Blinken adia visita à China depois de balão espião sobrevoar os EUA

Pequim fala num balão civil científico que se afastou do rumo e "lamenta" a sua "entrada acidental" no espaço aéreo norte-americano. Mas Washington considera situação "inaceitável".

Susana Salvador
O balão espião sobrevoou as ilhas Aleutas, no Alasca, e parte do Canadá, sendo avistado no Montana. Está a voar a cerca de 18 mil metros de altitude, acima dos aviões comerciais (entre 10 e 12 mil metros). Terá o tamanho de três autocarros.© CHASE DOAK / AFP

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, preparava-se para viajar para Pequim, onde teria até agendada uma reunião com o presidente Xi Jinping, mas um balão obrigou a cancelar os planos à última hora e ameaça deteriorar mais as relações entre EUA e China. Segundo o Pentágono, o balão que foi detetado no espaço aéreo norte-americano estava a "recolher informação". Mas, de acordo com Pequim, trata-se de uma aeronave civil, usada para fins científicos (principalmente meteorológicos), que se afastou do rumo, lamentando que tenha ido parar de forma "acidental" aos EUA.

A viagem, que devia começar amanhã, não foi cancelada, mas foi adiada para quando "as condições forem as certas", disse um responsável norte-americano aos jornalistas, alegando que a polémica com o balão espião iria "limitar significativamente a agenda" do secretário de Estado. O tema arriscava dominar toda a viagem, que tem como objetivo manter os pontos de contacto entre Washington e Pequim e evitar o deteriorar das relações já tensas devido à guerra comercial ou à pressão chinesa sobre Taiwan, entre outros problemas.

O balão espião chinês entrou no espaço aéreo norte-americano "há dias", informou o Pentágono na quinta-feira, tendo sobrevoado também o canadiano. Otava disse estar a monitorizar um "potencial segundo incidente", mas não deu mais detalhes. Nos EUA, foi avistado no estado do Montana - onde fica a Base da Força Aérea de Malmstrom, que abriga um dos três campos de silos de mísseis nucleares dos EUA.

Caças F-22 foram mobilizados, tendo o Departamento de Defesa examinado, a pedido do presidente Joe Biden, a possibilidade de derrubar o aparelho que voa a alta altitude (muito acima dos aviões comerciais) e não representa uma ameaça militar ou física para quem está no solo. Isso poderia mudar com a queda dos destroços, razão pela qual a Administração decidiu contra a hipótese de abater o balão.

Além disso, um responsável norte-americano disse que o balão espião tinha um "valor limitado do ponto de vista da recolha de informações" para um país que também tem satélites. Segundo um relatório de 2019 da Força Aérea, a vantagem de um balão em relação a um satélite - além de serem mais fáceis e mais baratos de pôr em funcionamento - é que conseguem analisar grandes áreas de terreno desde mais próximo, assim como passar mais tempo sobre um alvo específico.

Após o anúncio do Pentágono de que estava a seguir o balão chinês, Pequim disse que ia investigar e pedia para não se tirarem "conjeturas" ou se "exagerar" a situação antes de serem conhecidos todos os factos. "Não temos a intenção de violar o território ou espaço aéreo de nenhum país soberano", disse a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Mao Ning.

Mais tarde, ainda antes de ser conhecida a decisão de Blinken de adiar a viagem à China, a primeira de um secretário de Estado norte-americano desde 2008, Pequim admitia que a aeronave era sua. "O balão é da China. É um balão civil usado para pesquisa científica, principalmente propósitos meteorológicos", lia-se num comunicado. "O lado chinês lamenta a entrada acidental do balão no espaço aéreo norte-americano por motivo de força maior", explicando que por causa dos ventos e por o aparelho ter uma capacidade limitada de manobrar, "desviou-se da sua trajetória planeada". Pequim indicou ainda que mantinha o contacto com Washington para lidar com a "situação inesperada".

Mas os EUA consideraram o caso "inaceitável" e uma "clara violação da soberania" norte-americana. O Pentágono disse esta sexta-feira que o balão deverá continuar ainda vários dias no espaço aéreo dos EUA, continuando a ser monitorizado. Diante dos ataques dos republicanos, que acusam o presidente Biden de ser "fraco" em relação a Pequim, Blinken adiou a viagem.

Os planos para a visita de dois dias do secretário de Estado norte-americano, que segundo o Financial Times incluíam uma reunião com o presidente chinês, começaram a ser desenhados em novembro. Nesse mês, Xi Jinping e Biden encontraram-se à margem da cimeira do G7, em Bali, tendo acordado tentar acalmar as tensões entre os dois países.

A relação entre Pequim e Washington, deteriorada há anos devido à guerra comercial ou às questões de direitos humanos dos uigures e Hong Kong, piorou ainda mais depois da visita da então presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, a Taiwan, em agosto. Pequim considera a ilha uma província rebelde cujo controlo não afasta recuperar pela força, tendo aumentado as incursões em espaço aéreo da ilha e enviado mais navios para o estreito de Taiwan, temendo-se um possível bloqueio ou até uma invasão. Os EUA apoiam militarmente a ilha e, ainda na quinta-feira, anunciaram o reforço da presença militar na região, com acesso a mais quatro bases (num total de nove) nas Filipinas.

susana.f.salvador@dn.pt