Há exatamente quatro anos, o democrata Doug Jones conseguiu o feito estonteante de ser eleito para o Senado pelo estado ultraconservador do Alabama, deixando para trás o polémico republicano Roy Moore. Era o primeiro indicador sério de que os democratas, embalados pelo sentimento anti-Donald Trump, iriam arrancar a Câmara dos Representantes aos republicanos e disputar o controlo do Senado nas eleições intercalares de 2018. A "onda azul" que se esperava acabou por ser um tsunami, e nessas eleições até o popular congressista lusodescendente David Valadão perdeu o lugar para o neófito democrata TJ Cox no vale central da Califórnia..Quatro anos volvidos, o tabuleiro do jogo virou completamente. As eleições intercalares de 8 de novembro de 2022 estão a posicionar-se para devolver o controlo do congresso aos republicanos, numa altura em que o presidente democrata Joe Biden está a sangrar popularidade.."Os democratas devem, definitivamente, estar muito preocupados com as eleições intercalares", disse ao DN Thomas Holyoke, cientista político e professor da Universidade Estadual da Califórnia, Fresno. "Em toda a história americana, só três ou quatro vezes o partido do presidente não perdeu assentos nas intercalares. Só isso deve ser motivo de preocupação para os democratas.".Os dados de popularidade de Joe Biden estão, até agora, a confirmar esse padrão histórico, com uma taxa de aprovação que ronda os 44% e a desaprovação nos 50,5%. "Salvo raras exceções, tende a haver uma correlação entre a taxa de aprovação do presidente e o número de lugares que o partido do presidente obtém nas intercalares", disse ao DN a cientista política Daniela Melo, que antevê uma "onda vermelha" (republicana) em 2022 se nada alterar os indicadores atuais..Os números pouco favoráveis de aprovação/desaprovação de Joe Biden estão muito ligados à continuidade da pandemia e ao ciclo económico que se está a viver nos Estados Unidos. Com vagas sucessivas e a variante Ómicron, os esforços para controlar a covid-19 não estão a ter o sucesso prometido.."De todas as vezes que parece que estamos a progredir em termos de covid andamos para trás. Há este círculo perene e preocupação constante com a pandemia e as pessoas estão cansadas", disse ao DN Everett Vieira III, professor na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno. "Há uma fadiga com a covid e isso afeta Biden, como afetaria qualquer presidente.".O cientista político acredita que há uma grande probabilidade de os republicanos voltarem a controlar a Câmara dos Representantes, algo que Thomas Holyoke corrobora.."As hipóteses de os republicanos voltarem a controlar a Câmara dos Representantes são maiores que 50%", disse Holyoke. E para isso contribuirá também o redesenho dos distritos da Câmara, que favorece os republicanos e não os democratas.."A verdade é que a maioria das legislaturas e dos governos estaduais é controlada pelos republicanos e eles usam esse poder para desenhar distritos congressistas que maximizam o número de representantes republicanos e minimizam os democratas", explicou o cientista político. "Embora o partido republicano seja muito mais pequeno que o democrata, os republicanos podem usar isto para sistematicamente garantir maiorias na Câmara dos Representantes." Concentrando todos os votos democratas nalguns distritos e espalhando os votos republicanos por vários, conseguem usar o processo para ganhar assentos. Ou seja: não precisam de um grande número de assentos extra para virar a maioria a seu favor. O Senado é mais difícil de prever, mas os democratas não podem sequer perder um senador. As hipóteses não lhes são propriamente favoráveis..O que está a acontecer aos democratas depois de conquistarem o congresso e a presidência é uma sequência de correntes adversas. Um dos maiores espinhos de Biden é a inflação, que está a encarecer combustíveis, alimentos e rendas, sendo que o presidente não é diretamente responsável mas os eleitores culpam-no por ela.."O presidente tem muito poder, mas não consegue fazer a maior economia do mundo mudar de direção de um dia para o outro", frisou Everett Vieira III. "A gasolina está a mais de cinco dólares por galão. É horrível, mas não foi Biden que fez isso. E quando estava barata com Trump, não foi por causa dele. São combustíveis fósseis que estão sujeitos às pressões e flutuações de preço do mercado internacional.".Daniel Melo indica mesmo que a economia está bem no papel, tendo havido recuperação no emprego e até ganhos nos salários, mas a vivência dos americanos conta outra história. "A inflação é um fator psicológico com muito impacto no eleitorado, porque diminui a confiança dos americanos na economia apesar de outros indicadores serem positivos", explicou. "Nas intercalares, essa perceção tende a ser mais importante do que a economia no papel.".Há depois a questão dos parcos avanços feitos pela presidência. "A preocupação com a administração Biden depois da vitória no ano passado era o que é que ele ia fazer com uma maioria tão curta", disse Vieira III. "Acabou por não ser bem uma maioria, porque os senadores Joe Manchin e Kyrsten Sinema estão basicamente a votar com os republicanos. Biden não conseguiu fazer muito do que queria.".E mesmo as vitórias legislativas não estão a ser alavancadas de forma eficaz, algo que Thomas Holyoke considera fundamental para evitar uma onda vermelha no próximo ano. "Conseguiram aprovar o pacote legislativo de infraestrutura e se conseguirem passar a mensagem e ficar com os louros disso, talvez consigam mitigar as perdas nas intercalares, porque tradicionalmente a infraestrutura tem um apelo alargado entre os eleitores.".Aqui entra um problema de mensagem, que não existe nas hostes conservadoras.."Há sempre mais excitação do lado dos republicanos porque nas intercalares o partido que está na oposição consegue mobilizar mais os seus eleitores. Mas aqui também vejo um problema com a coligação que levou o Biden à presidência", disse Daniela Melo. "Os democratas estão a ter alguma dificuldade em formular uma mensagem forte e dinâmica que atraia os eleitores às urnas", detalhou, sobretudo uma mensagem pós-Trump capaz de unir as várias facções que levaram Biden ao poder - que incluiu republicanos insatisfeitos, independentes e jovens progressistas.."Esses jovens não são tão fáceis de mobilizar para o voto nas intercalares como foram para o voto contra Trump", frisou, ao passo que a base republicana está cheia de uma energia unificadora contra as máscaras, os mandatos de vacinas e a Teoria Crítica da Raça ensinada nas escolas. "Já começamos a ver um preview do que serão os temas das intercalares.".dnot@dn.pt