Emmanuelle Béart

Emmanuelle Béart está para além do cinema. Ela é um dos mais unificantes símbolos de beleza em França, um ícone de moda que quando apareceu nua na capa da <i>Elle </i>aos 40 anos fez a revista bater recordes de venda. O que tem ela de especial? Um olhar de perdição selvagem, provavelmente. Esse mesmo olhar que merece ser conferido em três filmes editados recentemente em DVD: <i>Disco, </i>de Fabien Onteniente, <i>As Minhas Estrelas e Eu, </i>de Laetitia Colombani, e <i>Vinyan – Espíritos da Selva, </i>de Fabrice du Welz. E foi a propósito deste último que a beldade de Saint-Tropez abriu a alma à nm.
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O que é o corpo de Béart na selva tailandesa de Vinyan – Espíritos da Selva? Será uma instalação de uma estrela de cinema em périplo selvagem? Será um espírito com charme carnudo? A actriz francesa neste filme é tudo e mais alguma coisa, mas é na essência aquilo que os franceses gostam de chamar tour-de-force. E ir até aos extremos significa um olhar de possessão, uma sensualidade fora dos cânones e tudo o que não se esperava que ela fizesse para compor uma mãe que não é coragem, que é toda angústia. Uma mãe que perdeu o filho no tsunami e que julga que ele está algures no coração da selva. E a selva é precisamente um dos locais mais perigosos do mundo, algures entre a Birmânia e a Tailândia. Território de convocação de todos os medos. De todas as neblinas. Quando pensamos que estamos a ver um filme sobre maternidade feroz, Fabrice du Welz, o realizador, atira-nos um formato de filme de terror. O espectador mais sereno poderá encontrar apenas um conto de fantasmas. Mas Vinyan é sobre espíritos da selva má. É terror com almas perdidas. Tem a sugestiva agravante de não ser filmado em estúdio. A diva e a equipa de filmagens foram mesmo para a selva nebulosa. Levaram com insectos e absorveram a atmosfera febril. Béart, obviamente, transformou-se. Em vez de mãe-coragem, ficou corpo-coragem. E sobreviveu. Um ano depois da aventura, está sentada numa praia do Lido, em Veneza, e atiça a imprensa internacional com sorrisos. «Ficámos todos loucos naquela selva, mas não tanto como o Fabrice du Welz – ele era imparável. Por isso, adoro-o. Quis fazer o que ele me pedia. Era importante para que Fabrice conseguisse uma obra muito malcriada, muito transgressiva e chocante», conta, ao mesmo tempo que remove os seus óculos escuros que deixam a descoberto os olhos verdes. Verdes como a selva infernal desta tragédia verde. E seja numa esplanada em Veneza, seja cheia de lama numa selva com nevoeiro, Béart impõe a sua presença. Como alguém já disse, Béart é sempre Béart. E ainda há pouco confirmámos isso quando o seu carisma deu nas vistas na comediazinha As Minhas Estrelas e Eu, onde contracenava com Deneuve. Mas aqui não é bem a Béart dos filmes de Rivette, é uma actriz muito mais gutural. «Aquela mãe é alguém que já perdeu tudo. Ao entrar naquele pesadelo na selva ela desenvolve o seu lado animal. E esse é o único lado que lhe permite sobreviver», é assim que descreve a personagem que interpreta.
Chamemos-lhe então mãe-animal. E a pergunta fica no ar: uma actriz também descobre a sua animalidade durante uma rodagem exigente e longa como esta? «O que posso dizer é que estava a querer escapar de tudo. Não sei se mudei enquanto actriz ou mulher depois desta experiência. Agora talvez exista uma nova Emmanuelle, mas depende dos dias. O filme podia ter feito que ficasse frágil, mas não aconteceu isso. Não tenho encontrado realizadores que transgridam tão bem como Fabrice!» Quando lhe lembramos que fez A Bela Impertinente, dirigida por Rivette, exalta-se um nadinha: «Sim, mas Jacques Rivette é único! A Bela Impertinente é talvez o meu único filme que fica. Rivette é incrível, mas também gosto de François Ozon, que em vez de ser transgressivo é perverso.» Ozon, que a dirigiu com provocação estonteante nesse tão amado 8 Mulheres, em que a sua aura de diva chocava – e bem – com outras divas como Isabelle Huppert e… Deneuve.
Já com os óculos de marca no rosto começa a falar de truques de actores. E diz algumas coisas interessantes: «Um actor tem muitas bagagens e o que é interessante nisso é que nessas malas dá para pôr muita coisa. Pensamos sempre que podemos ser muita coisa. Depois, chegamos às filmagens e sentimos que estamos numa terra estrangeira com a tal bagagem, onde arrumámos tudo menos aquilo de que afinal precisávamos. Sinto que aqui perdi a bagagem. Literalmente, para Vinyan levei as minhas próprias almofadas. Não suporto almofadas que não sejam minhas. Nunca encontro as almofadas de que gosto, nunca!» Tem ainda tempo para mais uma confissão: «Não sou daquelas actrizes que se baseiam em outras interpretações. Francamente, nunca fui de me tentar modelar por algum actor ou actriz. Nunca fui de fantasias com actores. Fascina-me muito mais olhar para mim todos os dias. Para mim e para as ruas e ver as pessoas. É preciso ter em conta que cresci sem ver cinema, nem tinha televisão. Não sabia quem eram as estrelas. Cresci somente com a natureza ao meu lado.» Por fim, pede um desejo: «Nunca quero ficar presa a um género. Sim, o meu filme anterior, Disco, é ligeiro. Adoro a minha profissão.»
Se olharmos para trás, percebemos que Béart, no seu metro e sessenta e três, não é rosto de ficar aprisionado, nem mesmo quando foi filmada por Brian de Palma em Missão: Impossível ou quando foi musa pastoral em Manon das Nascentes, do falecido Claude Berri. Pelo meio, houve também uma pujança gélida em A Bela Impertinente, de Rivette, e qualquer coisa de inatingível sob a câmara de Claude Chabrol, em O Inferno. Os portugueses têm ainda o azar de nunca a terem visto no muito magoado Les Temoins, de André Téchiné, o cineasta que talvez tenha captado melhor o seu charme agreste em Não Dou Beijos. São, pois, marcas de uma grande actriz, uma mulher que apenas errou ao querer fazer uma plástica que não a favoreceu. Agora, foi à selva e sujou-se. Sem problemas…

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