recebeu uma advertência de Khamenei no referido discurso: “Alguns [políticos] pensam que todos os caminhos para o progresso passam pela América. Não, essas pessoas não podem governar bem o país.” 

cesar.avo@dn.pt

Sob um quadro do líder supremo, os candidatos Jalili, Pourmohammadi e Qalibaf ouvem o único reformista, Pezeshkian (da esq. à dir.), num debate televisivo. MORTEZA FAKHRINEJAD / IRIB / AFP

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