Como imagina a relação da Argentina com os Estados Unidos a partir de 20 de janeiro, quando Donald Trump tomar posse? Sabemos que houve uma conversa telefónica entre o presidente-eleito Trump e o presidente argentino e que, inclusive, Trump ter-se-á referido a Javier Milei como o seu presidente favorito. Há expectativa de que haja uma mudança para melhor nas relações entre a Argentina e os Estados Unidos?As relações entre a Argentina e os Estados Unidos já são muito boas. Os Estados Unidos são, desde há muito tempo, o nosso principal investidor estrangeiro. Mas o presidente Milei, quando assumiu o governo, disse que a Argentina iria ter uma relação estratégica com todos os países que valorizam a civilização ocidental, a democracia, que respeitam os direitos humanos, e mencionou dois especialmente, que foram os Estados Unidos e Israel. Antes mesmo de Trump ganhar as eleições, Milei foi o único presidente a assistir ao que se chama CEPAC, que é uma espécie de reunião conservadora que se faz nos Estados Unidos e onde claramente expressou o seu apoio.Houve uma situação diplomaticamente complicada que tem muito a ver com essa relação desejada com os Estados Unidos, que foi a demissão da ministra dos Negócios Estrangeiros quando, nas Nações Unidas, a Argentina votou a condenar o embargo americano a Cuba. O presidente Milei demitiu a ministra Diana Mondino por achar que a posição diplomática da Argentina devia ser diferente. Isto é uma grande mudança a nível da política externa da Argentina…O presidente Milei tem uma posição muito clara sobre o que significa ser um aliado dos Estados Unidos e como, num mundo que está a mudar geopoliticamente, é essencial ter uma posição definida de apoio às democracias ocidentais. Isso tem de refletir-se na posição da Argentina nas votações nas Nações Unidas, tanto em relação aos Estados Unidos como ao direito de Israel em se defender.O outro grande país das Américas é o Brasil, vizinho da Argentina, e que tem um governo claramente de esquerda, com o presidente Lula da Silva. Como estão as relações entre a Argentina e o Brasil?As relações são ótimas. Acho que uma boa forma de medir concretamente as relações entre os dois países é observar como se comportam quando um precisa do outro. Um bom exemplo foi o que aconteceu na embaixada da Argentina na Venezuela, em Caracas, com os asilados que estavam lá dentro no momento em que os diplomatas argentinos tiveram de deixar o país. Quando pedimos ao Brasil para assumir a gestão da embaixada e cuidar dos interesses da Argentina, o Brasil aceitou imediatamente. Muitas vezes, as pessoas podem não ter as melhores relações a nível pessoal, mas uma coisa é a relação pessoal e outra são as políticas de Estado. Tanto a Argentina como o Brasil sabem que é de interesse estratégico e fundamental para qualquer governo manter as relações num estado ótimo entre os dois países..“Tanto a Argentina como o Brasil sabem que é de interesse estratégico e fundamental para qualquer governo manter as relações num estado ótimo entre os dois países.”.O Brasil foi um dos países fundadores dos BRICS, com a Rússia, a China e a Índia. A Argentina foi convidada a aderir, mas decidiu não entrar no grande alargamento de 2024. Essa decisão mantém-se? Os BRICS não estão no horizonte da Argentina?Não. A Argentina considera que a melhor forma de manter boas relações com vários dos países que integram os BRICS é ao nível bilateral. Também porque, às vezes, os BRICS parecem funcionar também como uma união política entre os seus membros. Como o principal objetivo da Argentina é ser aliada das principais democracias ocidentais, que respeitam os direitos humanos, a abordagem mais eficaz é tratar essas relações de forma bilateral com cada país. Além disso, quando a Argentina foi convidada para os BRICS, também foram convidados países com os quais não temos boas relações, como o Irão. Não esquecemos que sofremos dois atentados nos anos 1990 contra cidadãos argentinos, que mataram mais de 100 pessoas, tendo a justiça argentina determinado a responsabilidade do Hezbollah e do Irão.Ao contrário do que aconteceu com os BRICS, no caso da NATO a Argentina deu sinais de querer aprofundar a sua relação. Esse interesse é firme quando