América Latina a votos. Da primeira presidente do México às municipais no Brasil

Nos próximos 12 meses, os méxicanos vão eleger a primeira chefe do Estado; Bukele será aclamado em El Salvador; a Venezuela tem Essequibo no roteiro; há municipais complexas no Brasil e Milei estará sob escrutínio na Argentina.
Publicado a
Atualizado a

Com México, El Salvador, Panamá, República Dominicana, Venezuela, Brasil, Chile e Uruguai a realizarem eleições presidenciais, legislativas, gerais ou municipais e a Argentina ainda na ressaca do sufrágio que elegeu o ultraliberal Javier Milei em novembro, 2024 vai ser o ano de todas as decisões na América Latina - uma região, por tradição e geografia muito permeável aos Estados Unidos, país que, para agitar ainda mais às águas do continente entalado entre os Oceanos Atlântico e Pacífico, também vai a votos.

"Os processos eleitorais à porta em 2024 vão decorrer no meio de um complexo panorama originado em múltiplos fatores locais, regionais e globais, com temas sensíveis na agenda, como a debilidade económica e volatilidade inflacionária internacional, além da crise migratória, da segurança ou do narcotráfico", escreve Víctor Vega na revista Fortuna. "No tabuleiro político-social observam-se riscos como a hiperpolarização tóxica, a contaminação informativa, a ameaça de radicalização ideológica à esquerda e à direita, e a ascensão de regimes autoritários", prossegue o jornalista e consultor de comunicação.

As eleições deste ano, entretanto, concluem um "superciclo eleitoral", nas palavras de Daniel Zovatto, diretor regional do programa latino-americano do Wilson Center, "tendo em conta a renovação de 17 mandatos presidenciais desde 2021, marcados por um ambiente político e social de reativação da economia pós-pandemia, de alta inflação e de risco de populismos".

"Entretanto, tudo o que se passar na América Latina será, naturalmente, condicionado pelo que se passar a Norte, nos EUA, porque se Donald Trump vencer ajudará os populismos, tanto o de direita como o de esquerda, já uma vitória de Joe Biden serviria de proteção contra aventuras e golpismos", observa Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Economia e de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

No detalhe, comecemos, de Norte para Sul, pelo México, cuja eleição, a 2 de junho, elegerá mais de 20 mil cargos na administração pública, incluindo presidente, senadores, deputados e nove governadores estaduais. Para a chefia de Estado, dada a impossibilidade de recandidatura do popular Andrés Manuel López Obrador, tudo indica que Claudia Sheinbaum, a sucessora natural, vença o sufrágio.

Aliás, além dela, apoiada pelo bloco no poder, integrado por Morena, PT e PVEM, só Xóchitl Gálvez, indicada pela Frente Amplio por México, composta pelo histórico PRI e por PAN e PRD, tem possibilidades reais de vitória, o que significa que, pela primeira vez na história, o México terá uma mulher como presidente. "Mas deve ganhar Sheinbaum", prognostica Vinícius Rodrigues Vieira. "As condições do país parecem favorecer a continuidade do projeto transformador de Obrador, o que significa que, pela primeira vez na história, o México teria uma "presidenta"", completa.

Para Vieira, "como a popularidade de López Obrador é elevada, seguindo o manual básico da ciência política a sucessora dele deve ser eleita". "A questão é saber se ela vai ser populista como ele vem sendo ou se vai romper: poderemos ter aquilo que é muito comum na América Latina, nalguns casos na Europa também, de a criatura romper com o criador? Vamos ver".

Nayeb Bukele, o empresário de 42 anos que não só varreu a política de El Salvador qual tufão tropical, como ainda gera "descendentes" na região, vai tentar ser eleito para mais quatro anos numas eleições, em fevereiro, que parecem mera formalidade. Com 93% de apoio popular, a mais alta taxa de aprovação da América Latina, Bukele vai continuar na presidência sustentado na sua política de combate aos "maras" ou "pandillas", as organizações criminosas locais, baseada num regime de excepção.

Os fins - diminuição da violência e asfixia dos "maras" - são bem-sucedidos mas os meios - violação sistemática dos Direitos Humanos - enfrentam críticas da Amnistia Internacional e de outras organizações. "Em El Salvador, Bukele deve conseguir a reeleição de forma muito, muito fácil, dada a sua elevadíssima popularidade, sinalizando que na América Latina o populismo tem vida longa, e, no caso dele, deve formar discípulos na região", resume Vinícius Vieira, também professor na Fundação Armando Álvares Penteado.

Bukele, que chegou ao poder aos 37 anos, definido como "o millennial que militarizou o país para acabar com os gangues", destaca-se por ter adotado o bitcoin como moeda oficial e eliminado todos os impostos para as empresas de tecnologia que operem em território salvadorenho. Preocupado com a imagem, tanto usa fatos de marcas de luxo como surge em público de boné e ténis, dependendo da ocasião.

No Panamá, Ricardo Martinelli, do Realizando Metas, partido de centro-direita, presidente de 2009 a 2014, está à frente de todas as sondagens, para as eleições de maio batendo José Gabriel Carrizo, do Partido Revolucionário Democrático, de centro-esquerda, atual vice-presidente de Laurentino Cortizo, inelegível, segundo a Constituição local, para um segundo mandato.

Na República Dominicana, o centro-direita, do atual presidente Luis Abinader, do Partido Revolucionário Moderno, também deve derrotar, ainda em maio, o centro-esquerda, representado pelo ex-presidente Leonel Fernández, da Fuerza del Pueblo.

