O que dizer sobre representar o presidente Lula da Silva e o Brasil na celebração do meio século de democracia em Portugal?.É uma data muito importante para o Governo brasileiro. O presidente Lula foi pessoalmente convidado e ele ficou muito contente, muito feliz. Começamos a planear, mas ele não pôde vir por compromissos inadiáveis de agenda e, infelizmente, não pôde concretizar esse desejo. O presidente esteve aqui ano passado, nos 49 anos e na Cimeira, na visita bilateral entre os dois países. Você sabe que estamos no meio de uma campanha para as eleições municipais, que tem demandado muito do presidente, inúmeras viagens. Ele tem passado três dias por semana viajando pelo Brasil, em uma programação das eleições municipais, então não pôde vir. Portanto, me designou para representá-lo, o que muito me honra de estar aqui, porque é uma data importantíssima. A Revolução dos Cravos é o facto histórico e social que teve uma grande repercussão no Brasil e na lusofonia. E foi um exemplo, porque foi um levantamento popular e que uniu todo o país. Então é um momento muito especial. Eu fico muito honrado de estar aqui, representando o presidente Lula. .Acha que o Brasil pode aprender com Portugal sobre o simbolismo desta data, algo que no Brasil não existe? Inclusive, este ano, não foram realizadas celebrações para marcar o fim da ditadura..As marcas da repercussão da Revolução dos Cravos foram muito grandes desde o início. Nesse momento em que o Brasil vivia o pior momento da ditadura militar, foi um alento. E depois houve uma grande influência da Constituição portuguesa na nossa. Sem contar na cultura, na música, como o Chico Buarque compôs músicas sobre a Revolução dos Cravos. Agora, quanto a uma data específica [para celebrar o fim da ditadura brasileira], é possível comemorar no 7 de setembro, no dia da bandeira ou no dia que for. O importante é manter vivo esse espírito de democracia, de reconquista da democracia que nós fizemos também..Com a mudança de Governo em Portugal, como será o diálogo entre os dois países?.Excelente, excelente, como foi desde esse início. Depois da mudança de Governo, escrevi uma carta e enviei ao ministro Paulo Rangel. Já falámos duas vezes por telefone, a primeira vez para nos conhecermos melhor, ainda que telefonicamente, porque eu não tinha tido a ocasião de estar com ele antes. Sei que é um político importante em Portugal e na União Europeia. O ministro me disse que eu fui o primeiro de outro país a falar com ele e cumprimentá-lo pelo cargo. Conversámos por 40 minutos. Na semana passada, conversámos de novo sobre temas específicos de interesse comum e agora, juntos aqui em Lisboa, já temos uma ótima relação..Como avalia o trabalho do Brasil na presidência do G20?.Muito bom e um grande desafio. O presidente Lula tem grande interesse, desde o primeiro dia dele no governo no ano passado me instruiu e também instruiu os outros órgãos do governo federal que estão envolvidos. Você sabe que o G20 tem duas trilhas: a diplomática, a trilha de Sherpas, e a trilha financeira. Então, nós trabalhamos estreitamente com o Ministério da Fazenda [Finanças] e o presidente Lula acompanha de perto, nos cobra e nos pergunta constantemente [sobre os resultados]. O G20 é um grande desafio, mas é também uma grande oportunidade para nós podermos mostrar ao mundo as nossas preocupações que são comuns com todos os países em desenvolvimento, sobretudo os que estão no G20. Os temas centrais são o combate à fome, à pobreza e à desigualdade, também a transição energética e o desenvolvimento sustentável e, em terceiro lugar, a discussão em torno da reforma da governança global. Na primeira reunião dos ministros do exterior, que ocorreu agora em fevereiro no Rio de Janeiro, houve um consenso, praticamente, de todos os países que a reforma da governança global é uma necessidade. Todos concordaram. Então, são temas importantes que nós estamos avançando nessa agenda. Além disso, o Brasil está inovando. Nós vamos ter, dessa vez, nessa presidência, que é a primeira que propôs isso, duas reuniões de ministros do Exterior. Uma primeira que já ocorreu no Brasil e a segunda vai ser no dia 26 de setembro, dois dias depois da abertura do debate geral das Nações Unidas, na sede em Nova Iorque. Eu estive lá na semana passada e já combinei mais uma vez, acertei detalhes com o secretário-geral António Guterres para realizarmos uma reunião do G20 dentro da sede da ONU e, depois da participação dos membros, será aberta a apresentação de todos os países das Nações Unidas que queiram levar um depoimento e uma sugestão. É uma abertura, uma democratização também do G20 dentro da ONU. Isso virá em sequência, logo depois da Cúpula do Futuro, que é uma proposta também do secretário-geral da ONU, que se realizará três dias antes. Isso complementará essa discussão. .E sobre a participação de Portugal no G20, convidado pelo Brasil?.Nós acreditamos que Portugal terá um papel importante nas diferentes reuniões, nas diferentes trilhas. Foi convidado para todas, para a plenitude das reuniões do G20 e vai ter um papel importante, uma palavra de peso e uma contribuição relevante no G20. Ficamos muito contentes de ter a participação de Portugal..Quanto ao acordo do Mercosul e a União Europeia, como estão as negociações?.Estamos muito bem, avançámos bastante. Desde o início do governo do presidente Lula, nós tivemos que primeiro rever o que tinha sido feito, corrigir cursos, porque havia coisas que não estavam de acordo com o