Ao lado de Scholz e com um mapa da Ucrânia na mão, Macron defendeu o direito de Kiev atingir solo russo.
Ao lado de Scholz e com um mapa da Ucrânia na mão, Macron defendeu o direito de Kiev atingir solo russo.Ludovic MARIN / POOL / AFP

Aliados mais perto de “desatar a mão atrás das costas” da Ucrânia

Está a ganhar tração o fim da limitação ao território ucraniano do uso de armas doadas pelos ocidentais, apesar das ameaças de Putin e de Lavrov. Biden levanta restrição, mas apenas no que respeita à ofensiva russa em Kharkiv.
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A Noruega é o mais recente país a pronunciar-se favoravelmente pelo direito de as forças ucranianas usarem as armas fornecidas pelos parceiros ocidentais em solo russo, um tabu que poderá estar a dias de ser quebrado por completo. Perante a demonstração de apoio internacional a Kiev nos últimos dias, Moscovo voltou, sem surpresa, a agitar o fantasma da ameaça nuclear.

Como os anteriores dirigentes ocidentais que abordaram o tema, o ministro dos Negócios Estrangeiros norueguês lembrou que a Ucrânia, ao abrigo do direito internacional, pode atacar o território russo como parte da sua defesa. “Por conseguinte, em princípio, consideramos que a Ucrânia pode utilizar as armas recebidas dos países ocidentais contra alvos militares relacionados com a guerra na Ucrânia. Caso contrário, estamos a impor uma restrição à Ucrânia que complica a sua vitória”, disse Espen Barth Eide. Uma restrição que o ministro pintou com tintas garridas ao afirmar que a Ucrânia “não deve ser forçada a lutar com uma mão atada atrás das costas”.

Esta discussão começou com o início da incursão terrestre russa a Kharkiv, complementada com bombardeamentos executados a poucos quilómetros de distância, na região russa de Belgorod. Em meados do mês, o presidente Volodymyr Zelensky, numa entrevista à AFP em que se mostrou crítico de certos líderes desejosos que “a Ucrânia vença sem que a Rússia perca”, pediu o fim das restrições para usar armas doadas em alvos militares russos.

Na semana passada, o secretário-geral da NATO, em entrevista à The Economist, reavivou o debate, ao criticar os aliados por não terem ainda entregado o milhão de munições de calibre 155 mm, como prometido há meses, e ao dizer que “chegou a altura de os aliados considerarem se devem levantar algumas das restrições que colocaram à utilização das armas que doaram à Ucrânia”. Jens Stoltenberg voltou à carga na quinta-feira, antes da reunião de dois dias dos ministros dos Negócios Estrangeiros da aliança, ao lembrar que “nas últimas semanas e meses, a maior parte dos combates pesados teve lugar ao longo da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia”.

Graças à sua intervenção, que pode ser vista como uma crítica ao presidente dos EUA Joe Biden e ao chanceler alemão Olaf Scholz, nos últimos dias vários ministros, chefes de governo e de Estado saíram a terreiro para falar sobre o tema.

Como tem sido uma constante, o Reino Unido, a Polónia e os países nórdicos e bálticos têm estado na linha da frente do apoio a Kiev e neste caso não foi exceção. O presidente francês juntou a sua voz, e logo ao lado Scholz. “Temos de lhes permitir neutralizar os pontos militares a partir dos quais os mísseis são disparados e, basicamente, os pontos militares a partir dos quais a Ucrânia é atacada”, disse Emmanuel Macron. O chefe do governo alemão disse que a Ucrânia deve atuar dentro do quadro do direito internacional - como previsto no artigo 51 da Carta das Nações Unidas, é legítimo defender-se atacando o agressor no seu território -, mas continua a opor-se ao envio dos mísseis Taurus. 

Desde o início da invasão russa que os EUA têm mostrado cautela, o que inclui até agora a restrição do uso das suas armas em território russo. “Os americanos pensam que devem evitar uma escalada com a Rússia, criando zonas de ambiguidade, mas isso estimula a Rússia. A Rússia precisa de ter linhas muito claras. Uma zona cinzenta é apenas um convite à tentativa”, disse ao The Washington Post o secretário do Conselho de Segurança e Defesada Ucrânia, Oleksandr Lytvynenko.

Segundo o The New York Times, Biden estaria perto de permitir o uso das armas, mas apenas junto da fronteira ucraniana e nunca contra infraestruturas não militares. Horas depois, a administração Biden confirmou o levantamento da proibição, mas condicionada ao norte de Kharkiv. A Ucrânia pode utilizar equipamento fornecido pelos EUA, como lançadores de foguetes, para atingir tropas do outro lado da fronteira e para atacar mísseis que se dirigem para o território ucraniano. Não pode utilizar sistemas de mísseis de longo alcance para atingir alvos mais longínquos.

Prova de que as relações entre a Ucrânia e os EUA são mais complexas do que aparentam, um funcionário sob anonimato disse que Washington tinha manifestado a Kiev preocupação com os recentes ataques ucranianos contra as estações de radar russas que alertam a defesa aérea convencional mas também lançamentos nucleares. 

Os EUA não querem pôr em causa a estabilidade estratégica entre as duas potências nucleares, mas Moscovo aproveita os momentos em que os aliados fazem anúncios significativos de apoio para reintroduzir a ameaça nuclear. Depois de Vladimir Putin ter advertido “os pequenos países” europeus “densamente povoados”, o ministro Sergei Lavrov disse esperar que os exercícios nucleares em curso em conjunto com a Bielorrússia “ponham os adversários em sentido”.

Países favoráveis ao uso de armas ocidentais em território russo

Canadá
Eslovénia
Estónia
EUA (limitado à região fronteiriça de Kharkiv)
Dinamarca
Finlândia
França
Letónia
Lituânia
Noruega
Países Baixos
Polónia
Reino Unido
República Checa
Suécia

Nem sim nem não

Alemanha

Desfavorável

Itália

cesar.avo@dn.pt

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