Internacional
O colapso das Torres Gémeas do World Trade Center, naquela manhã cheia de sol de 11 de Setembro de 2001, ficou na memória do mundo como o início de uma nova era. Atingidos no seu coração, os Estados Unidos prometeram vingar as perto de três mil vítimas da Al-Qaeda, a organização islamita de Usama bin Laden. Mas se os terroristas não voltaram a atacar em solo americano, deixaram a sua marca na Europa. A começar por Madrid, onde a 11 de Março de 2004 várias explosões nos comboios da capital espanhola mataram 191 pessoas. Um ano depois era Londres o alvo, com explosões no metro e num autocarro a fazerem 52 mortos. O medo dos homens-bomba espalhava-se pelo mundo e com ele a ideia feita de que o islão era sinónimo de terrorismo, apesar de a maioria dos muçulmanos tentar mostrar que os seguidores de Bin Laden têm uma visão deformada da sua religião. Mas esta voltaria a estar no centro da polémica em 2005, quando um jornal dinamarquês publicou uma série de cartoons de Maomé. Num deles, o profeta do islão, cuja imagem não pode ser reproduzida, surgia mesmo com uma bomba no lugar do turbante. As reacções não se fizeram esperar no mundo muçulmano e os cartoonistas foram alvo de ameaças de morte. Perante o choque que se seguiu ao 11 de Setembro, todos se solidarizaram com a América, inclusive a velha inimiga Rússia, com Moscovo a comparar a sua luta contra os separatistas chechenos à guerra ao terrorismo de Washington. A tensão no Cáucaso continuava palpável e em 2008 rebentou a guerra com a Geórgia devido à Ossétia do Sul, uma região separatista daquele país que prefere ser fiel a Moscovo do que a Tiblissi. Os ossetas, como os georgianos, são cristãos num Cáucaso pejado de povos muçulmanos, mas nem isso os impede de serem inimigos. Para a Rússia, a mistura do nacionalismo checheno com o extremismo islâmico importado é o mais preocupante, sobretudo tem resultado em episódicos actos de terror, quase sempre espectaculares no mau sentido, como o sequestro em 2004 de uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte (parte da Federação russa), que fez trezentos mortos.
América odiada, América amada
A 13 de Setembro de 2001, o Le Monde escrevia em editorial «Nous sommes tous américains» («somos todos americanos»), uma expressão inequívoca de solidariedade com os Estados Unidos, que acabavam de ser vítimas do pior atentados terrorista em solo nacional. Mas se este apoio internacional se manteve durante a guerra no Afeganistão, onde os talibãs haviam dado asilo a Bin Laden, quando a América decidiu invadir o Iraque, em Março de 2003, teve de o fazer apenas com a ajuda do Reino Unido e sem mandato da ONU. Nos anos seguintes, as baixas causadas por duas guerras intermináveis e as alegações de torturas contra suspeitos de terrorismo desgastaram a imagem da América de Bush. Uma imagem que só viria a melhorar em 2008, com a eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos. Filho de um queniano e de uma americana do Kansas, parcialmente educado na Indonésia, o primeiro negro a chegar à Casa Branca imprimiu uma abertura nova à política externa americana e anunciou a retirada das tropas do Afeganistão e Iraque. Mas dois anos depois da sua vitória, o primeiro afro-americano na Casa Branca foi o grande derrotado nas eleições intercalares de 2010, vítima tanto de uma economia em crise que deixou os Estados Unidos com dez por cento de desemprego como de uma oposição republicana em que o movimento libertário Tea Party imprimiu uma viragem à direita.
Uma união sob ameaça
Pouco depois da ambiciosa entrada em circulação, em 2002, da sua moeda única, o euro, a União Europeia sofreu em 2004 a maior mudança de rosto desde a sua fundação em 1957, com a entrada de uma só vez de dez novos países. Um alargamento a Leste que se completaria três anos depois com a entrada da Roménia e da Bulgária. E se a chegada dos novos membros trouxe receios de fraqueza económica, com a crise financeira internacional que abala os mercados desde 2007, são hoje as «velhas» economias como a Grécia, a Irlanda e Portugal que já levaram alguns líderes dos 27 a pôr em causa o euro e até a própria União. Uma nova ameaça, depois de passada a crise provocada pela rejeição francesa e irlandesa do Tratado de Lisboa, e um desafio para os líderes dos países europeus, entre os quais França e Alemanha, o eixo que se destacou na última década. A nível interno, a primeira década do século XXI também foi cheia de novidades. No Reino Unido, por exemplo, 2010 viu os conservadores chegarem ao poder após 13 anos de governos trabalhistas. E em Espanha a cooperação policial com a vizinha França tem vindo a enfraquecer a ETA. No Norte do continente, a crise veio despertar sentimentos nacionalistas que se exprimiram na subida dos partidos de extrema-direita, islamofóbicos e anti-imigração. A Escandinávia não escapou a este fenómeno.
O perigo da droga e uma nota de esperança
Numa década que viu a esquerda chegar ao poder em vários países da América Latina - impulsionados pelo efeito Hugo Chávez - o Brasil emergiu como a potência regional, pela mão do ex-sindicalista e metalúrgico Lula da Silva. E se na Colômbia Juan Manuel Santos herdou de Álvaro Uribe um país onde a acção do exército conseguiu enfraquecer a ameaça colocada pela guerrilha marxista das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, mais a norte, no México, a guerra entre cartéis da droga já fez mais de trinta mil mortos desde a chegada ao poder do presidente Felipe Calderón, em 2006. O Sul do continente americano terminou a década com uma nota de esperança. Depois de 69 dias soterrados, 17 dos quais sem qualquer contacto com o exterior, 33 mineiros foram retirados sãos e salvos de uma mina chilena, numa operação de resgate acompanhada com emoção em todo o mundo.
