Imobiliário pode financiar obras na ferrovia, defende especialista

"Faz mais sentido apostarmos na modernização da rede que temos do que introduzir TGV's a 350 km/h em linha nova", defende Francisco Furtado, do ITF.
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Portugal prepara-se para bater o recorde de passageiros de comboio no século XXI mesmo que a rede ferroviária nacional esteja longe do desempenho do desempenho dos principais rivais europeus. As obras na ferrovia são cruciais para que o país satisfaça a vontade dos utentes em utilizar um transporte público amigo do ambiente e que ajude a diminuir a dependência energética do estrangeiro.

O mercado imobiliário pode contribuir para os próximos investimentos ferroviários, no entender de Francisco Furtado. Este analista do ITF - Fórum Internacional dos Transportes apresenta esta quarta-feira o livro "A ferrovia em Portugal: passado, presente e futuro", da Fundação Francisco Manuel dos Santos, na estação do Rossio, em Lisboa.

"Em Portugal, já há casos de estações ferroviárias com usos comerciais. Mas isso pode ser uma fonte importante de financiamento de sector para a construção e manutenção de linhas", sustenta Francisco Furtado em entrevista ao Dinheiro Vivo. Em causa, está o aproveitamento de mais-valias com a venda de terrenos imobiliários pertencentes a empresas ferroviárias para financias as obras, como aconteceu em França.

O especialista do ITF vai mais longe e sugere que possa ser "criado um fundo com componente de investimento público e de receitas de imobiliário" para financiar futuras intervenções no caminho de ferro. Há ainda outras formas de contribuir para estas obras: "através da emissão de obrigações verdes ou então aplicando um imposto sobre as empresas para financiar os transportes públicos".

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Francisco Furtado, especialista do ITF - Fórum Internacional dos Transportes. (Fotografia retirado do portal da ITF)[/caption]

E que obras é que devem ser feitas? Modernização da linha do Norte, aposta nos serviços suburbanos de Lisboa e do Porto, mudanças na linha do Vouga e a conclusão dos investimentos previstos no Ferrovia 2020, no entender deste responsável do ITF.

Comecemos pela principal ligação de comboio de Portugal. "A linha do Norte é a coluna vertebral do sistema ferroviário nacional. É preciso reforçar a capacidade desta linha, aumentar as frequências e reduzir o tempo de viagem para as duas horas ente Lisboa e o Porto." Neste caso, Francisco Furtado defende que há mais troços que podem passar a ter quatro linhas, como podem ser construídas variantes, "tal como acontece na linha do Sul".

Mais a norte, a linha do Vouga também está na lista de obras prioritárias. "É um local onde vive muita gente" e onde é necessário "harmonizar a linha existente", trocando a bitola métrica (única em Portugal) pela bitola ibérica, "o que facilita muito a gestão operacional do material circulante".

Francisco Furtado destaca também a aposta nos serviços suburbanos de Lisboa e do Porto, que transporta 90% dos utilizadores dos comboios. "Este é o comboio do dia-a-dia, não é tão sexy como o TGV mas é absolutamente essencial e está muito ajustado às necessidades da ferrovia. Ajuda a estruturar o território, a reduzir as emissões poluentes e transporta, no mesmo espaço, mais gente do que a rodovia."

O livro editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos também aborda, sem tabus, como Portugal pode adaptar-se à aposta na alta velocidade. A proposta de Francisco Furtado está mais próxima do modelo alemão do que do modelo adotado em Espanha, que já teve a maior rede de comboios TGV do mundo.

"Faz mais sentido apostar na modernização da rede que temos do que entrar pela lógica de introduzir TGV's a 350 km/h em linha completamente nova, como se fez em Espanha. Portugal deve inspirar-se mais do que foi feito na Alemanha e na Suíça do que se fez em Espanha ou França. Na linha do Norte, devemos ter uma velocidade de trajeto 250 km/h para ligar Lisboa ao Porto em duas horas."

Embora a opção por linhas novas, a 300 ou 350 km/h de velocidade máxima, "não fosse totalmente descabida", isso poderia gerir mais problemas do que vantagens para os utentes: "seria muito mais caro na construção, implica bilhetes bastante elevados e que não se ajustam à realidade de Portugal, e haveria o risco de criar-se uma rede de primeira, para alta velocidade e as grandes linhas, e uma rede de segunda, para outros serviços e que pode ficar votada ao abandono".

O atual ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, defende que a CP deve voltar a ser a grande empresa de comboios em Portugal, reunindo a operação de comboios de passageiros e de mercadorias com a manutenção de material circulante e a gestão da infraestrutura ferroviária. Francisco Furtado defende que o país pode seguir um caminho diferente.

"A ferrovia é um sistema. É preciso haver uma entidade neste país que supervisione a infraestrutura, as linhas e as suas características, o material circulante, o modelo operacional e as diferentes necessidades de serviço e que, sem substituir as empresas atuais, deve ter uma visão estratégica do desenvolvimento da ferrovia e que faça a sua monitorização. Pode ser uma agência, um gabinete do ministério ou mesmo o regulador."

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