Análise: Israel 100% determinado a manter o exclusivo do poder nuclear no Médio Oriente
Das nove potências nucleares atuais, Israel é aquela que sempre insistiu em manter ambiguidade total sobre a existência do seu arsenal, apesar do famoso artigo no Sunday Times nos anos 1980 sobre as instalações em Dimona e da monumental gaffe do primeiro-ministro Ehud Olmert em 2006 numa entrevista a uma televisão alemã em que citou o nome do Estado Judaico entre vários países detentores da bomba. “O Irão, aberta, explícita e publicamente, ameaça varrer Israel do mapa. Pode dizer-se que este é o mesmo nível, quando aspiram a ter armas nucleares, como os Estados Unidos, a França, Israel e a Rússia?", disse o então governante israelita, já com a eventual bomba iraniana no centro das atenções mundiais.
Em paralelo, e sem surpresa, Israel é também a potência nuclear que mais ativamente tem procurado contrariar as ambições nucleares de países inimigos, agora sem quaisquer reticências contra o Irão, com o ataque da noite passada, mas antes a Síria, com o bombardeamento de um reator em 2007, e mais espetacularmente o Iraque, em 1981, com a pulverização de Osirak, o nome do reator situado num subúrbio de Bagdad. Aconteceu a 7 de junho de 1981, fez há dias 44 anos.
A ação que destruiu Osirak envolveu meios militares consideráveis, com os aviões israelitas a terem de fazer mais de 1500 quilómetros para atingir o alvo no Iraque. E, sabe-se hoje, requereu uma vasta operação de espionagem internacional, para apurar os projetos de Saddam Hussein e o nível de ameaça que representavam para Israel. O ataque agora contra o Irão apresenta algumas semelhanças no plano militar, sendo que o país é ainda mais distante do que o Iraque. E envolveu, obviamente, os serviços secretos, como se deduz das notícias sobre chefes militares e cientistas nucleares mortos.
As 90 ogivas que a Federação dos Cientistas Americanos (um think tank de luta contra a proliferação nuclear) atribui a Israel até podem fazer fraca figura perante os atuais arsenais americano e russo, cada qual com mais de 5000 ogivas, ou mesmo do chinês, com 600, mas garantem a Israel uma vantagem decisiva num contexto regional de extrema hostilidade que dura desde a fundação do Estado Judaico em 1948. E mesmo depois da paz feita com os vizinhos Egito em 1979 e Jordânia em 1994, e da vaga recente de estabelecimento de relações diplomáticas com outros países árabes, Israel nunca deu qualquer sinal de pretender baixar a guarda. Bem pelo contrário: depois do ataque do movimento palestianiano Hamas a partir de Gaza, a 7 de outubro de 2023, que reacendeu o crónico conflito no Médio Oriente, houve já ataques e contra-ataques a envolver o Irão, o Líbano e o Iémen. E também que ter em conta aquilo que Israel chamou de operações preventivas na Síria, onde o arqui-inimigo Bachar Assad cedeu o lugar a uma coligação de forças jihadistas cujo projeto em relação ao vizinho é uma incógnita.
Evitar que o Irão se dote da bomba nuclear, mesmo com as declarações sucessivas da liderança de Teerão de que o projeto é meramente civil, constitui uma prioridade assumida por Israel sem qualquer dissimulação, como agora foi comprovado.
Há mais ou menos uma década, quando durante a presidência de Barack Obama os Estados Unidos negociaram com o Irão um acordo que visava garantir uma vigilância internacional do programa nuclear para o manter pacífico, Benjamim Netanyahu, então como agora primeiro-ministro israelita, chegou a irritar Washington por insistir em ameaçar Teerão. Nem as recentes negociações com o Irão promovidas por Donald Trump, o presidente que no anterior mandato agradou a Israel por ter desfeito o acordo da era Obama, alteraram um milímetro essa determinação israelita em eliminar de vez qualquer hipótese de um rival regional com poder nuclear. Fica apenas por esclarecer o porquê da escolha deste exato dia para o ataque às instalações nucleares iranianas, sendo que a agência da ONU para a energia nuclear acusou esta semana, pela primeira vez em 20 anos, o Irão de falhar com as suas obrigações em termos de não-proliferação. Já Netanyahu, após o ataque, afirmou que “nos últimos meses, o Irão adotou medidas nunca antes tomadas, medidas para transformar o urânio enriquecido numa arma. Se não for interrompido, o Irão poderá produzir uma arma nuclear num prazo muito curto. Poderá demorar um ano. Poderá demorar alguns meses, menos de um ano. Este é um perigo claro e imediato para a própria sobrevivência de Israel.”