Terça-feira, 6 de junho de 1944. Perto de 160 mil homens cruzam o canal da Mancha, enxameado por mais de 6.000 embarcações. O desembarque da Normandia substanciava-se na maior invasão por mar da história. Aquele início de junho determinaria o curso futuro da Segunda Guerra Mundial. A operação abria uma nesga na porta de libertação dos territórios ocupados pelos nazis no noroeste europeu. O Dia D, como ficou batizado, estabelecia os alicerces para a vitória dos Aliados na Frente Ocidental. Como forma de assinalar os 80 anos do desembarque da Normandia, o Museu da Farmácia, em Lisboa, abre as portas a 6 de junho para uma tarde de memória e tertúlia. Um primeiro momento (às 14h30) assinala a reunião de protagonistas diretos e indiretos do Dia D, juntando um painel de oradores a contar de viva-voz as suas vivências naquele momento determinante. Segue-se-lhe uma mesa-redonda (16h30) subordinada ao tema “Portugal e a Segunda Guerra Mundial - A Visão dos Historiadores”. De permeio, às 16h15, inaugura a exposição com peças relacionados com o segundo conflito mundial. .“Há uns anos adquiri algumas mochilas ligadas à Segunda Guerra Mundial, nomeadamente ao desembarque da Normandia. Pertenço a uma geração para a qual a Guerra não é uma realidade muito distante no tempo. Ela chegava-nos, por exemplo, através de documentários, de artigos nas revistas que nos recordavam o conflito. Também por ligações familiares minhas com Inglaterra, com nove anos de idade, aproximei-me ainda mais das memórias da guerra. Queria fazer algo ligado a esta comemoração. Desta forma, ao nos aproximarmos da data que recorda o Dia D, percebi o interesse que esta suscitava junto de estrangeiros a viverem em Portugal. Assim, reunimos quatro participantes que nos vão trazer diferentes memórias”, sublinha João Neto, diretor do Museu da Farmácia.Andrew Bailey, filho de um dos primeiros militares da marinha inglesa a colocar explosivos que permitiram o desembarque na Normandia, é um dos presentes no evento. “Descobri mais tarde que um dos tios do meu cunhado inglês esteve a fazer a mesma coisa numa praia nas proximidades onde operou o pai de Bailey”. A sessão conta, ainda, com Jacqueline Vangoidsenhoven, que estava em Bruxelas durante os dias da libertação e que se recorda de um soldado inglês que lhe ofereceu um chocolate, soldado esse que reencontrou anos depois no Algarve. “Esta é uma história, realmente, emotiva, a Jacqueline vai contar-nos um episódio incrível. Ainda em miúda, aquando da libertação de Bruxelas, recebeu um chocolate das mãos de um soldado. Certo dia, numa celebração do Dia D no Algarve, a Jacqueline, percebe que um senhor de idade avançada chora entre os participantes. Fora ele o soldado que nos anos de 1940 lhe dera o doce”. .Também à conversa vai estar Jean Buhot, que tinha pouco mais de cinco anos quando se deu o desembarque e se recorda do barulho dos canhões dos navios; e Monique Benveniste, uma das refugiadas que veio nos comboios de França para Portugal com um visto passado pelo diplomata português Aristides de Sousa Mendes..João Neto anuncia-nos “em primeira mão” que a mostra de peças já antes referida conta “com novas doações recentes. O anúncio desta iniciativa criou, nestas duas últimas semanas, um enlace interessante junto de estrangeiros a viverem em Portugal, inclusivamente com a vinda de grupos organizados de amigos dessas pessoas e de representantes de universidades. Um indivíduo ligado a uma universidade norte-americana referiu-me que o pai fora um dos oficiais que recebeu a rendição de uma ilha japonesa. A pessoa vai enviar-me algumas fotos dessa cerimónia. Não só juntaremos estes novos objetos à exposição, como as histórias vão estar aí refletidas”, sublinha João Neto..A mostra patente a partir de dia 6 de junho no Museu da Farmácia, aproxima o visitante dos objetos presentes no Dia D e não só. Entre os artefactos em mostra conta-se uma mochila do Desembarque na Praia de Omaha, em 1944, assim como a Farmácia da Enfermeira de Adolf Hitler. “Conheço relativamente bem as farmácias inglesas e francesas da época. Certo dia disse para comigo, ‘tenho de saber como era a vida nas farmácias alemãs nos últimos tempos da Segunda Guerra Mundial’. Soube, então, que havia uma peça na Alemanha que me seria permitido trazer para Portugal. É-me entregue em mãos, pela filha, a caixa de enfermeira que fora encerrada em 1945 e assim permanecia”. .Objetos que contam histórias para além da narrativa que encerram. Entre os artefactos em mostra, há a referir as caixas de medicamentos dos filmes O Resgate do Soldado Ryan (1998) e da série Irmãos de Armas (2001). “Adereços de filmes emblemáticos. Adquiri-os num leilão, após anos a aguardar por esse momento. Ninguém esquece os primeiros minutos do filme O Resgate do Soldado Ryan, que corre como um documentário”. A mostra patente de segunda-feira a sábado, entre as 10h00 e as 18h00, inclui objetos dos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald. .O encontro a 6 de junho completa-se com a conferência “Portugal e a Segunda Guerra Mundial - A visão de historiadores”, que dará palco a um momento de aprendizagem e reflexão do papel e da envolvência de Portugal neste conflito militar global, com a presença de José Barata Feyo (“Os portugueses na resistência francesa”), Cláudia Ninhos (“Os portugueses nos campos de trabalho nazis”), Inês Fialho Brandão (“Os refugiados que passaram por Portugal”) e Manuel Nascimento (“Uma espia portuguesa ao serviço de De Gaulle”).Numa antecipação do ano de 2025, data em que se comemora os 80 anos sobre o fim da Segunda Guerra Mundial, João Neto, adianta que o Museu da Farmácia “não deixará passar o momento. Vamos comemorar esta data. Os conflitos são feitos pelos que neles combatem, mas também por todos os que se encontram nos territórios ocupados e que contribuem para a libertação”. .A celebração dos 80 anos do Dia D no Museu da Farmácia (Rua Marechal Saldanha, n.º 1) é de entrada gratuita e aberta ao público em geral. A organização recomenda a inscrição prévia através de ligação disponibilizada na página de Facebook da instituição.