A incógnita iraniana na equação do "eixo de resistência" a Israel
O cadáver do líder do Hezbollah foi retirado dos escombros dos edifícios arrasados pelo bombardeamento de sexta-feira à tarde em Beirute, debaixo dos quais funcionava o quartel-general da organização xiita, quando se confirmou a morte de outro alto dirigente, Nabil Qaouk, considerado um possível sucessor de Hassan Nasrallah.
Privado das chefias, sob ataque continuado e certeiro de Israel, e com as linhas de comunicação abaladas, do grupo criado em 1982 pelo Irão não se espera que tão cedo seja capaz de articular uma retaliação. No sábado os houthis lançaram um míssil balístico tendo como destino o aeroporto Ben Gurion, quando o primeiro-ministro israelita aterrava. Telavive respondeu com um ataque aéreo com “dezenas de aviões” a alvos no Iémen. As atenções viram-se para Teerão, onde o chefe da diplomacia disse que todas as opções estão em cima da mesa.
Foi só há um mês e tanto aconteceu entretanto: na sequência da morte do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerão, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Abbas Araghchi, prometeu uma reação “definitiva”, “medida e bem calculada” contra Israel. Até agora, nada, ao contrário do que sucedeu em meados de abril, quando, pela primeira vez na história, o Irão atacou de forma direta Israel, país que não reconhece. Na ocasião foram lançados dezenas de drones e de mísseis balísticos e de cruzeiro, um ataque concertado com as suas forças por procuração no Iémen, Iraque e Líbano. O ataque deu-se em resposta ao bombardeamento ocorrido no dia 1 de abril ao consulado do Irão em Damasco, no qual morreram oito membros dos Guardas da Revolução e seis quadros do Hezbollah e de outros grupos.
Em Nova Iorque, onde se reuniu com o secretário-geral das Nações Unidas e o seu embaixador pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança, Abbas Araghchi disse que “todas as possibilidades estão abertas”, incluindo a guerra, após a morte de Nasrallah. “Todos reconhecem o perigo de uma guerra na região. Esta situação é muito perigosa e todas as possibilidades estão abertas neste momento”, comentou citado pela agência noticiosa Fars. A propósito da morte do general iraniano da força Quds Abbas Nilfroshan, que se encontrava reunido com o líder do Hezbollah, o chefe da diplomacia disse, em comunicado, que o “crime horrível do regime agressor sionista não ficará sem resposta”, tendo acrescentado que “o aparelho diplomático utilizará também todas as suas capacidades políticas, diplomáticas, legais e internacionais para perseguir os criminosos e os seus apoiantes”.
Menos diplomático, o secretário do Conselho dos Guardiães, Ahmad Jannati, ameaçou com a “destruição do regime sionista”, segundo a agência Fars. Javad Zarif, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e agora vice-presidente do Irão para os assuntos estratégicos, disse que uma resposta “ocorrerá no momento apropriado e à escolha do Irão, e as decisões serão definitivamente tomadas ao nível da liderança, ao mais alto nível do Estado”, segundo informou a agência IRNA. Ou seja, por Ali Khamenei, o homem no topo da hierarquia da teocracia xiita.
No sábado, o ayatollah -- que, segundo a Reuters, temendo-se um ataque israelita, foi levado para um local seguro -- declarou cinco dias de luto pelo “martírio” de Nasrallah, rejeitou a ideia de que o Hezbollah tenha perdido a sua “estrutura sólida” e apelou para que os muçulmanos apoiem o grupo para “ajudá-lo a enfrentar o regime usurpador, cruel e maléfico”, ou seja, de Israel. Segundo o The New York Times, Khamenei ficou em choque com a morte de Nasrallah e não terá ainda decidido como agir, mas pelas declarações públicas parece afastar um cenário de confronto direto. “Todas as forças da resistência estão ao lado do Hezbollah. Será o Hezbollah, ao leme das forças da resistência, que determinará o destino da região.”
Ainda segundo o jornal nova-iorquino, numa reunião de emergência do Conselho Supremo de Segurança Nacional, fundamentalistas como o candidato presidencial derrotado Saeed Jalili defenderam um ataque a Israel antes que este o execute ao Irão, enquanto o presidente Massoud Pezeshkian, da ala moderada, se mostrou contrário, tendo argumentado que isso seria cair numa armadilha.
Para o professor de relações internacionais em Teerão Mehdi Zakerian, a reconstrução do Hezbollah não será uma tarefa fácil para o seu país, tendo em conta as dificuldades económicas. “Se o governo quiser envolver-se na reconstrução do Líbano ou no reequipamento do Hezbollah, isso agravará a crise económica do Irão”, afirmou à AFP. No entanto, Zakerian não acredita que a república islâmica abra mão do grupo libanês, “porque nesse caso iria perder os outros aliados”. O mesmo racional é aplicado se não houver retaliação a Israel. “Neste momento, o Irão encontra-se num dilema político”, afirmou Firas Maksad, do Instituto do Médio Oriente, citado pela Lusa. Teerão quer evitar um confronto direto, dando preferência à guerra assimétrica e por procuração em que tem apostado há décadas. “Mas, por outro lado, a falta de uma resposta digna, dada a magnitude do acontecimento, apenas encorajará Israel a ultrapassar as linhas vermelhas do Irão.”
Outros mortos do Hezbollah
Além de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, Israel eliminou, desde dia 20, outras figuras gradas da organização pró-iraniana.
Ali Karaki
O Hezbollah confirmou a sua morte no domingo, depois de na segunda-feira ter dito que estava a salvo. Era o comandante da frente sul.
Ibrahim Qubaisi
Também conhecido como Abu Musa, era o comandante responsável pelos mísseis e foguetes e tinha sido promovido há pouco para uma posição em que respondia diretamente a Nasrallah. Israel responsabiliza-o por um rapto e morte de três militares israelitas no ano 2000. Foi alvejado num ataque aéreo na terça-feira.
Ibrahim Aqil
Era o comandante da unidade especial do Hezbollah, a Força Radwan, e o segundo na cadeia de comando militar depois de Fuad Shukr, morto em julho. Procurado pelos EUA pelo envolvimento nos atentados bombistas que mataram 300 militares dos EUA e de França em 1983.
Ahmed Wahbi
Comandante de topo que terá supervisionado as operações da Força Radwan em Gaza até ao início de 2024. Foi morto no mesmo ataque que atingiu Ibrahim Aqil, nos subúrbios de Beirute, no dia 20.
Nabil Qaouk
Morto num ataque aéreo no sábado, era quem chefiava a segurança interna do Hezbollah. Pertencia também ao Comité Central. Segundo Telavive, estava “diretamente envolvido na promoção de ataques terroristas contra o Estado de Israel”.
cesar.avo@dn.pt