Voando sobre um ninho de cucos

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1. O clima de absoluta loucura em que vivemos teve o seu apogeu na última terça-feira. Enquanto o FMI aterrava na Portela, gestores de empresas públicas afirmavam a possibilidade de brevemente não terem dinheiro para pagar salários, banqueiros alertavam para a situação insustentável dos seus cofres, os juros da nossa dívida batiam todos os recordes e a imprensa internacional avisava para o risco iminente de Portugal ir à bancarrota, os principais partidos portugueses divertiam-se a discutir a importância de o líder da oposição ter ido ou deixado de ir a uma reunião a São Bento.

José Sócrates tinha avisado no fim-de-semana, nos seus dois discursos, que o grande tema de campanha eleitoral iria ser o julgamento de quem seria o verdadeiro responsável pela queda do Governo. Ou seja, já não chegava sabermos que um partido definia como sua mensagem política principal a tentativa de culpar o outro por todos os males do mundo, como agora a coisa atingia o ridículo de saber se uma reunião, a poucas horas de o primeiro-ministro embarcar para Europa, poderia ou não viabilizar o PEC IV ou inverter a nossa alegre caminhada para o abismo.

Mais ou menos por essa altura, o desaparecido em combate, Cavaco, punha a cabeça de fora e falava dum tal de empréstimo intercalar. Os responsáveis europeus não sabem o que é isso, a sua existência não consta em nenhum documento, mas deve ser uma coisa do género: "Adiantem aí algum e depois falamos." Parece evidente que o Presidente da República ainda não se recompôs da humilhação de ter apelado à imaginação para a resolução dos nossos problemas e de ter ouvido de Olli Rehn um raspanete dos antigos.

Entretanto, de forma extraordinária, o PSD tornava-se o centro de todas as atenções.

Os sociais-democratas têm cometido erros de palmatória na condução do processo político? Sim, muitos. O PSD tarda em apresentar o seu programa? Sem dúvida. O PSD tem uma mensagem política clara? Não, ainda não tem. O PSD deixou-se enredar nesta patética novela dos telefonemas e das culpas? Deixou.

Mas será que esta série de erros se pode comparar àqueles que o Governo e o Partido Socialista foram cometendo ao longo destes anos, e que contribuíram decisivamente para chegarmos ao ponto em que estamos? Será que o PSD tem de ser penalizado pelos défices mal calculados, pelas reformas prometidas e nunca realizadas, pelos seiscentos mil desempregados, pelo endividamento astronómico? Claro que não.

É bem provável, porém, que a culpa de se andar a falar demasiado das falhas do PSD seja própria. O PSD tem mostrado debilidades inesperadas, para quem teve todo o tempo do mundo para se preparar. É, no mínimo, estranho que a um mês e meio das eleições exista sequer a possibilidade remota de os sociais-democratas não ganharem as eleições, estando o País no estado que todos conhecemos.

Temos, assim, os socialistas sem qualquer outra ideia para o País que não seja a de dizer que tudo estaria a correr às mil maravilhas se o PSD tivesse assinado o PEC IV na tal reunião transformada em assunto fundamental, os sociais-democratas entretidos a metralhar os pés sem que saibamos claramente o que defendem para o País, e um Presidente apostado em provar a sua inutilidade. Mas, pior que isto, é a sensação de andarem perdidos em guerras de alecrim e manjerona, enquanto os portugueses olham estarrecidos para este triste espectáculo.

Não há outra forma de o dizer: os nossos mais altos responsáveis políticos não parecem estar bem cientes da crise que atravessamos. Ainda não perceberam a necessidade de entendimentos, de que precisamos de propostas claras, de que a flexibilidade negocial e a abertura às propostas alheias é vital.

Tive um pesadelo. Nele apareciam todos os nossos principais políticos a repetir a pergunta de José Sócrates no congresso do PS. "Estão connosco?" A resposta era um retumbante "não". Nessa altura, quem estava em causa não era Passos, Sócrates ou Cavaco, era a própria democracia.

2. Quando um candidato a deputado diz não conhecer o programa do partido pelo qual concorre e afirma não estar disposto a exercer o cargo para que foi eleito pelos cidadãos se não lhe derem um determinado cargo, fica tudo dito sobre a personagem. Nobre faz agora exactamente o que até há pouco tempo criticava nos políticos. Bem pregava Frei Tomás...

A escolha de Fernando Nobre foi mais que um erro, foi a compra duma enorme cruz, que o PSD agora vai ter de carregar. E o pior de tudo é perceber que a escolha dos cabeças de lista teria sido excelente não fosse este terrível equívoco.

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