há uma guerra na fronteira da aliança militar? Foram dados passos concretos nesse sentido?A Argentina considera importante integrar alianças com países que partilham os nossos valores. Valores como o princípio de respeito pela soberania dos Estados, pela integridade territorial e pelo não uso da força ou da ameaça da força entre Estados, salvo para a legítima defesa. Por isso, sempre coincidimos com a NATO na condenação da invasão russa da Ucrânia. E também por isso a Argentina avançou com o processo formal de entrada na NATO como sócio global em abril do ano passado.Neste momento, a Argentina volta a ser notícia e por razões positivas. O risco-país está nos níveis mais baixos de seis ou sete anos. E a inflação está finalmente a ser controlada. A imagem internacional da Argentina está a melhorar?Tanto a inflação quanto o risco-país são elementos que definem o bem-estar de uma população. A Argentina, quando o presidente Milei assumiu o Governo, tinha uma inflação de mais de 25% ao mês. Após um ano, esse índice caiu para 2,4% ao mês, e as projeções indicam que ainda vai baixar muito mais. A inflação é o pior imposto, porque quem mais sofre são os pobres. Acho que isso é uma das razões pelas quais o presidente Milei tem tanto apoio popular. O risco-país também é crucial, porque, ao reduzir o custo do endividamento das indústrias, permite às empresas desenvolverem projetos de longo prazo. Voltando à pergunta, nas reuniões que tenho com empresários portugueses - alguns com investimentos na Argentina, outros que nunca tinham considerado o país -, todos destacam como a Argentina está agora nos seus planos para 2025. Nós, devido à nossa situação económica nas últimas décadas, nem sequer estávamos na lista de países da América Latina onde se queria investir. Hoje, estamos entre os primeiros. E se olharmos para os fluxos de investimento financeiro na América Latina em 2024, a Argentina foi o único país com um fluxo positivo. É incrível como os resultados superaram até as expectativas do próprio Governo: o gasto público caiu de 49% para 33% do PIB, e o défice orçamental, que era de 15% se incluirmos as dívidas do Banco Central, passou a superavit. E cada ponto de superavit que a economia da Argentina conseguir, com o atual plano, automaticamente isso vai dar uma redução de impostos. Então, a Argentina aponta a ser, não só um dos países mais livres, como também com os impostos mais baixos.Mas os críticos do presidente Milei dizem que essa terapia de choque também aumentaria a taxa de pobreza, porque o Estado investiu menos. Essa taxa continua a aumentar ou já está a ser reduzida?Quem disse isso devia estar a pensar na escola Keynesiana. Só para se ter uma ideia, nos anos 1970, a Argentina era um dos poucos países da América do Sul que não tinha pobres, quase todos eram de classe média. A taxa de pobreza naquela altura era de 5%. Depois, tivemos principalmente políticas populistas e intervencionistas, com cada vez mais gasto público. Quando o presidente Milei chegou, em dezembro de 2023, tínhamos aproximadamente metade da população abaixo da linha da pobreza. Hoje, a taxa está em torno de 38%, e, embora continue muito alta, a expectativa é que, no próximo ano, caia ainda mais. E ainda nem se começaram a ver os resultados dos setores que, com um país mais livre e uma economia estável, se vão desenvolver muito mais, como o setor energético e os minérios. A Argentina tem um depósito chamado Vaca Muerta, que é o segundo maior depósito de gás natural não convencional do mundo e o quarto de petróleo. Até 2023, a Argentina importava quase cinco mil milhões de dólares em gás natural. Já este ano, exportou entre cinco e seis mil milhões. A projeção é que, até 2030, esteja a exportar aproximadamente 30 mil milhões de dólares. Isso terá um impacto muito forte no PIB. Só com esta parte energética, as nossas exportações podem aumentar 30%. Outro setor com grande potencial é o setor mineiro, especialmente no âmbito do cobre e do lítio. E já há muitos investimentos de França, Canadá e Austrália, também porque o presidente conseguiu aprovar uma lei chamada RIGI [Regimen de Incentivo para Grandes Inversiones] que reduz os impostos, elimina grande parte das tarifas alfandegárias e garante uma estabilidade de 30 anos para as empresas que investirem mais de 200 milhões de dólares em determinados setores..