Internacional
06 fevereiro 2023 às 22h51

Na Turquia é a "maior tragédia" desde 1939, no noroeste da Síria é "pior do que a guerra" 

Entre o abalo de 7.8 e outro de 7.5 na escala de Richter mediaram nove horas e dezenas de réplicas foram sentidas no sudeste da Turquia e no noroeste da Síria. Equipas de salvamento de vários países foram despachadas para aquela zona sísmica ativa.

A Turquia está a cumprir sete dias de luto nacional na sequência da série de sismos que levaram a destruição e a morte ao sul do país, bem como à vizinha Síria, tendo o maior deles, de magnitude 7.8 na escala de Richter, sido registado às 04.17 locais, 01.17 em Portugal continental perto da cidade de Gaziantep, cerca de 60 quilómetros da fronteira com a Síria, tendo sido sentido em Chipre e no Egito.

Nove horas depois, entre mais de 150 réplicas, das quais pelo menos 55 de magnitude 4.3 ou superior, novo forte sismo, desta feita de magnitude 7.5. À hora de fecho da edição os governos dos dois países contavam mais de 3500 mortes e 14.500 feridos, embora, como advertiu a Organização Mundial de Saúde, o número final poderá vir a ser multiplicado por oito. Ancara contou ainda 2834 edifícios colapsados.

A região situa-se geologicamente no limite de três placas tectónicas: a placa árabe no sul, a placa eurasiática no norte e a placa anatólica no meio, na qual se encontra a grande maioria do território da Turquia. Também no subsolo turco passa a Falha da Anatólia do norte, que vai do Iraque ao Mar Egeu e passa por Istambul, e a Falha da Anatólia oriental.

Dito de outra forma, os turcos têm os pés assentes em zonas sísmicas ativas, ou pelo menos 70% do território, segundo um relatório da Autoridade de Desastres e Emergências. Em 120 anos tinham sido registados 18 sismos de magnitude superior a 7 na escala de Richter. Um deles, em 1939, também de magnitude 7.8, atingiu Erzincan, tendo feito mais de 32 mil vítimas.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan fez alusão a este sismo ao dizer que o país foi abalado "pela maior tragédia" desde o terramoto de Erzincan. Uma declaração que poderá não vir a ser confirmada pelos factos - em 1999, o sismo de Izmit ceifou mais de 17 mil pessoas - mas que pode ser justificada pela emoção ou, de um ponto de vista mais cínico, pelo cálculo político. Dentro de três meses disputam-se eleições e a popularidade do presidente já conheceu melhores dias, pelo que a resposta a uma comoção nacional pode ser um bálsamo para o homem que conduziu a Turquia para uma linha conservadora e autoritária. Uma linha que o levou a confrontar a Grécia, aliado da NATO, uma e outra vez e a cortar os laços com o seu ex-amigo sírio Bashar al-Assad para agora querer reatá-los.

De Atenas a reação foi a que se esperava: o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis comprometeu-se a disponibilizar "todas as forças disponíveis" para ajudar o rival histórico depois de ter sido atingido pelo terramoto. O líder conservador disse que Ancara tinha aprovado o envio de uma equipa grega de salvamento de emergência, acrescentando que Atenas estava pronta a enviar "equipamento adicional, material médico, cobertores, tendas", dependendo de outros pedidos turcos. Mais tarde soube-se que falou com Erdogan, tendo oferecido "assistência imediata", o que se traduziu no envio de um avião C-130 com socorristas e material, numa missão liderada pelo chefe da proteção civil grega.

Nos últimos meses, Erdogan ameaçou a Grécia com uma invasão numa guerra de palavras relacionada com os direitos territoriais e a exploração de hidrocarbonetos no Mar Egeu. No entanto, os dois países têm um historial de cooperação conjunta na sequência de sismos.

A assistência com socorristas e material humanitário foi prometida por vários países da União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, pela Ucrânia e pela Rússia, Índia, Japão, e ainda pelo Qatar, Emirados, Irão e Israel. De Telavive partiu ainda na segunda-feira uma equipa de especialistas em busca e salvamento para a Turquia e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse ter autorizado o envio de ajuda à Síria no seguimento de um "pedido de uma fonte diplomática de ajuda humanitária à Síria", mas Damasco negou. "Como pode a Síria pedir ajuda a uma entidade que tem morto sírios há décadas?", disse um funcionário sírio aos jornalistas.

