Estrela rock e actor político, Bono Vox, vocalista da banda irlandesa U2, é uma personalidade que tanto critica a vacuidade do estrelato como se mostra fascinado por ele.
Quando o rock chegava ao final da adolescência, em finais de 60, pensava-se possível que uma banda mudasse o mundo. Esse sentimento prevalecia principalmente nos Estados Unidos, onde a Guerra do Vietname congregava a nação baby-boomer para a contestação nas ruas.
Essa mesma que viveu o nascimento da cultura pop despoletada pelo rock'n'roll, via como força motriz da mudança a música que tão bem demarcava a separação entre o nós e o eles - os filhos, os primeiros de uma nova ordem, e os pais, a última geração da antiga. Uma década depois, foi a vez do punk surgir como actor político, espinha encravada num sistema de contornos indefinidos onde o "nós" e o "eles" foi substituído, à boa maneira nihilista, pelo eu contra o mundo.
A existência do rock e dos seus personagens como poder interventivo sempre se cumpriu como contra-poder, uma voz que ecoava pelos corredores do edifício pop, distante dos salões onde o poder político de facto exercia a sua actividade - "dormir com o inimigo" era, definitivamente, carta fora do baralho.
O homem a que a Time Magazine deu capa, a 23 de Fevereiro de 2002, com o título "Pode Bono salvar o mundo?", podia representar, depois de Bob Geldof e do Live Aid, um outro sinal da diluição de tais fronteiras. Porém, não é apenas disso que se trata. Vocalista dos U2, banda que, quase três décadas depois da sua formação, se mantém como uma das mais lucrativas e populares da actualidade, já ultrapassou o patamar pop para o do mediatismo voraz do presente - esse que ergue um altar ao estatuto de celebridade, por si só, sem necessidade de qualquer legimitação para além da presença assídua em fotos de revista ou em programas televisivos.
Tal como Mick Jagger ou Sting, dos quais Bono se distingue pela aura do que em bom português chamaríamos "um gajo porreiro", aquilo que é "oficialmente" - o cantor de um grupo rock - importa menos que a imagem que dele se cristalizou e, a partir de então, se projecta. De certa forma, o homem que aperta a mão a George W. Bush ou Durão Barroso, antes de os tentar cativar para o perdão da dívida externa dos países africanos, ocupa um "não lugar".
Na posição de diplomata da boa vontade, não é propriamente uma estrela rock, nessa posição, o facto de o ser de facto, vicia inevitavelmente a sua acção e a forma como esta é apreciada. No fundo, essa é contradição que atravessa toda a carreira de alguém em quem o desejo de ser ícone e actor social se fundiu com a paixão adolescente pela música pop.
Quando frequentava a escola secundária, era nos palcos onde se encenavam peças teatrais que se destacava - é provavelmente aí que encontramos a génese da dramatização que é indissociável da sua postura enquanto vocalista. Quando alguns anos depois se junta ao que seriam os U2, os fracos dotes vocais não são impeditivo para que, pela sua presença e carisma, seja escolhido para front man do grupo.
Nele, convivem a crítica do estrelato - é habitual ouvi-lo falar do ridículo estatuto de uma estrela pop - e o fascínio que por ele sente e é incapaz de reprimir - não era a Zoo TV Tour que se seguiu à edição de Achtung Baby, com as suas mensagens agit-prop e o seu MacPhisto, uma elaboradíssima encenação desse conflito?
Nascido para o olhar público numa banda formada na e influenciada pela ressaca do punk, mas que desde muito cedo professou um activismo de face cristã que, geneticamente, lhe está nos antípodas, Bono cresceu com uns U2 em que rebeldia e conservadorismo que se cruzam até à indefinição (esse é, aliás, parte do segredo do sucesso dos autores de Boy).
No período em que se criaram como a banda de sucesso global que são actualmente - excluímos do processo os três últimos álbuns, obras em piloto automático de um grupo bem instalado no panteão do mediatismo pop -, tanto foram apelativos para os progressistas do pós-punk como para o público que não olha além das tabelas de vendas.
Em estádios cheios, durante os anos 80, Bono empunhou uma bandeira branca ao som de Sunday Bloody Sunday e foi activista rock'n'roll cuja imagem tanto serviu o despertar político de uns quantos milhares de fãs quanto foto para exibir em T-shirt de yuppie alheado desse tipo de questões. Nos cínicos anos 90, as suas mensagens deixaram de ser explícitas e os palcos passaram a espaço para encenação de sátiras que a maioria já não lia para além do aparato visual - a par dos Rolling Stones e dos Pink Floyd, os U2 tornaram-se então uma banda que todos tinham que ver porque, enfim, eram os U2.
Com a aproximação do século XXI e as incertezas e polarização política que com ele chegaram, Bono assume-se definitivamente como actor político.
Provavelmente a única estrela pop elogiada por Jesse Helms, da extrema direita do Partido Republicano americano - "podemos ver a auréola sobre a sua cabeça", declarou o senador ao Observer -, e das poucas que têm as suas canções transformadas em livro de sermões religiosos - Get Up Off Your Knees: Preaching the U2 Catalog; Raewynne J. Whiteley; Cowley Publications, 2003 -, é esse mesmo Bono que recebe apoio e elogios de Kofi Annan ou de elementos dos movimentos anti-globalização.
Sobre ele dissertava o Times no artigo anteriormente citado: "Há menos de um mês, no encontro anual do Fórum Económico Mundial, sentou-se com Bill Gates e discutiram formas de salvar um continente; dois dias depois cantou para uma audiência de 130 milhões no espectáculo de intervalo do Super Bowl.
Poderemos culpá-lo de estar um pouco cheio de si mesmo?" Como músico ou activista, como filantropo ou estrela mediática, como actor ou político?, questionamos imediatamente a seguir - e percebemos que é algures na impossibilidade de resposta que descobrimos Bono.