“Quando o presidente Milei chegou, em dezembro de 2023, tínhamos aproximadamente metade da população abaixo da linha da pobreza. Hoje, a taxa está em torno de 38%.”.Em relação a Portugal e a Argentina, com o avanço do acordo UE-Mercosul, em termos práticos, na relação bilateral, o que é que significa?O acordo UE-Mercosul é sobretudo um acordo de livre comércio. A Portugal, devemos agradecer por ser um país que sempre esteve na vanguarda do apoio a esse acordo. Os principais benefícios para um país como a Argentina é conseguir exportar produtos agrícolas com taxas alfandegárias cada vez menores, permitindo que o consumidor português tenha acesso a produtos de primeira qualidade a preços muito, muito bons. Além disso, o acordo facilita os investimentos entre os países e promove a adoção de boas práticas, eliminando barreiras não tarifárias que muitas vezes dificultam a exportação. Esse tipo de facilidade, para que haja mais comércio e investimento entre os países, é algo que o acordo UE-Mercosul permitiria e que faria com que as duas economias estivessem muito mais integradas. Portugal e a Argentina, enquanto países atlânticos, têm muito a ganhar com um acordo de livre comércio como este. Há uma pergunta que tenho feito a vários antecessores seus, que é sobre a possibilidade de um voo direto entre Portugal e Argentina. E juntava essa pergunta a uma outra. Havendo ou não um voo direto entre os dois países nos próximos tempos, há alguma possibilidade de o presidente Milei visitar Portugal?Falando do voo direto, tive uma reunião com o presidente da TAP e posso dizer que não só é do interesse da Argentina, mas também de Portugal que esse voo se concretize em breve. Por exemplo, Portugal é o quarto país da União Europeia que mais consome carne argentina, mas parte dessa carne chega refrigerada, a dois ou três graus. Para isso, geralmente precisa de vir de avião. Como não temos um voo direto, a carne vem via Espanha e, de lá, é transportada para Portugal. Um voo direto entre Argentina e Portugal não só impulsionaria o turismo, mas também melhoraria muito a logística para a carga comercial, permitindo que os números tanto de exportação como de importação cresçam significativamente. Quanto à visita de Estado, quando apresentei as cartas credenciais, foi o próprio Presidente de Portugal que manifestou interesse em visitar a Argentina ou em receber o presidente Milei aqui em Portugal. Se as agendas dos dois coincidirem, essa visita também poderá ser uma realidade.O senhor é um diplomata de carreira, e isso é até excecional em relação aos embaixadores da Argentina em Portugal. Sei também que é filho de um diplomata e que, quando o seu pai era embaixador na Roménia, viveu sob a ditadura de Nicolae Ceausescu. Que memórias é que tem dessa época?Eu não só vivi esses tempos, como também estudei numa escola de língua alemã que era controlada pelo Governo comunista. Lembro-me bem do meu primeiro dia: uma professora passou a mão no meu cabelo e, como era maior que um dedo, rapou-o imediatamente. No segundo dia, colocaram um número de matrícula no meu uniforme e, na semana seguinte, durante as aulas de doutrinação, perguntavam a cada um de nós qual era a rádio que os nossos pais escutavam. E se alguém dizia Europa Livre, que era a rádio ocidental dirigida a países comunistas, no dia seguinte a Securitate, o serviço secreto, aparecia na casa dos pais para levá-los a trabalhar nas minas de sal, onde a esperança de vida era de apenas alguns anos. Acho que, graças Ceausescu, me transformei numa das pessoas mais defensoras da democracia e do livre mercado. Ele teve em mim exatamente o efeito contrário do que esses países pró-soviéticos pretendiam naquela época.Agora vou-lhe fazer uma pergunta final que tem a ver com o futebol. Mas não lhe vou perguntar quem é melhor, se é Messi ou Ronaldo. Vou-lhe perguntar quem é melhor, se é Maradona ou Messi?Acho que cada um deles foi o melhor na sua época. Não se pode comparar. O futebol era muito diferente na época em que jogava o Maradona. Era um futebol com muito mais contacto, e o futebol agora é mais competitivo.