A administração Trump tenta ganhar tempo junto da sua base de apoiantes, revoltada com a falta de novidades sobre o caso Epstein. A mais recente iniciativa passa por anunciar uma reunião entre o procurador-geral adjunto e Ghislaine Maxwell, a ex-companheira do bilionário que cumpre pena de prisão por crimes relacionados com tráfico sexual de menores. Os críticos de Trump acusam-no de tentar desviar as atenções. Advogado de Donald Trump no caso em que este foi condenado criminalmente e agora procurador-geral adjunto, Todd Blanche vai visitar Maxwell à prisão “nos próximos dias”, anunciou a procuradora-geral Pam Bondi. “O presidente Trump instruiu-nos a divulgar todas as provas credíveis. Se Ghislane Maxwell tiver informações sobre alguém que tenha cometido crimes contra vítimas, o FBI e o Departamento de Justiça ouvirão o que ela tem a dizer”, afirmou, em mais um ziguezaguear da administração Trump sobre o tema. A revolta instalou-se na base MAGA, em especial entre os seguidores da conspiração QAnon - aquela segundo a qual Trump foi escolhido pelos militares para pôr fim a uma cabala pedófila que manobra os cordelinhos do poder. Foi desencadeada há duas semanas pelas chefias do FBI e do Departamento de Estado, figuras que antes juravam existir uma história ainda mais sórdida do que aquela que é pública à volta do gestor de fortunas Jeffrey Epstein, e que, após análise de 330 gigabytes de documentos, concluíram não haver indícios de uma lista de clientes nem que o homem caído em desgraça não havia chantageado ninguém. A primeira reação de Donald Trump perante a insatisfação dos seus seguidores foi de dizer que não queria o seu apoio, e chamou-os de fracos. Mas as teorias da conspiração, pela sua natureza, não se terminam por decreto, multiplicando-se as vozes a exigirem a cabeça da procuradora-geral e dos diretores do FBI e a exigirem mais explicações - até o presidente da Câmara dos Representantes Mike Johnson, fidelíssimo de Trump, expressou a sua insatisfação. O caso - agitado em junho quando Elon Musk rompeu com Trump e disse que este constava nos ficheiros, motivo pelo qual não haveria divulgação dos mesmos - ganhou novos contornos na quinta-feira quando o The Wall Street Journal revelou que, em 2003, o agora presidente terá enviado a Epstein um cartão de parabéns com o desenho de uma mulher nua e o desejo de que “cada dia seja mais um segredo maravilhoso”. Uma “coisa falsa”, disse Trump ao WSJ e garantiu “nunca ter feito um desenho” na sua vida (uma alegação que choca com sketches de paisagens de Nova Iorque por si assinados e levados a leilão). Além disso, anunciou processar o jornal propriedade de Rupert Murdoch e retirou-o da lista de meios que o vão acompanhar na visita à Escócia.Na sexta-feira, começou uma operação de desvio de atenções: a diretora dos Serviços de Informações Nacionais Tulsi Gabbard publicou o que disse serem provas de uma “conspiração traidora” sobre as conclusões dos serviços que dirige sobre a interferência russa nas eleições de 2016 em favor de Trump. Uma conspiração que, segundo a sua lógica, incluiria o agora secretário de Estado Marco Rubio, uma vez que este aprovou, enquanto senador da respetiva comissão, o relatório. Trump reagiu à publicação de Gabbard com a publicação nas redes sociais de um vídeo gerado por IA no qual o ex-presidente Barack Obama é preso. . Mas há mais. Numa série de publicações que coincidiram com os seis meses na Casa Branca, tanto republicou um vídeo (falso) de uma mulher a apanhar uma cobra com as mãos como exigiu a dois clubes de futebol americano que mudem para o nome antigo. E na segunda-feira foram disponibilizados os ficheiros do FBI sobre Martin Luther King (contra a opinião dos seus descendentes). Uma “tentativa desesperada de distrair as pessoas da tempestade que envolve Trump em relação aos processos de Epstein e à perda pública da sua credibilidade entre a base MAGA”, comentou o reverendo Al Sharpton. O estratega republicano Alex Conant disse ao The Washington Post que "ninguém vira a página melhor do que Donald Trump”, tal como se comprovou no primeiro mandato, no qual as pessoas perderam a "noção de todos os dramas porque ele está sempre a acrescentar um novo para distrair dos anteriores". No entanto, afirma, este caso é diferente porque "está num verdadeiro conflito com a sua base". .CronologiaAmizadeDonald Trump e Jeffrey Epstein mantiveram uma relação de amizade entre meados dos anos 80 e a primeira década dos anos 2000, em Nova Iorque e em Mar-a-Lago. Durante os anos 90, Trump voou pelo menos sete vezes no avião privado de Epstein.AcordoInvestigado por ter pagado a uma menor uma massagem, Epstein obtém em 2008 um acordo: em troca de prisão domiciliária, as autoridades, que já tinham conhecimento de que havia suspeitas de mais vítimas, recusam continuar a investigação e dão imunidade a potenciais cúmplices. O procurador distrital de então, Alex Acosta, virá a ser secretário do Trabalho de Trump no seu primeiro mandato. Tráfico sexualEm 2018, uma investigação do The Miami Herald revela que, só entre 2001 e 2006, Epstein abusou de 80 adolescentes. Em julho de 2019, foi preso e acusado de tráfico sexual. No mês seguinte, o bilionário morreu enforcado. Trump alimenta teoriasO então presidente Trump levantou suspeitas sobre o caso, ligando-o a uma teoria da conspiração que inculpa o casal Clinton, e exigiu uma “investigação total” ao caso. Durante a última campanha eleitoral, o candidato a vice J.D. Vance exigiu a publicação da alegada lista de clientes de Epstein. Avanços e recuosTrump nomeou para as chefias do FBI Kash Patel e Dan Bongino, dois adeptos de teorias da conspiração; e para procuradora-geral Pam Bondi, que prometera ir ao fundo do dossiê. Questionada sobre a propalada lista, esta afirmou em fevereiro: “Está na minha secretária neste momento para revisão.” Depois, Bondi disse que se referia ao processo e não à lista. Em paralelo, o FBI e o Departamento de Justiça concluíram não existir provas de chantagem nem uma lista de clientes, e que nada mais há para tornar público. Pressionado pelos apoiantes, Trump acusou os democratas de terem inventado um esquema no qual caíram os seus apoiantes, a quem chamou de “fracos”. Ao contrário do que o presidente desejaria, os seus apoiantes não se contentaram com as suas declarações. "O facto de o governo dos EUA, aquele em que votei, ter recusado levar a minha pergunta a sério e, em vez disso, ter dito 'caso encerrado; cale-se, defensor de teorias da conspiração', foi demais para mim", disse Tucker Carlson, ex-apresentador da Fox News.