A Galp Energia concretizou este ano, em Moçambique, um dos seus maiores negócios de sempre, com a venda de 10% de um consórcio de gás natural à à Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), por 1.050 milhões de dólares (919 milhões de euros, ao câmbio atual). Mas a operação está no centro de um duelo jurídico com o governo de Maputo, que exige o pagamento de 300 milhões de dólares (266 milhões de euros) em imposto sobre as mais-valias, apurou o Diário de Notícias junto de fontes ligadas ao processo.Questionada pelo DN, fonte oficial da Galp não quis comentar. Mas de acordo com várias fontes conhecedoras do processo, en causa estão diferentes entendimentos sobre o cálculo das mais-valias da operação. Por um lado, a Galp considera que essa conta deve ser feita sem ignorar que, nos últimos anos, investiu no projeto um total de 1.020 milhões de euros, na forma de suprimentos e outros financiamentos. A Galp alega que, por esta razão, a mais-valia do negócio é de apenas 30 milhões de dólares (26 milhões de euros), reduzindo assim o imposto a pagar para um valor na ordem dos oito milhões de dólares (7 milhões de euros). Recorde-se que, no comunicado que divulgou no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em maio de 2024, a dar conta da operação, a Galp referia que esperava obter um encaixe de 650 milhões de dólares, já líquido de imposto sobre mais valias, acrescendo a este valor outros 500 milhões de dólares a receber posteriormente em duas tranches, perfazendo o referido total de 1.050 milhões. Porém, não especificava o montante a recuperar relativo a suprimentos e outros investimentos realizados no projeto.Ao que o DN apurou, face ao exposto, a petrolífera nacional garantiu ao governo de Maputo que não está disposta a negociar, argumentando que não existe um enquadramento legal, em Portugal e em Moçambique, que a possa obrigar a contabilizar como lucro os suprimentos devolvidos e outros custos que teve com o projeto de gás natural. A Galp argumenta, além disso, que as autoridades moçambicanas estiveram sempre a par dos seus planos, quer no que diz respeito ao investimento no gás natural, quer no que toca à venda da sua posição no consórcio, uma vez que a própria Empresa Nacional de Hidrocarbonetos de Moçambique também fazia parte do mesmo consórcio, que era liderado pela Exxon Mobil e pela italiana ENI.Imposto exigido à Galp corresponde a 5% da receita fiscal de Moçambique Por seu lado, o governo do presidente Daniel Chapo quer que as mais-valias sejam calculadas através da subtração, ao valor da venda, do capital social da empresa de direito moçambicano que a Galp criou para participar no consórcio que explora gás natural no país. Sendo esse capital social de apenas 239 mil dólares, Maputo encara a quase totalidade dos 1.050 milhões de dólares como lucro que deve ser taxado, chegando assim aos referidos 300 milhões de dólares em imposto sobre as mais-valias.A questão tem relevância no plano económico, mas também político e diplomático. O governo de Daniel Chapo está a contar com os 300 milhões de dólares no seu primeiro orçamento, que foi aprovado no mês passado. Com um receitas fiscais estimadas em seis mil milhões de dólares, o valor exigido à Galp corresponde a 5% do total de impostos que o Estado moçambicano espera arrecadar este ano. Numa altura em que a país tem sido palco de alguma instabilidade, devido aos protestos por parte dos apoiantes do candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, Venâncio Mondlane, a questão reverte-se de especial sensibilidade no plano político, uma vez que o governo de Maputo terá uma margem mais estreita para poder vir a aceitar uma solução em que deixe de cobrar este valor à Galp.A energética portuguesa, para além do recurso a um tribunal internacional, tem ainda alguns trunfos que poderão ser utilizados. Por um lado, embora tenha vendido os seus ativos na área da exploração de gás natural, a Galp continua a ser a principal distribuidora de combustíveis em Moçambique, pelo que permanece um importante contribuinte para os cofres do país. Por outro, um eventual processo judicial colocaria Moçambique em causa aos olhos dos investidores internacionais, numa altura em que o país africano precisa de captar capital para investimentos em infraestruturas e para novos projetos de petróleo e gás natural.