Não há dados oficiais da parte do governo, mas o Observatório da Diáspora Venezuelana (ODV) calcula em mais de 9,1 milhões os venezuelanos que vivem fora do país. "99% da migração venezuelana começou no primeiro dia de Hugo Chávez no poder. Ali começou e não parou", disse ao DN o sociólogo venezuelano Tomás Páez Bravo, que há 12 anos se dedica ao tema. Segundo o especialista, que na sexta-feira deu uma conferência sobre "Estratégia de Governação da Diáspora Venezuelana" na Universidade Autónoma de Lisboa, houve emigração no momento da crise da desvalorização da moeda em 1983 e depois do Caracazo em 1989. Mas foi depois do início da revolução bolivariana em 1999, com a chegada de Chávez ao poder, que esta se intensificou e atingiu as proporções atuais. "Até 2015, saíram 120 mil pessoas por ano, isso está bem documentado. A partir de 2016 e até 2019, esse número multiplicou-se por dez, passando a 1,2 milhões de pessoas por ano. Nem o Covid nem o pós-Covid travaram ou diminuíram a emigração, que continuou a crescer e voltou a disparar depois das eleições", explicou. O presidente Nicolás Maduro (que sucedeu ao falecido Chávez em 2013) reivindicou a vitória nas presidenciais de 28 de julho, mas nunca mostrou as atas eleitorais que o provam - como exigia grande parte da comunidade internacional para apoiar a sua tomada de posse, que se concretizou na sexta-feira. Por seu lado a oposição, que lançou a candidatura de Edmundo González depois de María Corina Machado ter sido impedida, tem uma cópia de mais de 80% dessas atas, que provam a sua vitória. .Maduro avisa que Venezuela está preparada para "pegar nas armas" e "defender o direito à paz".Durante a conferência, Tomás Páez Bravo tinha dado um exemplo do aumento da imigração após as eleições."Antes das eleições, saíam 120 pessoas por dia pela fronteira de Roraima, no Brasil. Depois das eleições passou a 550 pessoas por dia", explicou. "Pela perigosíssima selva de Darién [a passagem terrestre entre a Colômbia, na América do Sul, e o Panamá, na América Central], a caminho dos EUA, 60% dos que passavam até julho eram venezuelanos. Depois, passaram a ser 80%", disse. "Quando as pessoas são capazes de atravesar o Darién é porque sentem nas costas a boca do tubarão. E preferem arriscar a vida na travessia a ser comidos pelo tubarão", acrescentou. E a situação não vai mudar, já que 67% dos venezuelanos que vivem fora do país dizem que conhecem alguém que está a pensar sair também. "É essa a tendência, segundo todas as sondagens. Esta é de pessoas que estão fora do país, mas as sondagens que se fizeram de quem está dentro, dos que está a pensar a migrar, também revela o mesmo", indicou."Porque este é um governo que não serve ninguém, desde logo os venezuelanos", indicou, falando na hiperinflação e de outros problemas. "O governo eliminou 15 zeros na taxa de câmbio... Os serviços estão no subsolo, está a destruir o ambiente na Amazónia... Na educação, há um dado que ninguém acredita. As crianças da primária e do secundário recebem educação dois dias por semana. Para que nos outros três dias, o professor, que não consegue ganhar o suficiente com o salário que recebe, possa estar a fazer outra coisa. A conduzir um Uber, a semear algo, dando aulas privadas... Mas o governo aceitou isto", referiu. "Há uma sociedade que não quer saber nada deste senhor, que quer uma mudança de modelo, que quer a democracia", defendeu. "Penso que este regime é como se tivesse saído da unidade de cuidados intensivos para os cuidados paliativos. Já está na última fase. Porque não dá mais, nem economicamente, nem socialmente, nem globalmente. E há um divórcio absoluto entre o regime e uma sociedade que quer a mudança". Mas mesmo se houver uma mudança, os dados indicam que 80% dos venezuelanos que estão no exterior não planeiam voltar. Mas o sociólogo não vê nisso um problema "Não é perda, é ganho", explica, considerando que mesmo de fora os venezuelanos vão poder ajudar o seu país.A "cartografia" da diásporaSem dados oficiais, o ODV fez uma "cartografia" da diáspora venezuelana. "São nove milhões e poucas pessoas, distribuídas por 90 países, mais de 400 cidades e mais de 1500 municípios", indicou, entre os quais Portugal (para onde muitos lusodescendentes vieram, apesar de a comunidade portuguesa na Venezuela ser a das que menos regressa, contou, explicando que é preciso um estudo para tentar saber porquê). Mas o ODV não quer só conhecer o número. Quer saber não só de onde saem as pessoas (porque isso impacta a região em questão de receção de remessas ou de pirâmide demográfica), mas também para onde vão as pessoas, o que fazem, como se integram. "Toda a diáspora dá mais do que recebe nos países de acolhimento. E isso é importante porque o tema das migrações está no centro do debate político na Europa, nos EUA, neste momento na América Latina por causa da diáspora venezuelana", indicou o sociólogo. "A diáspora é benéfica, a diáspora não destrói emprego, pelo contrário, cria-o. A diáspora gera fontes de recurso", disse durante a palestra, onde se mostrou também contra a ideia da "fuga de cérebros" quando se fala em migrações. "Isso seria dizer que a entrada da mulher no mercado laboral é abandono do lar. Não tem sentido. São coisas que acontecem. É a vida, a mobilidade humana". Depois, referiu, se há uma fuga, é porque se considera que alguém era "proprietário" desse cérebro e da "prisão" onde ele está.Dos mais de nove milhões de venezuelanos fora da Venezuela, três milhões estão na Colômbia. Costuma dizer-se que Lima (a capital do Peru) é a maior cidade da Venezuela, com os seus 1,5 milhões de venezuelanos. "Os migrantes são, eles próprios, testemunho do fracaso do modelo implantado na Venezuela, porque estão a fugir desta situação." E, ao fazê-lo, estão a "construir uma geopolítica diferente da do governo". "O governo venezuelano mantém relações com a Rússia, a China, a tecnocracia iraniana, a Turquia, Cuba, a Nicarágua. E os venezuelanos, a diáspora venezuelana, move-se em direção aos países democráticos, aos países do Ocidente. No seu próprio andar, no seu próprio trânsito, a diáspora venezuelana constrói uma geopolítica absolutamente distinta daquela que tenta promover o governo", explicou.