Agricultores afegãos sofrem com a proibição da papoila
Durante 20 anos, Asadullah foi um próspero agricultor de papoilas no sul do Afeganistão, até que as autoridades talibãs começaram abruptamente a aplicar a proibição daquela cultura. Com 1,6 hectares em Helmand - há muito o coração da produção de papoilas - o homem de 65 anos ganhava entre 250 mil e 500 mil afegânis (3200 a 6450 dólares) por estação com a planta, que é utilizada para produzir ópio e heroína. Forçado pelas autoridades a mudar para outras culturas, está agora em dificuldades para fazer face às despesas. “Estamos acabados. Não temos nada para comer ao jantar”, lamenta Asadullah, com o seu rosto envelhecido e a sua longa barba branca a mostrar as suas dificuldades. “Agora mal ganhamos 25 mil afegânis [320 euros].” Tal como os seus vizinhos da aldeia de Torma - sufocante com o calor e atravessada por riachos onde os rapazes brincam - Asadullah começou por tentar plantar milho, mas não conseguiu. “Não tínhamos dinheiro para os fertilizantes”, disse, acrescentando que a maioria das pessoas optou pelo feijão-mungo, mais resistente, que é mais fácil de cultivar, mas que rende uma fração do lucro da papoila.
O decreto do líder supremo dos talibãs, Hibatullah Akhundzada, de abril de 2022, que proíbe a produção de papoila no principal país produtor do mundo, provocou uma queda de 95% nas colheitas do ano passado. De acordo com o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, a erradicação da papoila infligiu perdas de mais de mil milhões de dólares aos agricultores afegãos no ano passado.
Lala Khan, de 40 anos, passou a cultivar algodão quando se tornou claro que as autoridades estavam determinadas a aplicar a proibição, e o seu rendimento anual caiu a pique. “Costumávamos comer carne uma vez de três em três dias, agora é uma vez por mês”, diz. Khan diz que recebeu apenas “um saco de farinha e um saco de fertilizante” como compensação por ter parado a produção de papoilas. “O que é que podemos fazer com isso?”, pergunta. Ehsanullah, outro antigo cultivador de papoilas, mal consegue esconder a sua raiva perante a sua situação atual. “Compramos todas as nossas necessidades diárias a crédito. E quando colhemos, pagamos as dívidas e não nos resta nada.”
Na aldeia vizinha de Khumarai, o imã local, conhecido por Bismillah, explica que 80% das terras da zona eram anteriormente utilizadas para o cultivo de papoilas e 20% para trigo, milho, feijão e algodão. No Afeganistão, onde as famílias numerosas são a norma, uma das maiores despesas das famílias é o dote para casar as filhas. “Podíamos pagá-lo com ópio, mas não com milho e feijão”, diz. Algumas pessoas, como Bismillah, ainda têm uma reserva de resina de papoila que sobrou da última colheita, o equivalente afegão do dinheiro enfiado debaixo do colchão. “A maior parte das pessoas tem alguma em casa, mas evita dizê-la por medo dos ladrões”, diz Bismillah, mostrando à AFP uma bacia com cerca de meio quilo de resina castanha pegajosa. “Estamos à espera que o preço suba... esperamos poder pagar [os dotes] com ela.”
Em Maiwand, na província vizinha de Kandahar, o antigo mercado do ópio está agora deserto e Hunar, de 40 anos, passou a vender açúcar, óleo, chá e rebuçados. “Para nós, obedecer às ordens do emir [o líder supremo] é obrigatório”, afirmou. Mas avisou que as pessoas estavam a passar por tantas dificuldades que havia o risco de voltarem a cultivar papoilas. Em Maiwand, outro antigo vendedor de ópio disse que, apesar de o mercado aberto ter sido encerrado, ainda se faziam negócios. “Toda a gente tem ópio”, diz. “As pessoas têm geralmente 10 a 15 quilos de ópio de colheitas anteriores, que só vendem aos seus contactos. É vendido em pequenas quantidades, às escondidas.”
Nem todas as províncias têm sido tão cumpridoras como Helmand no que respeita à cessação da produção de papoilas. Em maio, confrontos entre agricultores e brigadas enviadas para destruir os seus campos de papoilas causaram várias mortes no nordeste de Badaquistão. “Morte ao emirado (Afeganistão governado pelos talibãs)”, gritaram em vídeos dos confrontos vistos nas redes sociais.
Futuro incerto
De acordo com o Grupo Internacional de Crise (ICG), a aplicação rigorosa da proibição criou enormes dificuldades para uma enorme faixa do Afeganistão rural. “Aplicada com um rigor crescente, a campanha antinarcóticos dos talibãs afetou profundamente um país que se encontra entre os maiores fornecedores de drogas ilegais do mundo”, afirma um relatório publicado este mês. Mas o documento advertia que o futuro da proibição era incerto. “Apesar de os talibãs se mostrarem inflexíveis quanto à sua aplicação, a proibição poderá ruir sob o peso das dificuldades económicas”, afirma o relatório.
O ICG afirma que, embora seja necessário um grande investimento para ajudar os agricultores a produzir culturas rentáveis, como romãs, figos, amêndoas ou pistácios, essa é uma solução a curto prazo. “As culturas lícitas não oferecem emprego suficiente, pelo que a tónica deve ser colocada na criação de emprego em indústrias não agrícolas”, afirma o relatório.