200 mil mortos e feridos depois, Rússia recua na "operação especial"
Políticos e comentadores russos elogiam desta vez o "reagrupamento", ou seja, a saída da margem ocidental de Kherson. Kiev mantém desconfiança sobre os planos de Moscovo.
A estimativa é do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos: segundo Mark Milley, a Rússia já perdeu cerca de cem mil homens, entre mortos e feridos. "A mesma coisa provavelmente no lado ucraniano", afirmou o general sobre as baixas de ambos os lados ao fim de mais de oito meses da invasão da Ucrânia pela Rússia.
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No terreno, a retirada anunciada na véspera da margem ocidental do Dniepre, na região de Kherson, foi acompanhada por um avanço de quilómetros das linhas ucranianas, que retomaram mais de 40 localidades. A leste, os russos continuam a apostar tudo na captura de Bakhmut, enquanto em Moscovo a decisão da retirada foi elogiada por políticos e comentadores, alguns dos quais não haviam poupado a perda de Kharkiv.
Enquanto as Forças Armadas ucranianas apontam para a perda de 79500 soldados inimigos, a estimativa dos Estados Unidos é superior a cem mil. Só que, tal como Moscovo oculta os seus mortos e feridos - menos de 6000, dizia em setembro -, também Kiev não os divulga. Da última vez, em agosto, o comandante das Forças Armadas Valeriy Zaluzhniy reconheceu a morte de "9000 heróis", ao que agora Washington multiplica esse número por 11.
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Os números das baixas, a que se juntam 40 mil civis mortos, também segundo os EUA, ajudam a compreender a dimensão da guerra num momento em que a Rússia não consegue disfarçar as suas fragilidades e se vê forçada a abandonar a cidade de Kherson e toda a área da região com o mesmo nome na margem ocidental do Dniepre.
Russos ironizam com o sistema de Putin. Se elogiam a retirada, estão a favor da fragmentação do país; se se opõem, estão a desacreditar o exército.
Tendo em conta que em setembro Vladimir Putin tinha declarado a cidade e a região como russas, numa anexação sem reconhecimento internacional na sequência de falsos referendos, não há como não ver um revés para o regime russo. Prova do incómodo - para dizer o mínimo - de Moscovo, um meme partilhado pelos russos resume a situação. A pergunta "Apoia a retirada de Kherson?" é acompanhada de duas setas. Se o cidadão pensar que sim está a ir contra o artigo 280.1 do Código Penal, que pune com prisão qualquer apelo público à fragmentação do território russo. Se achar que não está a violar o artigo 280.3, por desacreditar o exército, conta o correspondente do El País na capital russa.
O apresentador de TV Andrei Norkin aproveitou também este exemplo da legislação russa para expor como os cidadãos perderam as suas liberdades e garantias básicas. "Não quero ir para a prisão", disse em jeito de conclusão pela ausência da sua opinião.
Ainda assim, outros não tiveram medo e referiram-se de forma elogiosa à retirada russa. O líder checheno Ramzan Kadirov, o chefe do grupo de mercenários Wagner Yevgueni Prigozhin ou o deputado Andrei Krasov não pouparam o comandante das forças em Kharkiv, quando há dois meses a Rússia foi surpreendida e viu as suas linhas caírem uma após outra, tendo precipitado o anúncio da mobilização militar e o uso de soldados sem treino nem equipamento adequado para tentar estancar as perdas. Agora, o tom foi outro.
"É necessário travar batalhas defensivas, reagrupar as nossas forças e esperar que as nossas forças mobilizadas estejam prontas para o combate. A Rússia cumprirá a sua missão histórica e nós libertaremos a Ucrânia do nazismo", disse Krasov, mantendo a ideia de que Moscovo não desistiu de Kherson.
As autoridades ucranianas mantêm a prudência sobre os planos russos. O conselheiro presidencial Mikhailo Podolyak disse que Moscovo quer fazer de Kherson uma "cidade da morte", ao minar "apartamentos, esgotos" e alvejar com artilharia, na margem oriental, para "transformar a cidade em ruínas".
Assistência espanhola
Resultado dos apelos ucranianos para o reforço das suas defesas, a Espanha anunciou o envio de mais dois sistemas de defesa aérea HAWK, que se somam a quatro que já entregou a Kiev. No início do mês, o governo espanhol informou que iria responder à chamada com sistemas antimísseis e de defesa aérea. "Estamos firmemente empenhados na Ucrânia porque compreendemos que está a exercer o seu legítimo direito à autodefesa", disse a ministra da Defesa Margarita Robles.
Além disso, o exército espanhol está em vias de formar militares ucranianos na desativação de explosivos e desminagem, em Toledo, enquanto outros estão a receber preparação em Almeria para trabalharem com obuses e com o sistema de defesa aérea Aspide. Madrid comprometeu-se ainda a treinar cerca de 400 soldados ucranianos de dois em dois meses.
Os sistemas Hawk irão ser reforçados com mísseis enviados pelos EUA. Segundo pormenores avançados pela administração Biden sobre o mais recente pacote de ajuda, no valor de 400 milhões de dólares, além de mísseis para os sistemas fornecidos por Madrid, Washington vai enviar quatro sistemas de defesa aérea Avenger, e mais munições para o sistema de lançador múltiplo HIMARS. Também o Reino Unido anunciou o envio de mil mísseis terra-ar para Kiev.
cesar.avo@dn.pt
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