Começou na televisão mas depressa se descobriu actriz. Catarina Furtado é a protagonista de Transacções, a peça que está neste momento em cena no Teatro Maria Matos, em Lisboa..Poucos sabem que se estreou como actriz com Manoel de Oliveira em Non ou a Vã Glória de Mandar. Como foi isso?.Um dos produtores do filme, que me conhecia do Conservatório, convidou a fazer o casting para ser uma das ninfas da Ilha dos Amores. E de facto tenho ali um frame que é meu, onde estou a dar uvas ao Vasco da Gama e tenho uma fala e tudo..Nessa altura, ainda sonhava ser bailarina, não ficou fascinada com o cinema?.Tinha a certeza de que queria fazer dança, como bailarina ou coreógrafa. A dança é de uma exigência enorme, acho até que está muito perto da escravatura. Os bocadinhos de prazer são poucos comparados com os sacrifícios que se têm de fazer, mas, provavelmente, compensam. O que aconteceu é que a certa altura percebi que não iria ficar completamente realizada só a dançar e comecei a desviar-me....Depois da dança ainda experimentou o jornalismo e a televisão e só depois o teatro. Quando é que percebeu finalmente que o que queria mesmo era ser actriz?.Orgulho-me imenso de tudo o que fiz na televisão, não há nenhum projecto de que me envergonhe. Mas houve um momento em que senti que não conseguia fazer só televisão. E juntaram-se duas necessidades: a de representar e a de sair daqui. Foi então que fui estudar representação para Londres. Hoje, tenho a certeza absoluta de que quero continuar a representar. Não tenho a certeza de que queira deixar de fazer televisão para só representar. Mas a representação é uma necessidade e o teatro é uma terapia.Uma terapia como?.É como uma entrada num mosteiro, um retiro a todos os níveis - quer de exposição quer de descoberta. É onde me conheço melhor, ponho-me em causa, permito-me errar. Descubro limitações e qualidades. A disponibilidade tem de ser total, tenho de ficar uma espécie de barro a ser moldado nas mãos do encenador. É um exercício extraordinário de humildade e de partilha. Já não sente esse desafio na televisão?.Faço televisão há 15 anos, já tenho muita experiência. Há nervos e há um enorme sentido de responsabilidade, um alerta autocrítico permanente. Mas há também uma grande confiança na medida em que se acontecer alguma coisa tenho a capacidade de improviso. Por mais que tenha uma equipa enorme por trás, o domínio é meu. No fim sou eu que estou ali. Sou a dona da minha lojeca. No teatro, não..Olhando para trás, para os seus primeiros trabalhos como actriz, sente que tem evoluído?.Claro, e penso que, se tivesse tido oportunidade de ter feito mais peças, essa evolução teria sido maior. Quando falo de oportunidade, falo da minha vida pessoal, porque teatro e bebés são incompatíveis. Nesta peça trabalha com o seu marido. Não pensou que fosse um risco para vocês?.Para o casamento? Os nossos amigos ficaram em pânico a achar que nos íamos divorciar. O que posso dizer é que a nossa relação saiu reforçada. Temos turras, evidentemente, porque temos ambos personalidades fortes. Mas é bom haver hierarquia: ele é o encenador. Mais uma vez, é um exercício de humildade..Ele diz que exigia mais de si do que dos outros actores....Tinha de o fazer, não só porque está casado comigo mas porque sou a protagonista. Eu tenho uma dupla dificuldade em relação aos meus colegas: eles têm de construir uma personagem mas eu, no mesmo tempo de ensaios, não só tenho de construir uma personagem nova como tenho de destruir a minha própria imagem. Acha que já pode dizer que é uma actriz? Ou já dizia antes?.Eu sou humilde e tenho consciência de que para se ser actor é preciso trabalho, fazer filmes e peças. Tenho vindo a fazer algumas e acho que sou actriz, mas não me preocupo muito em saber se já o posso dizer ou não. Quando comecei, tinha essa ansiedade, queria provar que conseguia. Agora já não. Se eu tivesse começado a carreira como actriz e depois decidisse abraçar a apresentação, ninguém me iria perguntar se eu já me sinto actriz. Ninguém ia pôr isso em causa..Sente que há muitos preconceitos?.Imensos.Sobretudo entre os artistas?.Sim, mas cada vez menos. E eu também estou mais despreocupada..Com as críticas?.Já me habituei. É bom se disserem bem mas não é dramático se disserem mal. Não é mesmo. E nem me tira a minha convicção de que irei representar para o resto da vida.