Estados Unidos ameaçam Rússia com "consequências catastróficas"
Se dúvidas houvesse, Sergei Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, tratou de as esclarecer. A pergunta que lhe foi dirigida foi muito direta: teria a Rússia motivos para usar armas nucleares para defender as regiões que fossem anexadas? Lavrov foi claro. Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporíjia, as quatro regiões onde decorrem os "referendos" estarão sob "proteção total" da Rússia se forem anexadas. E a explicação é simples: "Todas as leis, doutrinas, conceitos e estratégias da Federação Russa são para aplicar em todo o território" .
Lavrov reforçou a ideia ao sublinhar que o território russo - incluindo o território "mais consagrado" na constituição da Rússia no futuro - "está sob a proteção total do Estado".
A retórica de guerra sobe de tom e isso ficou ainda mais patente das palavras de Jack Sullivan, conselheiro de segurança da Casa Branca, em declarações à CBS, que reforçou o que já tinha sido dito por Joe Biden, presidente norte-americano, acentuando a ideia de "consequências catastróficas" para Moscovo se Putin ordenar o uso de armas nucleares táticas.
"Comunicámos de forma direta, privada e a níveis muito elevados do Kremlin que qualquer uso de armas nucleares terá consequências para a Rússia, que os Estados Unidos e seus aliados responderão de forma decisiva. E fomos claros e específicos sobre o que isso significa, o que isso implicará", afirmou.
Sullivan sublinhou o alerta de que o "possível uso de armas nucleares pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial é uma questão de extrema seriedade".
Liz Truss, primeira-ministra britânica, defendeu ontem que o que "é preciso fazer é continuar a impor sanções à Rússia" e não dar ouvidos ao "barulho do sabre e das falsas ameaças".
Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, diria momentos depois, em entrevista à CBS, não ter certezas sobre se Putin estaria a fazer bluff. "Talvez ontem tenha sido. Agora pode ser mesmo uma realidade. Ele quer assustar".
O conselheiro de segurança da Casa Branca, que assegurou que as ameaças nucleares do presidente russo não vão travar o apoio militar e político à Ucrânia, considera Putin um "inimigo perigoso e capaz de grande brutalidade" que até pode usar a central nuclear de Zaporíjia como "arma nuclear", aludindo às "constantes insinuações" russas de que "pode haver algum tipo de acidente".
Há um colapso militar das tropas russa no terreno? Sullivan é cauteloso. "É muito cedo para previsões. O que estamos a observar são sinais de luta entre os russos, os soldados não querem lutar. Mas quem pode culpá-los por não quererem participar na guerra de Putin na Ucrânia?".
As informações recentes sobre a "fuga" de milhares de russos, que recusam ser recrutados, e que estão a passar a fronteira para a Geórgia, Finlândia, Mongólia e Cazaquistão, dão conta de dezenas de quilómetros de filas. Numa zona de fronteira na Mongólia, Altanbulag, mais de 3 mil russos já conseguiram escapar à mobilização parcial, mas há ainda "longas filas de carros". Em Makhachkala, capital do Daguestão, para além dos protestos - no total mais de 2 mil pessoas foram detidas em toda a Rússia - há estradas bloqueadas dado que a zona faz fronteira com a Geórgia e Azerbaijão.
A "convocatória" de Putin já levou Valentina Matviyenko, presidente da câmara alta, o Conselho da Federação, a criticar "os excessos absolutamente inaceitáveis" de recrutamento que estão a provocar "uma forte reação da sociedade". Num aviso enviado aos governadores regionais exigiu que "a implementação da mobilização seja realizada em total e absoluta conformidade com os critérios descritos. Sem um único erro".
Vyacheslav Volodin, porta-voz da Duma, a câmara baixa do parlamento russo, disse estar a receber "denúncias" e que "é preciso corrigir os erros. As autoridades a todos os níveis devem entender quais são as suas responsabilidades".
A mobilização parcial decretada por Putin já levou a que idosos e doentes fossem convocados e obrigados a apresentar-se para receber treino militar. Na região de Volgograd, por exemplo, um ex-militar, de 63 anos, foi enviado para um campo de treino do exército apesar de ter problemas de saúdes, incluindo cerebrais.
No terreno de combate, com a chegada do Outono e das primeiras chuvas, surge agora uma dificuldade adicional. As estradas lamacentas estão a travar o avanço dos tanques e do armamento pesado limitando a contra-ofensiva ucraniana. O que afeta um lado, afeta o outro porque com a chegada do Inverno os "campos de batalha vão congelar". Segundo o Institute for the Study of War, há uma corrida contra o relógio, em ambos os lados, porque brevemente as condições de combate vão piorar muito.
E ontem, dia em que o governo alemão propôs que, como parte do próximo pacote de sanções europeias contra Moscovo, os cidadãos europeus fiquem impedidos de ocupar cargos em empresas estatais russas, o caso de Stefan Schaller, diretor da Energie Waldeck-Frankenberg (EWF), que foi a convite de Putin "observar" os referendos, levou o embaixador ucraniano na Alemanha a pedir ao administrador da empresa que "expulse Stefan Schaller".
O convidado de Putin, que já tinha sido "observador" em Komi (em 2021), disse ter ficado "impressionado com a transparência do processo" e que "as pessoas não estão a ser forçadas a votar pela força das armas. Está tudo muito bem organizado e a população está entusiasmada com a votação".
Dada a dimensão dos protestos nas redes sociais e os desagrados da comunidade política local, a empresa emitiu um comunicado condenando a atitude de Stefan Schaller, que poderá já hoje ser afastado do cargo.
"Os referendos forçados pela Rússia na Ucrânia são hipócritas e contrários ao direito internacional e um pretexto para a apropriação das áreas ocupadas. Condenamos veementemente esta anexação ilegal", escreveu o presidente do Conselho de Supervisão do EWF, Jürgen van der Horst.