Uma candidatura foi anunciada há quase dois anos, a outra há pouco mais de três meses. O dia das presidenciais norte-americanas chegou, mas o caminho até à Casa Branca foi longo e ainda não está concluído. O que começou oficialmente nas primárias vai passar pela eleição do Colégio Eleitoral - o número mágico é 270 e pode não traduzir o voto popular - e culminar na tomada de posse a 20 de janeiro. Donald Trump ou Kamala Harris. A decisão cabe a todos os eleitores americanos, mas os olhos do mundo estão postos nos dos sete chamados swing states (que podem pender para o lado republicano ou para o democrata)..A primeira coisa que é preciso ter em conta é que as presidenciais nos EUA são indiretas. Ou seja, os eleitores não elegem diretamente o presidente (apesar de ser o nome dos candidatos que surge no boletim de voto), mas os membros do Colégio Eleitoral responsáveis por o fazer. O sistema existe desde 1787, tendo sido criado para garantir que os estados mais pequenos não ficavam esquecidos se só o voto popular fosse tido em conta. Mas também retrata o descrédito que os delegados da Convenção Constitucional de Filadélfia tinham nos eleitores, acreditando que podiam ser suscetíveis aos demagogos, querendo manter o controlo dentro da hierarquia de poder. .No total há 538 “grandes eleitores”, equivalente a um por cada senador e congressista do estado, ao que se somam três por Washington D.C. - sendo estes determinados pela população. O estado que elege mais grandes eleitores é a Califórnia: 54. Após os censos de 2020, só para dar alguns exemplos, dois dos estados chave destas eleições, Pensilvânia e Michigan, perderam cada um deles um grande eleitor, com a Carolina do Norte (outro dos estados decisivos) a ganhar um e o Texas a ganhar dois. .O número mágico que tanto Trump como Harris procuram é o 270 (equivalente a metade mais um dos membros do Colégio Eleitoral). Quando um candidato atinge este valor, tem quase garantida a eleição na votação que decorre a 16 de dezembro. Em teoria, os eleitores podem votar em quem quiserem - em 2016 houve sete “infiéis” que votaram noutros candidatos, mas não alteraram o resultado. Os votos são contados e a vitória é certificada a 6 de janeiro numa sessão conjunta do Congresso - para a história ficou a invasão e a violência de 2021..Por haver um número par de grandes eleitores, existe a possibilidade de um empate - já aconteceu em 1801. Nesse cenário extremo, o novo presidente é eleito pela Câmara dos Representantes (totalmente renovada também nestas eleições), com cada estado a ter direito a um só voto. O Senado elege o vice-presidente, sendo que nesse caso há um voto por senador (logo, dois votos por estado). .Sete swing states.Em 48 estados, o vencedor do voto popular determina como todos os grandes eleitores vão votar nas verdadeiras eleições presidenciais de dezembro. As exceções são o Nebrasca e o Maine (quatro e cinco grandes eleitores, respetivamente), onde há eleitos por cada um dos distritos além de ser tido em conta o voto geral. Mas, na maioria dos casos, o facto de o candidato mais votado a nível estadual ganhar todos os votos do Colégio Eleitoral desse estado, mesmo que só tendo um voto a mais que o adversário, faz com que a corrida fique dependente de uns poucos swing states, onde as sondagens mostram os dois candidatos num empate virtual..Este ano, só sete estados são considerados competitivos, com os restantes 43 a serem claramente colocados sob a coluna democrata ou republicana, não se esperando ali surpresas. Daí que, à partida, Harris conte já com 226 votos e Trump com 219. Os restantes 93 estão em jogo, com os dados lançados na Pensilvânia, Michigan e Wisconsin (no chamado rust belt, o cinturão da ferrugem, a área industrial que entrou em declínio económico e populacional), assim como no Arizona, Geórgia, Nevada e Carolina do Norte (o sun belt, o cinturão do sol, que pelo contrário tem crescido económica e demograficamente)..Em 2016, Trump venceu pela margem mínima os três primeiros, impulsionando a sua vitória sobre Hillary Clinton - em estados que faziam parte da blue wall que votava democrata desde 1992. Em 2020, Joe Biden recuperou esses estados, além de ter ganho na Geórgia e no Arizona, que historicamente votavam nos republicanos. Este ano, o rei dos swing states é a Pensilvânia, simplesmente