Guerra das tarifas baixas esmaga rentabilidade na aviação europeia
Uma viagem de avião, de ida e volta, entre Milão e Paris, custava em média 400€ há 25 anos. Este ano, a mesma viagem custa apenas 25€ mas as companhias aéreas estão a pagar taxas de aeroporto que aumentaram, em média, 80% na última década. Com uma centena de companhias aéreas a competir pelos passageiros e rotas mais procuradas, a rentabilidade desceu a pique e os céus europeus encheram-se de turbulência, afetando, mais recentemente, a Alitalia, a Monarch Airlines e até a Ryanair.
Os dados são da Comissão Europeia e refletem o resultado da liberalização do mercado interno da aviação da União Europeia, na década de 1990. De lá para cá, o número de rotas dentro da UE aumentou oito vezes e o número de passageiros triplicou, criando um ambiente apetecível ao investimento. As receitas da aviação europeia não pararam de crescer, segundo a International Air Transport Association (IATA), porém os lucros serão mais baixos, este ano, do que há um ano: apenas cerca de 6,27 mil milhões de euros, menos mil milhões do que os 7,28 mil milhões de 2016.
"Se UE tivesse mantido as taxas de aeroporto estáveis entre 2006-16, ter-se-iam mantido ou criado 237.800 empregos e contribuído com 50.168 mil milhões de euros para o PIB europeu", alega o diretor de comunicação da Airlines for Europe (A4E), uma associação constituída no ano passado com o objetivo de lutar contra a falta de transparência nas taxas de aeroporto e os pesados impostos da aviação nalguns países. Há dias, o grupo de lobby da A4E, que integra representantes dos cinco maiores grupos europeus de transporte aéreo, apresentou à Comissão Europeia uma proposta para abolir radicalmente os impostos e criar uma "entidade reguladora que impeça os governos ou as empresas concessionárias de aeroportos de subirem preços indiscriminadamente porque querem ganhar dinheiro quando a procura está a subir".
Em Espanha, entre 2005 e 2014, as taxas de aeroporto subiram 255%. "Em Portugal, o problema não é tão evidente. Mas há um número de aeroportos europeus de maior procura, entre os quais Lisboa, onde as taxas estão claramente inflacionadas", adiantou a mesma fonte.
Segundo um estudo da PwC para a A4E, se forem bem sucedidos, até 2030 o PIB europeu crescerá mais 25 mil milhões de euros, dos quais 12,5 mil milhões em receitas do turismo até 2020, criando 47 mil empregos até essa data e atingindo 110 mil empregos em 2030. "Os governos vão recuperar 97% do que cobrariam à aviação através de impostos indiretos", resume a mesma fonte.
No mesmo dia em que o referido estudo foi apresentado à Comissão Europeia, a Airports Council International (ACI) Europe respondeu às companhias clientes dos aeroportos europeus. "Os números falam por si. Os aeroportos da Europa já subsidiam as companhias aéreas na módica quantia de 10,4 mil milhões de euros anualmente", revelou Olivier Jankovec, diretor geral da ACI Europe, rejeitando que seja responsabilidade dos aeroportos resolver os problemas de rentabilidade das companhias aéreas.
A Vinci não se pronuncia neste momento sobre taxas, mas diz estar atenta aos problemas de rentabilidade das companhias aéreas. "Portugal tem uma procura sustentada que justifica a operação a qualquer companhia. Estamos numa boa fase a nível de procura, quer a nível interno, quer externo", adiantou Francisco Pita, diretor de marketing da ANA - Aeroportos de Portugal. Despreocupado, quer quanto à quota de mercado das companhias "low cost" em Portugal, quer em relação à possibilidade de as mais relevantes - Ryanar e Easyjet - poderem cancelar operações, o responsável sublinhou que "situações como a da Monarch Airlines ou da Alitalia são movimentos normais de um mercado que se ajusta". Para a Vinci, que adquiriu há quatro anos a concessão dos aeroportos portugueses, os números têm sido os melhores: nos primeiros nove meses deste ano, o tráfego de passageiros aumentou 18,2% para mais de 40 milhões. Entre os 35 aeroportos que gere em seis países, só o Cambodja cresceu mais (22,9%), mas falamos de apenas 6,3 milhões.
As companhias aéreas "low cost" são responsáveis por cerca de metade dos passageiros transportados em Portugal, o que levou a TAP a reagir. Há um ano, lançou as tarifas Discount nos voos de médio curso e, mais recentemente, nos voos de longo curso. Um bilhete Lisboa-Londres custava, há um ano, 69,42€ e agora custa 39€ (-44%). A diferença é que o bilhete deixou de incluir bagagem de porão, mantendo-se níveis equivalentes no serviço ao cliente, com oferta de bebidas e refeições que as "low cost" vendem caro.
Todos os extras são denominados "taxas acessórias" e chegam a representar mais de 25% das receitas de companhias como a Ryanair. A líder europeia cobra pela marcação de lugar, pela impressão do bilhete no aeroporto, pela mala de porão e pelas bebidas e refeições, além de aliciar os passageiros com raspadinhas e outros produtos a bordo. Com as companhias tradicionais a baixar tarifas, a irlandesa lançou o programa de serviço ao cliente "Always Getting Better", em 2014. Mas os cancelamentos e alterações de voos anunciados em setembro, que afetaram quase um milhão de passageiros na Europa, terão um impacto por calcular na reputação da "low cost".
De acordo com Vanessa Almeida, coutry manager em Portugal do portal de comparação de preços eDreams, "71% dos viajantes já combinou, em algum momento, diferentes companhias aéreas na mesma viagem", tirando partido de poderem "selecionar o tipo de serviço que pretendem, podendo pagar menos por serviços básicos e completar a sua viagem com serviços complementares". Isto quer dizer que as diferenças se esbatem, quer em preços, quer em serviços, podendo estar certa a estratégia adotada por companhias como a Air France-KLM.
Além de terem contado com a companhia de tarifas baixas Transavia para competir nas rotas regionais, com rentabilidade suficiente para suster as contas da casa-mãe, o grupo acaba de lançar uma companhia mais ágil e jovem para competir no médio de no longo curso, onde "low cost" como a Norwegian começam a entrar. Assim, quer a Transavia, quer a Joon, podem alimentar o hub de Paris, de onde a Air France parte para destinos como o Brasil ou Seychelles, a preços que começam em 249€ e 299€, respetivamente.