Camões
Poucos autores como Luís de Camões têm resistido tanto ao desgaste do tempo. A prova está à vista, na própria linguagem quotidiana dos portugueses. Abre-se um jornal, escuta-se um noticiário radiofónico e lá surge uma expressão camoniana, com a marca inconfundível do seu autor.
Quando dizemos "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" ou "amor é fogo que arde sem se ver", estamos (mesmo sem saber) a prestar homenagem ao mais célebre dos nossos poetas, falecido a 10 de Junho de 1580 - data que se tornou Dia Nacional . Trata-se, em qualquer dos casos, de primeiros versos de sonetos de Camões que resistiram incólumes à erosão do tempo e à sucessão de modas. Como observou Jacinto do Prado Coelho, "Camões foi um intérprete incomparável da portugalidade".
actual. Mas é sobretudo através da sua épica que Camões continua ainda hoje a enriquecer o património linguístico português, com uma surpreendente actualidade. Mesmo quem nunca leu Os Lusíadas faz constantes citações do nosso mais célebre poema épico.
Começa logo nos primeiros versos, que figuram entre os mais emblemáticos de toda a poesia portuguesa "As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia lusitana, / Por mares nunca dantes navegados, / Passaram ainda além da Taprobana". Inúmeras frases que usamos diariamente aludem às "armas e barões assinalados" ou à "ocidental praia lusitana", que se tornou sinónimo de Portugal.
Outros versos d'Os Lusíadas transpostos para a linguagem corrente "Daqueles reis que foram dilatando / A Fé, o Império (...)"; "E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando: / - Cantando espalharei por toda a parte, / Se a tanto me ajudar o engenho e arte." (Canto I, 2).
Expressões como "o peito ilustre lusitano" (I, 3), "maravilha fatal da nossa idade" (I, 6), "novos mundos ao mundo irão mostrando" (II, 45), "onde a terra se acaba e o mar começa" (III, 20), "ínclita geração" (IV, 50) ou "saber só de experiências feito" (IV, 94) saíram da pena de Camões.
As páginas de Os Lusíadas estão cheias de coloquialismos que chegaram aos nossos dias, como "a tempo e horas" (I, 78), "tal pai tal filho" (III, 28), "mudo e quedo (V, 56) ou "cantando e rindo" (X, 118).
Gabriela, Cravo e Canela, o romance de Jorge Amado que deu origem à telenovela brasileira que os portugueses tanto aplaudiram, tem ressonâncias camonianas. Escreveu Camões "E se buscando vás mercadoria, / Que produz o aurífero Levante, / Canela, cravo, ardente especiaria (...)" (II, 4)
Saltaram também do contexto específico d'Os Lusíadas, generalizando-se entre nós, estes versos de Camões "Cesse tudo o que a Musa antiga canta, / Que outro valor mais alto se alevanta" (I, 3); "Esta é a ditosa pátria minha amada" (III, 21); "Se mais mundos houvera, lá chegara" (VII, 14) ou "Numa mão sempre a espada e noutra a pena." (VII, 79) E quem não conhece esta célebre interpelação do poeta ao rei D. Sebastião? "E julgareis qual é mais excelente, / Se ser do mundo rei, se de tal gente." (I, 10)
Nas páginas d'Os Lusíadas, Camões criou ou recriou personagens que viriam a ser retomadas por outros autores. Personagens inspiradas na tradição histórica, como Inês de Castro, essa "que depois de ser morta foi rainha" (III, 118). Ou de pura ficção, como o Adamastor ou o Velho do Restelo. A este último, o poeta atribui um monólogo que começa assim "- Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a que chamamos fama!" (IV, 95). Monólogo tantas vezes glosado, por boas ou más razões, neste país cheio de velhos do Restelo...
aforismos. Os dez cantos d'Os Lusíadas fornecem-nos ainda um fabuloso conjunto de aforismos. Alguns exemplos "É fraqueza entre ovelhas ser leão." (I, 68); "Sempre por via irá direita / Quem do oportuno tempo se aproveita." (I, 76); "Quanto mais pode a fé que a força humana." (III; 111); "Um baixo amor os fortes enfraquece" (III, 139); "Nos perigos grandes, o temor / É maior muitas vezes que o perigo." (IV, 29); "Contra o céu não valem mãos." (V, 58); "Quem não sabe a arte, não na estima." (V, 97) "Quem quis, sempre pôde." (IX, 95). Ou este ainda, talvez de todos o mais espantoso: "Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo." (IX, 83).