Internacional
30 março 2023 às 15h27

O apelo do inventor do telefone portátil: "Parem de olhar para os telemóveis"

Martin Cooper inventou o telemóvel em 1973. Agora, 50 anos depois, diz que as pessoas estão "obcecadas" com esta tecnologia.

DN/AFP

"O problema com os telemóveis é que as pessoas não param de olhar para eles." Esta é a opinião do engenheiro Martin Cooper, o homem responsável por inventar estes aparelhos, há cerca de 50 anos.

Martin Cooper, o engenheiro eletrotécnico e designer norte-americano que ficou conhecido como o pai do telemóvel, diz que o aparelho tem um potencial virtualmente ilimitado e que, um dia, pode ajudar na batalha contra algumas doenças. No entanto, considera que neste momento há pessoas obcecadas com esta tecnologia.

"Sinto-me péssimo​ q​​​​​​uando vejo alguém a atravessar a rua e a olhar para um telemóvel. Eles não estão a pensar", disse Martin Cooper, de 94 anos, à AFP no seu escritório em Del Mar, na Califórnia.

Cooper tem um Apple Watch e o iPhone mais recente, no qual ele salta intuitivamente do seu e-mail para fotografias e para o YouTube.

O engenheiro troca o aparelho a cada nova versão, à qual submete uma análise minuciosa. Reconhece, no entanto, que, com milhões de aplicativos disponíveis, a oferta pode ser demais. "Nunca vou aprender a usar um telemóvel da mesma forma que os meus netos e bisnetos", afirma.

O iPhone de Cooper, que ele usa essencialmente para fazer chamadas, é uma versão bem distante do pesado bloco com fios e circuitos usado para fazer a primeira chamada móvel, em 3 de abril de 1973. Na altura, trabalhava para a Motorola, liderando uma equipa de designers e engenheiros numa corrida para produzir a primeira tecnologia verdadeiramente móvel e evitar ficar de fora de um mercado emergente.

A empresa tinha investido milhões de dólares no projeto, com a esperança de derrotar a Bell System, uma empresa que dominou as telecomunicações nos Estados Unidos desde sua criação em 1877.

Os engenheiros da Bell lançaram a ideia de um sistema de telefonia logo após a Segunda Guerra Mundial e, no final da década de 1960, conseguiram colocar telefones em veículos, em parte devido à enorme bateria necessária para funcionar.

Para Cooper, isso não era "mobilidade real". Logo, no final de 1972, decidiu que queria criar um dispositivo que as pessoas pudessem utilizar em qualquer lugar.

Com os recursos da Motorola, reuniu especialistas em semicondutores, transístores, filtros e antenas, que trabalharam sem parar durante três meses.

No final de março, a equipa revelou o modelo DynaTAC (acrónimo para Cobertura Dinâmica e Adaptativa de Área Total).

"Este telefone pesava mais de um quilo e tinha bateria para 25 minutos de conversação", lembra. "Mas este último não foi um problema. O telefone era tão pesado que você não conseguia segurá-lo durante mais de 25 minutos", completa.

A primeira ligação não precisava ser longa. Bastava ser bem-sucedida. E que melhor destinatário do que o seu rival?

"Eu estava na Sexta Avenida [em Nova Iorque] e ocorreu-me ligar para o meu concorrente na Bell System, o doutor Joel Engel. Disse: Joel, daqui fala Martin Cooper. Estou a ligar a partir de um telefone. Mas um verdadeiro telefone pessoal, portátil. Houve um silêncio do outro lado da linha. Acho que ele estava a ranger os dentes", contou.

Avaliados em cerca de 4500 euros, os primeiros telemóveis não eram baratos, mas trouxeram benefícios para os seus primeiros utilizadores que, segundo Cooper, incluíam pessoas no ramo imobiliário.

"Quem trabalhava com imóveis, mostrava casas ou marcava com os clientes pelo telefone. Com o telemóvel passaram a poder fazer as duas coisas ao mesmo tempo, o que dobrou a produtividade", explicou.

"O telemóvel tornou-se uma extensão da pessoa, pode fazer tantas coisas", disse Cooper.

"Estamos apenas no começo. Estamos apenas a começar a entender o que ele pode fazer. No futuro, esperamos que o telemóvel revolucione a educação. Revolucionará a área médica", antecipa.

"Sei que parece exagero, mas dentro de uma ou duas gerações vamos vencer doenças", completou. Tal como o seu relógio monitoriza a sua frequência cardíaca e o seu telemóvel controla os aparelhos auditivos, os telemóveis um dia estarão conectados a uma série de sensores corporais que detetarão doenças antes que se desenvolvam.

Entre aquele "tijolo" de há cinco décadas e os aparelhos atuais, a distância é gigantesca. Cooper sempre soube, no entanto, que o dispositivo que ele e sua equipa criaram mudaria o mundo.

"Sabíamos que um dia todos teriam telemóveis. Estamos quase lá. Há mais telemóveis no mundo do que pessoas. Por isso, parte do nosso sonho tornou-se realidade", afirmou.

Ainda assim, as novas tecnologias trazem desafios. "Quando surgiu a televisão, as pessoas ficavam hipnotizadas. Mas, de alguma maneira, conseguimos entender que há uma qualidade associada a assistir televisão", observou.

Segundo Martin Cooper, estamos na fase de olhar para os nossos telemóveis sem pensar, mas isso não vai durar para sempre. "Cada geração é mais inteligente do que a anterior. Eles aprenderão a usar o telemóvel com mais eficiência. Mais cedo, ou mais tarde, os humanos vão descobrir isso", acrescentou.