Aliados fazem a festa sem darem bolo ao convidado ucraniano
A comemoração dos 75 anos da assinatura do tratado fundador da NATO incluiu discursos da ordem e um comunicado de Joe Biden a defender o “compromisso sagrado” de defesa mútua dos aliados, mas também um convidado pouco dado a brindes e bolos. “Não quero estragar a festa, mas a minha principal mensagem hoje é, obviamente, os Patriots”, disse o chefe da diplomacia ucraniana, em referência aos mísseis terra-ar americanos, antes da abertura do Conselho NATO-Ucrânia.
Dmytro Kuleba, presente na sede da Aliança Atlântica para se reunir com os seus homólogos dos Negócios Estrangeiros e com o secretário-geral Jens Stoltenberg, voltou a fazer um apelo para que os aliados forneçam o que é necessário para a defesa do seu país, não escondendo algum desânimo por ter de fazer um esforço em convencer os parceiros. “Ouço palavras de solidariedade. Mas precisamos de tomar decisões fortes e concretas para reforçar a defesa ucraniana”, disse o ministro ucraniano numa videoconferência organizada pelo Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI) depois da reunião de Bruxelas. “Na NATO, só tive um tema de discussão: os Patriots”, revelou. “Os meus colegas apoiam-me, mas dizem-me que o que estamos a pedir é complicado. Estou convencido de que se tivessem passado uma noite em Kharkiv não diriam que é complicado. O que me entristece é ter sempre de convencer, quando tudo é óbvio.” Na segunda maior cidade ucraniana morreram quatro pessoas na madrugada de quarta-feira devido a um ataque de drones.
No final do encontro, Stoltenberg disse que os aliados iriam “analisar os seus inventários”. A alemã Annalena Baerbock juntou-se a Kuleba e lançou um apelo: “Eu próprio vi em Odessa e em Kharkiv que a defesa aérea salva vidas. Juntos, apelamos aos nossos parceiros na Europa e no mundo para que forneçam tudo o que estiver ao nosso alcance.” Por sua vez, Kuleba disse que Berlim, “na qualidade de líder da coligação de defesa aérea, está a iniciar uma análise imediata de todos os sistemas Patriot disponíveis e de outros sistemas de defesa aérea, não só entre os aliados, mas em todo o mundo” para que estas sejam entregues à Ucrânia, em resultado da sua intervenção.
Stoltenberg reconheceu que a situação na Ucrânia é grave e que Kiev necessita de apoio urgente. Dois oficiais do exército ucraniano, em declarações ao Politico, disseram que a qualquer momento as linhas defensivas podem colapsar e afirmaram que os aliados não podem fazer muito, exceto entregarem armas, drones e munições em quantidades muito superiores àquelas com que se comprometeram até agora. “Não há nada que possa ajudar a Ucrânia neste momento, porque não existem tecnologias sérias capazes de compensar a Ucrânia pela grande massa de tropas que a Rússia irá provavelmente lançar sobre nós”, admitiram. Quanto aos tão propalados F-16, preveem que sejam irrelevantes porque entretanto os russos prepararam-se para se defenderem desses aviões.
Alerta ao isolacionismo
Na ronda de discursos a assinalar o aniversário da NATO, e que incluiu vários ministros dos Negócios Estrangeiros, Stoltenberg lançou uma crítica velada a Donald Trump e ao perigo do isolacionismo. “Não acredito na América sozinha, tal como não acredito na Europa sozinha”, disse o norueguês. “Acredito na América e na Europa juntas na NATO, porque, no fundo, somos mais fortes e mais seguros juntos. Através da NATO, os EUA têm mais amigos e mais aliados do que qualquer outra grande potência.”
Do outro lado do Atlântico, o presidente Joe Biden saudou “a maior aliança militar da história do mundo” e o seu “compromisso sagrado” de “defender cada centímetro do território da NATO”.
Macron critica tom ameaçador de Moscovo
O presidente Emmanuel Macron insurgiu-se contra a instrumentalização por Moscovo de uma conversa telefónica entre o ministro da Defesa francês e o homólogo russo. “Bizarros e ameaçadores” foi como o chefe de Estado francês classificou os comentários de Sergei Shoigu.
O ministro da Defesa, Sébastien Lecornu, tentou reabrir uma linha de comunicação com Moscovo sobre a luta contra o terrorismo, com o intuito de passar “informações úteis” sobre o atentado terrorista na sala de concertos Crocus, nos subúrbios de Moscovo, como explicou Macron. No entanto, o comunicado russo após a conversa com Shoigu insistiu em culpar os ucranianos e em insinuar mão francesa: “O regime de Kiev não faz nada sem a aprovação dos seus supervisores ocidentais. Esperamos que, neste caso, os serviços secretos franceses não estejam por detrás disto.” O comunicado de Moscovo também disse que ambos os países se mostraram abertos ao diálogo sobre a Ucrânia, o que foi desmentido por Paris.
Macron também criticou a desinformação russa sobre os Jogos Olímpicos de Paris. Ao inaugurar em Saint-Denis, nos arredores de Paris, um centro aquático construído para aquela competição que vai decorrer em julho, o presidente disse não ter "qualquer dúvida" de que a Rússia está a tentar perturbar a organização dos Jogos, "incluindo em termos informativos".
cesar.avo@dn.pt