A Venezuela vai ter eleições em 2024 mas, ao contrário dos demais países, não se sabe ainda qual a data do sufrágio nem quais os principais candidatos.

Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez, acabará, claro, indicado como candidato pelo Gran Polo Patriótico Simón Bolívar, o partido do regime, à presidência que exerce há dez anos, contra um dos nomes da oposição que não será María Corina Machado, apesar da engenheira e professora ter ganho as primárias da coligação Plataforma Unitária.

O governo da Venezuela atribui-lhe a prática de supostos delitos eleitorais, decisão condenada pela União Europeia, pela Organização dos Estados Americanos, pela Human Rights Watch, pela Colômbia, pelo Paraguai, pelo Uruguai, pelo Equador, pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido, pela Alemanha, pelo Chile, pelo Canadá, pela França e pelo México.

"María Corina Machado é o destaque de uma oposição debilitada e fragmentada que ainda assim terá de enfrentar a força do chavismo que mantém Maduro há dez anos no poder", diz Vega.

Entretanto, Essequibo, região que ocupa 70% da área da vizinha Guiana, já entrou na pré-campanha eleitoral. Maduro promoveu um referendo no início deste mês, a que 90% dos eleitores responderam com sonoro "sim", para, tendo em conta antigos tratados internacionais, a anexação de uma região onde, em 2015, foi descoberto petróleo.

Dado o temor de uma guerra, o Brasil, país com fronteiras com Venezuela e Guiana, interveio e, até ver, terá resolvido o conflito. "A Venezuela vai continuar a insistir na questão de Essequibo mas o Brasil recuperou a liderança na questão", afirma Vinícius Vieira, "porque a Rússia, provavelmente após debate de bastidor, aceitou não intervir, pois se interviesse seria uma desprestígio para o Brasil, no âmbito dos BRICS, e os Estados Unidos também não quiseram abrir mais uma frente de batalha", completa o académico.

Por falar em Brasil, no maior país da América Latina há municipais, barómetro entre as eleições presidenciais e legislativas de 2022 e as de 2026, com a força de Jair Bolsonaro, mesmo inelegível por oito anos, sob teste.

Segundo Vinícius Vieira, "as cidades médias do interior no estado de São Paulo, como Campinas, Ribeirão Preto ou Santos, vão continuar a sustentar o bolsonarismo, com resultados fortes dos candidatos apoiados por ele, enquanto isso o grande interior do Nordeste cairá para representantes do centro político, sobretudo de partidos mais associados ao PT de Lula, enquanto as grandes cidades, São Paulo e Rio de Janeiro, tendem a ir para aliados do presidente".

Em São Paulo, principal colégio eleitoral, "Guilherme Boulos [do PSOL, partido à esquerda do PT] deve ser eleito devido à sua força na periferia", prevê Vieira. "Não vejo um candidato de direita capaz de emergir, como o atual prefeito Ricardo Nunes [do MDB, partido de Michel Temer], ou o ex-ministro do Ambiente de Bolsonaro, o Ricardo Salles [do PL, formação do ex-presidente], até porque Lula venceu na cidade nas presidenciais".

No Rio de Janeiro, segundo maior colégio, "o PT não entra mas alia-se a Eduardo Paes [PSD], atual prefeito, que deve prevalecer, até porque também tem os votos do centro, apesar de o bolsonarismo poder dar trabalho".

No Uruguai, considerado o país mais estável da região, as eleições de 27 de outubro estão em aberto. "Lacalle Pou [de centro-direita] tentará fazer com que o seu partido se mantenha no poder mas não me surpreenderei se a Frente Ampla [de centro-esquerda] ganhe, como o país é estável, os eleitores podem preferir uma alternância de poder, o que seria saudável e até provável porque não há nenhum grande registo na atuação de Pou".

Já na vizinha Argentina, mais instável por natureza, há turbulência no horizonte, tendo em conta o "ano um" como presidente de Javier Milei, ultraliberal, libertário, radical, excêntrico, esotérico, ex-membro de uma banda de rock and roll, ex-professor de sexo tântrico e ex-guarda-redes de futebol. "Milei deve progredir no seu autoritarismo, mas com grandes custos sociais que lhe devem causar uma perda de popularidade por conta da demora nos efeitos do seu pacote económico, ao ponto de poder repetir Fernando De La Rua [presidente de 2019 a 2021], que caiu sem apoios".

"Milei, porém", diz Vieira, "pode beneficiar da alta polarização, assim como Bolsonaro no Brasil, isto é, beneficiar da conclusão da direita de que além dele não há mais ninguém capaz de combater o peronismo".

4 de fevereiro

Eleições presidenciais e legislativas em El Salvador

Março

Eventual segunda volta em El Salvador

5 de maio

Eleições gerais no Panamá (sem segunda volta)

19 de maio

Eleições presidenciais e legislativas na República Dominicana

Junho

Eventual segunda volta na República Dominicana

2 de junho

Eleições gerais no México (sem segunda volta)

Segundo semestre

Eleições presidenciais na Venezuela

6 de outubro

Eleições municipais no Brasil

27 de outubro

Eventuais segundas voltas no Brasil

Eleição municipal no Chile

Eleições gerais no Uruguai

24 de novembro

Eventual segunda volta no Uruguai. Eventuais segundas voltas no Chile

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt