Tróia
Entregue aos fantasmas dos Verões agitados dos anos 80, Tróia parece aos turistas de beira da estrada "um espaço perdido". A promessa de um empreendimento à escala internacional jaz em duas torres que não passaram do betão, e hoje "dói o coração" a quem passou por tudo. Das pizarias e geladarias mais modernas do País ao abandono foi um passo, dado com o empurrão de uma falência. Tróia esteve na moda, deixou de estar e, numa tarde de Agosto de 2005, é só uma sombra da sofisticação anunciada.
O esqueleto desse projecto falhado vai, no entanto, desaparecer no dia 8 de Setembro as torres da Torralta serão implodidas, dando início a um processo de requalificação turística a cargo do grupo Sonae, em parceria com o grupo Américo Amorim. O último Verão numa Tróia deserta acaba assim com estrondo e esperança de um "regresso ao futuro". Um regresso ao tempo em que "havia mais visão", diz quem puxa a memória trinta anos atrás.
A casa de férias de Manuel Caroço, 60 anos, empresário lisboeta, serve para provar que há quem nunca tenha desistido "É que isto era um sonho." No terraço, há espaço para uma mesa para dois, "que os filhos aprenderam a andar naquela relva, mas agora já não vêm". As toalhas de praia nas varandas ao lado confirmam que há vizinhos, mas "não se fala à vizinhança, ninguém pede salsa a ninguém". As pessoas "de hoje" não se conhecem, há muito que se perdeu a cumplicidade.
Onde antes havia "um café muito bonito", hoje há um sinal que alerta para o barulho das máquinas. "Avisaram-nos de que, este ano, as obras iriam arrancar e dificilmente teríamos um Verão sossegado, mas quisemos vir na mesma", diz Manuel. Como o casal, muitos possuidores de títulos de férias na terceira torre da Torralta insistiram em gozar o último Verão de Tróia. Por essa razão, conta o empresário, "o hotel está a meio gás". Só que Tróia fechou "Não há restaurantes abertos, não há lojas abertas, não há nada."
À noite, "pasma-se aqui". De manhã, "nem pão há para tomar o pequeno-almoço". A meias, o casal recorda "Um destes dias, uns espanhóis vieram perguntar-nos onde é que podiam almoçar. Tivemos de lhes indicar a Comporta porque não havia sítio onde comer em Tróia." Os quilómetros "não são tantos quanto isso", mas "é aborrecido ter de sair daqui sempre que falta qualquer coisa". As compras de supermercado do casal são também feitas num passeio até à Comporta.
Os inconvenientes são óbvios, mas Manuel Caroço e a mulher não hesitam "Há quinze anos que temos casa em Tróia e gostamos de estar aqui." Depois de muitos Verões a alugar um apartamento para férias, o casal decidiu comprar casa na primeira "banda" de moradias da península. "Na altura, Tróia já não estava tanto na moda, e muita gente questionou o timing da compra, mas nós acreditámos que as coisas iam mudar para melhor", lembram. A convicção mantém-se, garante Manuel "Isto vai ficar bom."
À beira da estrada que vai para a Comporta, num parque de merendas improvisado, Luís Franco, de 43 anos, personifica a falta de infra-estruturas turísticas de Tróia. Com um fogareiro, prepara o almoço para a família e para os amigos brasileiros a quem vem apresentar a península. "Venho sempre passar o dia aqui, para ir à praia e passear. Isto está igual há vinte anos", diz, apontando para a torre de betão do outro lado da estrada.
"Vim de Torres Vedras preparado com um fogareiro porque, da última vez, quisemos almoçar cá e não encontrámos nenhum restaurante aberto", explica. Aos seus olhos, "falta a Tróia desenvolvimento, faltam estruturas básicas. A praia é espectacular, mas não chega". Em Portugal há 12 anos, o amigo Paulo Roberto, de 44, é mais directo "Vejo um cantinho espectacular aqui, mas também vejo falta de condições para o aproveitar." Descreve Tróia como "um espaço perdido, que tem tudo a ganhar com um novo complexo turístico". Das torres sabe o que ouve: "O meu amigo veio a contar-me a história na viagem. É mesmo lamentável."
Quando, a 2 de Janeiro de 1972, António Eduardo ouviu dizer que o trabalho de supervisão da construção das torres da Torralta "não era nada que não se pudesse aprender", pôs as mãos no fogo pelo sucesso do projecto. "Na altura esperava aquilo que toda a gente esperava, tínhamos acesso às plantas de construção e o empreendimento era uma coisa em grande", explica António, hoje com 47 anos.
Um edifício pronto, uma segunda torre já com fundações e "areia, areia e mais areia" foi o que o actual membro da Comissão de Trabalhadores da Torralta encontrou em Tróia há 30 anos. Hoje dói--lhe o coração quando pensa "que não se vai poder aproveitar nada daquilo que estava feito". E diz que "o coração tem de doer a quem conheceu aquele complexo de férias, com campo de golfe, piscinas, cafetarias, self-service, marisqueira, uma pizaria e uma geladaria". António recorda-se do "auge da ocupação, nos anos 80" com nitidez. "O restaurante chegava a servir duas mil refeições por dia naquela altura", garante. Tróia era um êxito, com direito "a réveillon transmitido em directo na televisão e tudo".
Depois, veio o marasmo. "Perguntei-me muitas vezes o que estaria aqui a fazer". Como membro de uma comissão de trabalhadores que se ocupava da manutenção de um complexo parado no tempo, teve "uma sensação de inutilidade, fruto da inactividade". Sabia que financeiramente o projecto não estava a resultar e percebia que as pessoas começavam a desinteressar-se do empreendimento. Hoje, percebe que há quem goste de Tróia como ele "A administração da empresa avisou os proprietários de que este Verão as obras iriam arrancar e algumas coisas seriam fechadas e deitadas abaixo. E o que se passa é que as pessoas estão a aparecer, querem estar cá."
António acredita que "este Verão está a acontecer assim para que haja uma evolução". Confia que no espaço de "seis, sete anos Tróia pode ser muita coisa e muita coisa bonita". No entanto, não sabe se vai ficar para ver "Vi nascer um primeiro filho, se esperar para ver nascer o segundo sei que quando ele estiver a dar os primeiros passos tenho de me ir embora, e isso dói ainda mais do que ver tudo abandonado."