pelo elevado número de eleitores que garante 19. Foi o estado onde tanto Harris como Trump passaram mais tempo em campanha..O voto popular nacional.O voto popular conta a nível de cada estado, não ao nível nacional, pelo que é possível chegar à Casa Branca sem ter sido o candidato mais votado nos EUA. Algo que tem beneficiado os republicanos neste século. Trump teve quase três milhões de votos a menos do Hillary Clinton em 2016, mas conquistou quase mais 80 grandes eleitores do que a democrata. Antes dele, George W. Bush perdeu o voto popular no primeiro mandato em 2000 (frente a Al Gore), vencendo no segundo mandato em circunstâncias muito particulares: no rescaldo dos atentados do 11 de Setembro..Nesta campanha, o candidato a vice-presidente democrata, Tim Walz, defendeu o fim deste sistema. “Acho que todos sabemos que o Colégio Eleitoral precisa de ser eliminado. Precisamos de um voto popular nacional. Mas não é esse o mundo em que vivemos”, lamentou. Enquanto governador do Minnesota, Walz aprovou leis para aderir ao pacto já adotado por 17 estados e Washington D.C. de entregar todos os votos do colégio eleitoral ao vencedor do voto popular, independentemente da decisão no respetivo estado. Já representam 209 votos no Colégio Eleitoral, aquém dos 270 necessários. .Mas a decisão de mudar o sistema caberá sempre ao Congresso. Em 1969, a Câmara dos Representantes chegou a passar uma lei que defendia a aposta no voto popular, com a possibilidade de uma segunda volta se nenhum dos candidatos tivesse 40% na primeira (é preciso recuar até ao século XIX para encontrar um caso, na história eleitoral dos EUA). Mas a legislação não passou no Senado..Quando se sabe o vencedor?.Mais de 75 milhões de eleitores já tinham votado antecipadamente ainda antes do dia das eleições, mas isso não significa que a contagem dos votos seja mais fácil na noite eleitoral. Na realidade, o voto por correio complicou o processo - ainda para mais depois das denúncias (infundadas) de fraude em 2020, que Trump tem vindo a mencionar também em 2024..Em várias eleições o vencedor foi declarado ainda durante a noite eleitoral (Barack Obama em 2012) ou já de manhã (Donald Trump em 2016), mas com a corrida tão renhida pode levar os meios de comunicação norte-americanos - e a agência Associated Press - a demorar a declarar o vencedor. Em 2020, as eleições foram no dia 3 de novembro, mas só a 7 é que Biden foi declarado o vencedor. Não era um cenário novo: nas eleições de 2000, por causa da Florida, Bush só foi declarado vencedor mais de um mês depois das eleições..Os grandes eleitores vão votar a 17 de dezembro, pelo que até lá a situação deve estar resolvida - incluindo eventuais recontagens. Uma lei, aprovada em 2022 no Congresso, dita que a transição do poder começa cinco dias após as eleições, pelo que poderá haver duas equipas - uma de Trump e outra de Kamala - em simultâneo se o anúncio do vencedor se atrasar. Há quatro anos, a recusa do republicano em aceitar a derrota implicou um atraso de três semanas na transição de Biden..A tomada de posse, a 20 de janeiro, será o fim do ciclo eleitoral que começou nas primárias dos partidos, que tiveram início logo em janeiro. Ao longo de meses, cada estado foi elegendo os delegados às convenções republicana (em julho, no Milwaukee) e democrata (um mês depois, em Chicago). Trump, que tinha anunciado que era candidato ainda em novembro de 2022, enfrentou uma dezena de adversários, mas nenhum foi capaz de travar a máquina da MAGA (Make America Great Again - Tornar a América Grande de Novo)..No caso de Harris, também se viu sem adversários, apesar de só ter entrado na corrida a pouco mais de cem dias das eleições. O presidente Joe Biden tinha anunciado em abril de 2023 que era candidato à reeleição, mantendo Harris como vice. Mas o mau desempenho num debate contra Trump e as pressões em relação à sua idade e capacidade, levaram-no a renunciar à candidatura a 21 de julho deste ano. O presidente apoiou a candidatura da sua número dois, que conseguiu galvanizar os democratas e ganhar o apoio dos delegados que iam votar em Biden. .Após uma campanha dura de ambos os lados, não há tempo para descansar enquanto não tiver sido anunciado oficialmente um vencedor. Nos próximos dias se saberá quem será o próximo inquilino da Casa Branca..susana.f.salvador@dn.pt