interesse nacional. O Brasil esteve na presidência do Mercosul no segundo semestre do ano passado, coordenámos com os demais membros e mantivemos a negociação, o Brasil continua encabeçando a delegação que negocia o acordo com o Mercosul. Isso é uma divisão que se faz como já estava adiantado na nossa presidência. Apesar de agora a presidência do Mercosul ser do Paraguai, nós continuamos tendo essa missão. Nós continuamos e fizemos ajustes, negociámos com a Comissão Europeia adaptações e estamos esperançosos que possamos concluir essa negociação até ao final do ano..A França é um país que está a travar o acordo. O tema foi discutido na viagem de Estado de Emmanuel Macron ao Brasil?.O presidente Macron tem uma visão do acordo, que já leva 21 ou 22 anos de negociação, ele gostaria de um modelo mais moderno, mais atualizado, mas a maioria dos países da União Europeia, quer dizer, a União Europeia já tem um mandato para negociar. O presidente Macron fez uma visita de Estado ao Brasil de três dias, foi uma longa visita, o que mostra também a importância da relação do Brasil com a França, que ultrapassa o terreno das negociações comerciais, quer dizer, há uma grande influência cultural, económica também, comercial e admiração mútua, respeito e respeito no Brasil pela França e vice-versa. A França tem as digitais [influências] dela em instituições importantíssimas do Brasil, como as grandes universidades brasileiras. O Brasil é muito admirado na França como a cultura brasileira, a música brasileira, a França recebeu inúmeros exilados brasileiros durante a ditadura, quero dizer, há uma proximidade muito grande com a Europa em geral, como também com Portugal. Portanto, eu creio que vamos continuar trabalhando de forma muito positiva. O presidente Macron foi à Amazónia e vai voltar para a COP30, que se realizará lá no ano que vem. Esteve no Rio de Janeiro, esteve em São Paulo e em Brasília foi a parte, vamos dizer, formal de governo que foi recebido como visita de Estado..Por falar em visita de Estado, como está a preparação para a cimeira Brasil-Portugal?.Muito bem, é um momento muito importante, você assistiu o ano passado, com o nosso o presidente aqui. Este ano cabe ao Brasil, vamos conversar com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, vamos tratar da discussão dos temas, estamos preparando agendas e vamos escolher uma data que seja adequada. Já existe uma previsão de quando vai ocorrer? Vamos ver, porque temos eleições municipais no Brasil este ano, que é complicado, além das eleições do Parlamento Europeu aqui. Os dois lados querem fazer [a cimeira], é só questão de encontrar um momento, porque envolve também agendas de chefes de Estado, que não é uma coisa simples, mas há toda a vontade e todo o interesse..Ministro, aqui na Europa há muita divergência com a posição do presidente Lula da Silva sobre a guerra na Ucrânia e em Gaza. Como você explica a posição do Brasil?.Olha, é muito simples de entender. O presidente Lula nem era presidente ainda quando começou, quando eclodiu a invasão na Ucrânia. Ele foi, como cidadão brasileiro e como político, antes das eleições inclusive, foi contrário, criticou e condenou a invasão. E depois, quando eleito, imediatamente condenou a invasão e se referiu ao direito constitucional da integridade territorial. Agora, ao mesmo tempo, diz repetidamente que o Brasil é contra a guerra, contra qualquer violência e que há necessidade de paz e de negociar a paz. Tanto que nós participamos de todas as conversas que existem, todos os mecanismos de negociação. Nós mandaremos representantes para a reunião na Áustria, como já mandámos nas outras. Nas iniciativas da Rússia também mandamos sempre. Agora, a posição do presidente é que tem que sentar os dois lados. Não adianta ficar se discutindo só um lado, só o lado dos que apoiam a Ucrânia. Tem que estar os dois lados, os dois interlocutores diretos. O Brasil tem diálogo com os dois países. Então, nós queremos promover a paz e as negociações. Essa é a posição com relação à questão da Ucrânia. Com relação à Gaza, também o Brasil, e o presidente pessoalmente, condenou os atos do Hamas no dia 7 de outubro [que fizeram 1200 mortos] e considerou terroristas, sem dúvida nenhuma. Agora, o que nós não podemos aceitar é uma reação desproporcional, porque é desproporcional [a reação de Israel. São 34 mil mortos, 75% de mulheres, idosos e crianças]. Não é possível se ver da forma que os eventos estão acontecendo. Bombardeios de hospitais, de instalações, de organizações de assistência, como a UNRWA [Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos], que já perdeu 178 funcionários. Vários países anunciaram que iam deixar de contribuir, porque as contribuições são voluntárias. O Brasil jamais fez isso. Ao contrário, estamos examinando a possibilidade de aumentar a nossa contribuição. É o único organismo que é testemunho dos acontecimentos, que está lá, humanitário, das Nações Unidas. Nós somos a favor da libertação dos reféns, nós somos a favor de um armistício, de uma solução permanente, de um cessar-fogo permanente. Somos a favor da entrada de ajuda humanitária e não a conta-gotas ou sendo já atirado de avião, na quantidade necessária para atender a população. É preciso atender os 2 milhões e 200 mil palestinianos e de outras nacionalidades que vivem e que estão desabrigados, já não há mais infraestrutura, não há mais nada. Então essa é a nossa posição muito clara com relação aos dois. .amanda.lima@globalmediagroup.pt