Comício da AfD com a co-líder Alice Weidel e a participação, à distância, de Elon Musk.
Comício da AfD com a co-líder Alice Weidel e a participação, à distância, de Elon Musk.EPA/HANNIBAL HANSCHKE

AfD sob escrutínio após ser considerada organização extremista de direita

À esquerda pede-se a proibição do partido que lidera as sondagens, mas o ainda chanceler Scholz pôs água na fervura e pede ponderação.
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Ao fim de uma dúzia de anos de existência, a Alternativa para a Alemanha (AfD) passou de um partido eurocético e contra a moeda única para um partido "extremista de direita". É esse, pelo menos, o entendimento do Gabinete Federal para a Proteção da Constituição (BfV, sigla em alemão) , o serviço de informações internas subordinado ao Ministério da Administração Interna. A conclusão do relatório surge a dias de o novo governo de coligação democrata-cristão e social-democrata (CDU/CSU-SPD) entrar em funções, com o reforço da AfD como principal partido da oposição.

O relatório, com 1100 páginas, demorou três anos a ser concluído e reitera o que os gabinetes regionais do BfV da Turíngia, Saxónia e Saxónia-Anhalt já tinham avisado: a AfD é "comprovadamente extremista de direita". O serviço de informações afirma que a forma como a AfD constrói a sua política identitária através da etnia é "incompatível com a ordem básica democrática e livre" e "tem como objetivo excluir certos grupos populacionais da igualdade de participação na sociedade, sujeitá-los a discriminação inconstitucional e, assim, atribuir-lhes um estatuto legalmente desvalorizado", diz o BfV em comunicado. "Em específico, por exemplo, a AfD não considera cidadãos alemães com um histórico de migração de países predominantemente muçulmanos como membros iguais do povo alemão, conforme definido etnicamente pelo partido". Além disso, o histórico do partido sustentam uma "agitação contínua" contra as minorias."Isto é evidente nas numerosas declarações xenófobas, contra as minorias, anti-islâmicas e antimuçulmanas feitas continuamente por altos responsáveis do partido".

A consequência imediata de a AfD ser considerada oficialmente anticonstitucional é a de que irá passar a ser alvo de maior escrutínio: as reuniões da AfD têm de estar abertas às autoridades, as quais podem escutar telefonemas dos seus dirigentes e usar outros meios para obter informações, como recrutar informadores. O financiamento estatal do partido poderá ser retirado.

A sua proibição não está prevista. Esse processo é autónomo e não parte do BfV, mas esta decisão dá um novo alento aos políticos que o defendem. Por exemplo, a líder da bancada do partido A Esquerda (Die Linke), Heidi Reichinnek, disse que irá fazer tudo nesse sentido. "Deve ser claro para todos: uma democracia não sobrevive à partilha de poder com extremistas de direita como a AfD. Todos os que fizeram campanha pela normalização da AfD e continuam a fazê-lo reforçam a extrema-direita e põem a democracia em perigo." A mensagem dirigia-se em especial para o futuro chanceler Friedrich Merz. Em janeiro, tentou aprovar legislação para o regresso dos controlos fronteiriços com o apoio da AfD.

O social-democrata Olaf Scholz, que na terça-feira deixa o cargo de chefe do governo, advertiu que esse caminho não pode ser percorrido de forma apressada e que a decisão "deve ser analisada com muito cuidado". Portanto, não caberá ao governo em funções iniciar um procedimento para a extinção da AfD. Se Scholz pediu prudência e ponderação, o co-líder do SPD Lars Klingbeil não se mostrou em desacordo. No entanto, disse ao Bild que "a nova coligação deve agir muito rapidamente". Klingbeil vai ser vice-chanceler e será ministro das Finanças.

A decisão de avançar com um processo de proibição de um partido não é exclusivo do governo federal: o Parlamento (Bundestag) ou a câmara que reúne os 16 governos regionais (Bundesrat) também podem fazê-lo. Seria depois da competência do Tribunal Constitucional, com sede em Karlsruhe, a decisão de banir, ou não, a AfD. Não basta que um partido seja considerado extremista e anticonstitucional, mas os juízes teriam de ter provas de que a AfD pretende impor a sua ideologia de forma antidemocrática. Segundo o artigo 21.º da constituição alemã, "serão considerados inconstitucionais os partidos que, em virtude dos seus objetivos ou do comportamento dos seus apoiantes, procurem minar ou abolir a ordem democrática básica livre ou pôr em perigo a existência da República Federal da Alemanha".

Por exemplo, o partido neonazi anteriormente designado NPD e agora Die Heimat (A Pátria), apesar de considerado inconstitucional pelo tribunal, não foi proibido com o argumento de que não tinha conseguido eleger representantes e que as restantes forças políticas não estavam interessadas em cooperar -- alegações que não podem ser usadas em relação à AfD. Até hoje foram proibidos dois partidos na Alemanha pós-guerra: o neonazi SRP em 1952 e o comunista KPD em 1956. Enquanto o debate toma lugar, o Instituto Alemão para os Direitos Humanos (DIMR) defende a medida. "Se olharmos para a AfD de perto, acho que tem de se chegar à conclusão de que as condições para uma proibição estão reunidas", disse à Deutsche Welle o seu especialista jurídico Hendrik Cremer.

"Duro golpe"

Os co-líderes do partido, Alice Weidel e Tino Chrupalla, reagiram em comunicado: "A decisão de hoje [do BfV) é um duro golpe contra a democracia alemã." Disseram que iriam recorrer em tribunal da decisão da agência e disseram estar a ser vítimas de um processo com "uma clara motivação política" que visa "desacreditar e criminalizar" a AfD. A ministra da Administração Interna Nancy Faeser rebateu esta ideia: "Não há qualquer influência política no novo relatório. O Gabinete Federal para a Proteção da Constituição tem um mandato legal claro para combater o extremismo e proteger a nossa democracia."

A Afd, nascida em 2013 sob a capa do euroceticismo, foi ganhando popularidade e implantação a partir de 2015, quando se tornou no partido político que respondeu de forma mais crítica à crise migratória e acolheu as teses do movimento PEGIDA, nascido contra a imigração de origem muçulmana. Alguns dirigentes da AfD, como o anterior líder Alexander Gauland ou o líder do partido na Turíngia Björn Höcke, têm uma relação problemática com o nazismo. A atual co-líder Alice Weidel, neta de um juiz nazi, até chamou Adolf Hitler de "comunista". Nada que tenha impedido que o vice-presidente dos EUA JD Vance se tenha reunido com Weidel, ou que o empresário Elon Musk tenha concedido o seu apoio nas últimas eleições. E, a avaliar pelas sondagens, os alemães estão cada vez mais identificados com o partido (26%).

A Alemanha não seria caso virgem de choque entre líderes populares de extrema-direita e a justiça. Na vizinha França, a condenação de Marine Le Pen por desvio de dinheiros públicos no final de março foi um terramoto político. Se o recurso confirmar a pena, a líder de facto da Reunião Nacional ficará impedida de concorrer pela quarta vez à presidência. Na Roménia foi também a eleição presidencial, ou antes, a interferência externa no processo eleitoral, que levou à anulação da primeira volta, onde o candidato pró-russo Calin Georgescu havia vencido de forma inesperada. E por falar em Rússia: a AfD recebeu uma mensagem de apoio do ex-presidente Dmitri Medvedev, que confundiu os serviços de informações com os partidos: "Aparentemente, a CDU/CSU, o SPD e outros partidos alemães consideram extremistas aqueles que têm as sondagens mais elevadas."

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