A longa viagem para recuperar as crianças ao ocupante russo

Um autocarro ao serviço da ONG Save Ukraine seguiu até à anexada Crimeia, dando a volta pela Polónia e Bielorrússia, para levar de volta a casa 17 crianças ucranianas.
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Momentos depois de o autocarro que o devolveu, e a mais de uma dúzia de outras crianças, ter chegado a Kiev vindo de território russo, um rapaz de 10 anos de idade saltou diretamente para os braços do seu pai. Denys Zaporozhchenko segurou o filho e beijou-lhe a testa, antes de também abraçar as duas filhas, que estiveram entre as 17 crianças separadas dos pais durante meses. A reunião foi organizada pela Save Ukraine, uma ONG que luta contra o que diz serem deportações ilegais de crianças ucranianas para território controlado pela Rússia.

Mais de 16 mil crianças ucranianas foram deportadas para a Rússia desde a invasão de 24 de fevereiro de 2022, segundo Kiev, com muitas alegadamente colocadas em instituições e lares de acolhimento. A Rússia nega as acusações, dizendo ter salvado as crianças ucranianas dos horrores da guerra. Mas o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu na semana passada um mandado de captura contra o presidente, Vladimir Putin, por ter deportado ilegalmente crianças ucranianas.

Zaporozhchenko viu os seus filhos pela última vez em outubro, em Kherson, a única capital regional que as forças russas capturaram após a invasão, quando partiram para um chamado campo de férias russo. Esperava duros combates na sua cidade natal, à medida que as forças ucranianas se aproximavam para a reconquistar, o que acabou por acontecer em novembro. Enviar os filhos para a Crimeia - a península pitoresca e turística anexada por Moscovo em 2014 - parecia o mal menor.

Os funcionários russos "prometeram enviá-los para estes campos durante uma ou duas semanas", disse à AFP. "Quando nos apercebemos de que não o devíamos ter feito [deixá-los ir], já era tarde demais."

As famílias eram por vezes pressionadas a enviar os seus filhos nas chamadas férias, disse Myroslava Kharchenko, um advogado que trabalha com a Save Ukraine. "[ Funcionários russos] disseram aos pais que tinham uma hora para pensar e que se os ucranianos lá chegassem antes trariam mercenários americanos, que espancariam e violariam as crianças." Após "chantagem, manipulação e intimidação, eles levaram as crianças", acrescentou Kharchenko.

Alguns pais já tiveram anteriormente de embarcar eles próprios na viagem para encontrarem os filhos por conta própria, disse Kharchenko. Mas, pela primeira vez, o grupo Save Ukraine organizou uma recolha em grupo para as crianças separadas, assumindo uma procuração para os pais incapazes de fazer a viagem. Foi fretado um autocarro, que atravessou a Polónia e a Bielorrússia, e depois seguiu para a Rússia, antes de irem buscar as crianças à Crimeia anexada.

Algumas das crianças entrevistadas pela AFP descreveram o nível de doutrinação política. "Se não cantássemos o hino nacional [russo], obrigavam-nos a escrever uma nota explicativa. Durante o Ano Novo, foi-nos mostrado o discurso de Putin", disse Taisia, de 15 anos

A filha de Zaporozhchenko, Yana, de 11 anos, disse que "tudo era como nos campos normais", mas os funcionários "obrigavam a cantar e dançar quando os inspetores vieram" de Moscovo.

Inesa Vertosh, de 43 anos, vincou que o seu filho se tinha tornado "mais sério" após a longa separação. "Ele olha para mim e diz: "Mãe, não quero falar-te disso, não dormirias à noite"."

Todas as crianças receberão apoio psicológico, segundo Kharchenko. A sua organização está "a fazer tudo para que as crianças e os seus pais não regressem a territórios perigosos", acrescentou.

A Comissão Europeia e a Polónia vão realizar uma conferência internacional, ainda sem data, para ajudar a encontrar as mais de 16 mil crianças ucranianas capturadas pela Rússia. Apenas cerca de 300 regressaram a casa. "O nosso objetivo é exercer pressão internacional para fazer todos os esforços possíveis para apurar o paradeiro das crianças", disse a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, no último Conselho Europeu.

O projeto contará ainda com as agências da ONU para as localizar e tentar extraí-las das famílias e dos lares adotivos russos.

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