Viggo Mortensen

Não é prova de esforço. Em <i>A Estrada, </i>de John Hillcoat, Viggo Mortensen é imperial, como sempre. Um pai, no meio do apocalipse, que se recusa a deixar o filho. Mais uma grande interpretação do actor de <i>O Senhor dos Anéis </i>e <i>Hidalgo. </i>Conversa descomplexada com um dos trunfos mais imprevisíveis do cinema americano. O filme, esse, estreia já para a semana.
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Até que comece mesmo a conversa sobre A Estrada, Viggo tem um costume: quer saber de que clube é o jornalista que o entrevista. Este homem é obcecado por futebol e é fanático do San Lorenzo, pequeno clube argentino que nunca luta pelo título. Além de falar sobre a sua equipa, sabe tudo também sobre o futebol português. Sabe que Acosta, o seu ídolo, triunfou e falhou no Sporting, e está encantado por ter na sua equipa Romagnoli, um dos dispensados do Sporting de Paulo Bento. Com algum esforço e depois de nos ter impingido um autocolante do San Lorenzo, começa finalmente a falar de A Estrada, de John Hillcoat, uma adaptação do romance homónimo de Cormac McCarthy, o mesmo autor de Este País não É para Velhos (romance que possibilitou aos irmãos Coen o filme com o mesmo nome). E começa por dizer que estava muito cansado naquelas filmagens duras, sobretudo porque mal tinha acabado a rodagem do western Appalooza, de Ed Harris.

O fim da humanidade
«O cansaço foi benéfico. O que me desgastava um pouco era a forma como tinha de falar com o meu colega Kodi Smit-McPhee, a criança do filme. Lembro-me de que ele dizia “pára de te queixar!” Mas digamos que estava no estado ideal para compor esta personagem. O que queria era encontrar alguém que fosse credível como meu filho e estivesse comigo em todas as cenas. Isso era o mais importante. Quando li o romance, fiquei com o coração partido com a personagem do filho. Eu e o realizador, John Hillcoat, sempre tivemos fé que íamos encontrar alguém especial. Mal encontrámos o Kodi senti que tinha um grande parceiro e fiquei menos fatigado, mesmo quando ele me dava tareias o tempo todo…» Essa boa disposição não tem nada que ver com o tom cinzento e pesado do filme, uma odisseia sobre um pai e um filho que vão estrada fora num mundo destruído depois de um apocalipse que se julga nuclear. Uma viagem por uma terra do nada, repleta de ódio, violência e miséria. Tudo o que eles têm é um instinto de sobrevivência e um elo pai/filho inabalável. O filme, além da presença constante de Viggo e Kodi, é assombrado em breves cenas pelas presenças de Robert Duvall, um velho sobrevivente que encontram na estrada, e Charlize Theron, a mulher e mãe, documentada através de breves flashbacks. Mas é do prodígio de 13 anos, Kodi, que Viggo quer falar: «A sério, fiquei muito feliz por ter encontrado um verdadeiro parceiro, disponível para brincar mas também pronto para ser profissional quando era preciso.»
Curiosamente, A Estrada está a chegar a Portugal numa altura em que estreiam os chamados filmes com «qualidade para prémios», ou seja, os supostos favoritos para os Óscares. Ora, à partida, era tido como certo que pelo menos Viggo Mortensen estivesse na rampa dos favoritos. Por acaso não está, apesar de um magnífico trabalho de contenção. E há um ano, quando a sua estreia foi adiada, muitos pensavam que era estratégia para o filme ter mais oportunidades nos festivais de 2009 e chamar a atenção para os Golden Globes e os Óscares. Seja como for, Viggo está contente, orgulhoso mesmo: «Foi um filme muito intenso e eu já tinha feito trabalhos físicos muito exigentes noutros filmes, como O Senhor dos Anéis e Alatriste. Mas The Road foi provavelmente o meu trabalho mais desafiante, não só física como emocionalmente. De certeza que o facto de ser pai me ajudou. Aquelas situações encerram uma força dramática muito inerente… Estamos ali a contar uma história de um pai e um filho que sofrem para sobreviver ao frio e à fome. A ideia de protecção chegou-me de forma natural: o que me interessou logo neste projecto foi reflectirmos sobre o que acontece quando nos tiram tudo. Qual o sentido de estar vivo? Se calhar, quem tem a escolha mais ajuizada é a mulher. Mesmo assim, percebo por que razão aquele pai insiste em viver. Concordo com ele e discordo dela, apesar de no filme conseguir perceber a lógica dela graças ao trabalho da Charlize Theron. Essa é uma melhoria ligeira em relação ao livro. Aquela mulher está muito bem fundamentada.» Se a escrita de Cormac McCarthy nos leva até uma densidade própria do fim da humanidade, nesta versão a personagem de Viggo transporta consigo a dignificação dessa mesma humanidade: «Eu estou vivo para proteger o meu filho. Sem o miúdo, morreria, desistiria. E o que adoro é que aquela criança não tem recordações. Vive para o momento, aceita tudo, como é apanágio das crianças. No fim, recebo uma lição. A criança torna-se o professor no meio de toda aquela paranóia. E aí tenho de elogiar o Kodi, ele transforma aquela personagem num homenzinho.»

À procura de comédia
Sobre o alegado anúncio do fim de carreira, Viggo ri-se. Durante este Verão correu o rumor de que o actor americano estava a pensar abandonar o cinema, coisa que até fazia sentido: Viggo Mortensen é também um artista plástico de algum peso nos EUA. Esclarece: «Isso é uma grande mentira. Os meus primos dinamarqueses leram a notícia num jornal de Londres e contactaram-me logo para saberem se era verdade… Só me ria, tive de lhes telefonar a dizer que não planeava fazer tal coisa. A net é interessante, mas todos escrevem o que querem.» E continua: «Escreve-se cada coisa mais disparatada sobre mim! Uma vez garantiam que um grupo de jovens do liceu fora numa excursão para a frente da minha casa atirar ovos, supostamente porque eu estava com alguém que era namorada de não sei quem. Pelo que sei, nunca nenhum autocarro com liceais ficou estacionado à minha porta.» Pois, mas será que a ideia de uma reforma no início dos 50 lhe saberia bem? Não hesita na resposta: «Estou sempre a pensar nisso.» E também não hesita quando lhe perguntamos se um dia quer tentar a comédia: «Estou precisamente à procura de uma boa comédia.» Porque não? Viggo não tem de ser apenas um actor «intenso» em filmes duros e negros. «Quando era criança imaginava que poderia fazer tudo!», diz, baixinho. Nós ouvimos.

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