Damasco não reconhece Israel e os dois países travaram várias guerras. A região mais atingida pelo sismo, contudo, não está totalmente sob controlo do governo de Assad, mas pelo movimento islamista Tahrir al-Sham ou pelas Forças Democráticas da Síria, o movimento curdo que combateu o Estado Islâmico.

O regime de Assad, que fez um apelo aos estados-membros da ONU e ao Comité Internacional da Cruz Vermelha e outros grupos humanitários para ajudar a "encarar o terramoto devastador", recebeu em resposta um apelo da Amnistia Internacional para que "o governo sírio e as forças russas cessem de imediato os ataques contra civis" e permitam que a ajuda chegue a todas as áreas sem restrições.

Em Alepo, que ficou sob controlo governamental após violentas batalhas em 2016, um repórter da AFP ouviu Anas Habbash, de 37 anos, testemunhar que assim que sentiu o abalo desceu "as escadas a correr como um louco", carregando o seu filho e levando a mulher grávida para fora do edifício de apartamentos. "Assim que chegámos à rua, vimos dezenas de famílias em choque e medo." Algumas ajoelharam-se para rezar e outras começaram a chorar "como se fosse o dia do julgamento". Continuou: "Não tive essa sensação durante todos os anos da guerra. Isto foi muito mais difícil do que projéteis e balas."

316 000 mortos
Magnitude 7
Haiti
12 de janeiro de 2010

Com epicentro 25 quilómetros a sudoeste da capital Port-au-Prince, o abalo foi uma calamidade para um país já de si pobre e marcado por furacões e tempestades tropicais. Além do número de mortos, um milhão de haitianos ficou sem teto.

227 000
Magnitude 9.1
Indonésia
26 dezembro de 2004

O violento sismo, que ocorreu ao largo da ilha de Sumatra, desencadeou um tsunami que atingiu vários países além da Indonésia, como Sri Lanka, Índia, Tailândia, Birmânia ou Maldivas. Ao desastre humano somou-se a destruição ambiental e económica.

87 600
Magnitude 7.9
China
12 de maio de 2008

Ao terramoto ocorrido na província de Sichuan seguiram-se dezenas de réplicas que causaram posteriores desmoronamentos de terras em número recorde. Pelo menos 4,8 milhões de pessoas ficaram sem casa.

87 350
Magnitude 7.6
Paquistão 8 de outubro de 2005

Com epicentro na região de Caxemira controlada pelo Paquistão, o sismo não conheceu fronteiras e também levou a destruição à região controlada pela Índia e até ao Afeganistão. Segundo Islamabad morreram 19 mil crianças.

31 000
Magnitude 6.6
Irão
26 de dezembro de 2003

O sismo, cujo epicentro se situou a dez quilómetros da cidade histórica de Bam, no sudeste do Irão, arrasou a cidadela de adobe e cerca de 70% dos edifícios e infraestruturas da cidade moderna.

20 000
Magnitude 7.6
Índia
26 de janeiro de 2001
O terramoto teve epicentro no distrito de Kutch, no estado de Guzerate, sudoeste da Índia. A cidade mais afetada foi Bhuj, mas os seus efeitos também se sentiram no vizinho Paquistão.

15 690
Magnitude 9.0
Japão
11 de março de 2011

O terramoto que atingiu o nordeste do Japão teve epicentro a 70 quilómetros da costa e o tsunami que se seguiu - atingiu ondas de 40 metros - originou um desastre na central nuclear de Fukushima.

9 000
Magnitude 7.8
Nepal
25 de abril de 2015

O abalo telúrico, com origem 85 quilómetros a noroeste de Katmandu, originou ainda avalanches destruidoras, bem como um novo sismo, três semanas depois, de magnitude 7.3, que matou mais de 200 pessoas.

5 700
Magnitude 6.4
Indonésia
27 de maio de 2006

O choque ocorreu 20 quilómetros ao largo de Yogyakarta, na ilha de Java. Além de mais de 150 mil casas destruídas, o templo hindu de Prambanan, do século IX, património mundial da UNESCO, também ficou danificado.

4 300
Magnitude 7.5
Indonésia
28 de setembro de 2018

Também na Indonésia, mas na ilha de Celebes, o sismo foi precedido de uma série de abalos mais fracos e provocou um tsunami e o maior fenómeno registado de liquefação do solo.

cesar.avo@dn.pt