Guerras e o primeiro mundial
Ainda devastado por conflitos, como o que já fez mais de trezentos mil mortos e três milhões de deslocados na região sudanesa do Darfur, o continente africano tem tentado mostrar ao mundo uma faceta diferente. Um dos momentos decisivos para o conseguir foi o Campeonato do Mundo de futebol que decorreu no Verão de 2010 na África do Sul. Organizar um evento desta dimensão, pela primeira vez no continente, trouxe um novo fôlego à imagem da região, que espera assim vir a atrair mais turistas, mais um impulso a uma economia que, em termos continentais, deverá crescer cinco por cento este ano. Angola, em paz desde 2002, é um dos casos de sucesso, se bem que tarda em reflectir-se na prosperidade da população os imensos dividendos do petróleo. Mas o continente continua a ser mais vezes notícia pela negativa do que pela positiva. Além do conflito interminável na República Democrática do Congo, foi o que aconteceu com a pirataria a largo da Somália, onde grupos organizados espalham o terror ao sequestrar os navios que por ali passam (mais de vinte mil por ano) e pedir um resgate para libertarem a sua carga e tripulação. Notícia também foi o Zimbabué, onde o presidente Robert Mugabe se mantém no poder, depois de Morgan Tsvangirai, candidato da oposição, se ter retirado da segunda volta das presidenciais de 2008 alegando ser alvo de violência. Pressionado pela comunidade internacional, Mugabe acabou por aceitar um governo liderado por Tsvangirai. Num país que já foi motivo de admiração, mas onde hoje a esperança de vida não passa dos 44 anos e o desemprego chega aos oitenta por cento, só a suspensão do dólar zimbabuiano, substituído em 2009 pelo dólar americano, conseguiu controlar a hiperinflação que já obrigara a introduzir notas de cem biliões.
O impasse no Médio Oriente
Iniciada na ressaca do fracasso das negociações de Camp David, a primeira década do século XXI foi de mais recuos do que avanços no processo de paz israelo-palestiniano. Em 2002, o quarteto para o Médio Oriente (EUA, UE, ONU e Rússia) estabeleceu um roteiro para a paz que a violência no terreno depressa deixou congelado. E se a retirada de Israel da Faixa de Gaza em 2005 podia dar um sinal positivo no processo, no ano seguinte o exército israelita voltava a entrar no território para travar o lançamento de rockets contra Israel por parte dos militantes islamitas. Alvo de um bloqueio israelita desde que os islamitas do Hamas assumiram o controlo do território em meados de 2007 (após a sua vitória nas eleições do ano anterior, que provocou o corte da ajuda internacional aos palestinianos), o milhão e meio de habitantes que se amontoam nos quarenta quilómetros por dez de largura da Faixa de Gaza tentam sobreviver em condições muito difíceis, com quarenta por cento da população desempregada e setenta por cento a viverem abaixo do limiar da pobreza. Em finais de 2008, Israel voltou a entrar em Gaza, tendo retirado as suas tropas em meados de 2009. E se as negociações directas entre israelitas e a Fatah, que actualmente apenas controla a Cisjordânia, retomaram em 2010, graças aos esforços dos Estados Unidos, as questões difíceis como o estatuto de Jerusalém continuam a dificultar uma solução pacífica para um conflito com mais de seis décadas.
G8, G20, G2 e a ascensão da China
Da era da extinta Guerra Fria vem o velho G7, que unia os sete países mais industrializados. Mas com a entrada da Rússia pós-soviética, passou a chamar-se G8 e a ocupar-se tanto de assuntos económicos como da geopolítica. O mundo, porém, não aceita por muito tempo hierarquias fixas, e a emergência de economias como a China, a Índia e o Brasil obrigou os poderosos do mundo a organizar um fórum de debate mais alargado e assim nasceu o G20. Criou expectativas a mais e ainda em Novembro, na Coreia do Sul, os líderes das vinte economias mais importantes mostraram-se incapazes de chegar a acordo para encontrar um remédio global para uma crise que teima em afectar sobretudo as velhas potências. A melhor aposta será aguardar pela oficialização de um G2 composto pela superpotência actual, os Estados Unidos, e a do futuro, a China. A primeira vale vinte cinco por cento do PIB mundial, a segunda nove por cento, mas com o ritmo a que cresce, tardará duas décadas apenas a ser a nova número um. Este ano ultrapassou o Japão como segunda potência económica mundial, aproximando-se de um estatuto de líder que pela ordem das coisas é seu: até ao século XIX, a China valia um terço da riqueza mundial.
A NATO às portas da Rússia
Nasceu antes do Pacto de Varsóvia e sobreviveu à extinção dessa aliança militar patrocinada pela União Soviética. Com o fim da Guerra Fria a NATO ganhou novo dinamismo e alargou-se de tal forma que hoje toca nas fronteiras da Rússia, que teve de aceitar resignada a adesão dos Estados bálticos. Mas como convém não desafiar demasiado o orgulho moscovita, na recente Cimeira de Lisboa a Aliança Atlântica assinou um acordo com os russos sobre o polémico escudo antimíssil. Assim, há mais margem para se concentrar no seu grande desafio actual: impedir os talibãs de reconquistar o poder no Afeganistão.