Swinton

Uma actriz empreendedora. Faz filmes com os amigos, nos quatro cantos do mundo. A partir de quinta-feira, vamos vê-la num italiano e russo perfeito em <em>Eu Sou o Amor,</em> melodrama <em>gourmet </em>de Luca Guadaguino. Para ela o que importa é estar onde lhe apetece. Encontro com Tilda Swinton, actriz ícone, produtora rebelde e fashionista relutante.<br />
Publicado a
Atualizado a


«Não sei muito bem o que é o cinema inglês. Já fiz parte de um tipo de cinema que por lá se fazia. Agora é muito complicado fazer esse tipo de cinema. Tenho de o procurar noutros lugares. Não sou muito propensa a pensar em nacionalismos no que toca ao cinema.» Estas são palavras de uma Tilda Swinton que já nem se preocupa em justificar porque aparece tanto em filmes húngaros, franceses ou italianos, como é o caso de Eu Sou o Amor, a obra- sensação do último festival de Veneza e presente no IndieLisboa. Tilda interpreta um símbolo de uma certa aristocracia europeia. Ela é uma russa milionária casada com um dos maiores herdeiros da Itália do Norte, uma mulher que se descobre no seu próprio processo de desejo. Em russo e em italiano, encontramos uma figura que finta as nossas próprias percepções da actriz. Uma Tilda mais insinuante, mais selvagem e refinada, ou seja, um novo corpo, onde apenas o cabelo curto se apresenta como pista de sinalização. Depois do Óscar em Michael Clayton, começou mais uma reinvenção, isto depois de ter dado a entender que seria sempre capaz de cruzar o caminho de Hollywood com o das produções mais rebeldes do cinema do mundo. E é por esse gosto de internacionalização que se explica a sua presença num filme italiano de autor. Por isso e pela sua amizade com o realizador Luca Guadaguino, que já tinha sido responsável por um documentário chamado Tilda Swinton-Love Factory. «Fomos criados na mesma fábrica», diz com um ar provocador a actriz escocesa. E continua: «Eu e o Luca ficámos amigos através dos filmes, como posso explicar? Temos a sorte e a honra de podermos fazer arte juntos. Trabalhar com os amigos neste meio é o melhor que nos pode suceder! Podemos aplicar as ideias que discutimos na prática.» Boas ideias então, especialmente se deduzirmos pelo sucesso de Io Sono il Amore, campeão de críticas positivas e presença constante nos melhores festivais independentes. E essas ideias passam por impregnar o filme com referências aos heróis de Tilda e Luca: «Os nossos heróis são John Huston, Visconti, Hitchcock, Rossellini, Pasolini e Douglas Sirk. Esse foi sempre o cinema que discutimos, o cinema clássico que nós amamos. Por que razão o cinema moderno actual não segue essa via? Nós quisemos reflectir sobre isso… Ao mesmo tempo, a simbiose das minhas ideias e as do Luca passaram pelo que nós estávamos a ler, que era precisamente os grandes romances da literatura russa, de Tolstói a Tchekov.», esclarece a actriz que ficou atraída por esta mulher que aos 40 anos se perde de amores pelo melhor amigo do seu jovem filho. «Quisemos que esta mulher experimentasse uma revolução do amor. Aquela paixão simboliza a primeira vez na vida que se apaixona, não é uma segunda vez… Não é, portanto, uma reinvenção da sua vida. Apesar de já ter filhos e aquela idade, ela torna-se uma nova mulher.» Mas a grande surpresa do filme é a presença do actor e encenador italiano Pippo Delbono, o homem-teatro mais aclamado dos palcos europeus, que aqui interpreta o marido da personagem de Tilda. Uma espécie de inesperado espelho de uma certa burguesia do Norte de Itália. «Foi uma inspiração podermos ter Pippo no filme. Ele faz aqueles one man shows e tornou-se tão rico! De alguma forma tem que ver com a personagem. Só tivemos de pedir que alisasse o cabelo. O importante no trabalho de Pippo é que ele sabe como trabalhar com o espaço. Nesse sentido, aquela casa tornou-se um palco. E é preciso saber andar de uma maneira específica. Numa mansão assim tão grande as pessoas interagem com uma distância própria. Passa tudo por uma coreografia. Nesse contexto, Pippo foi de uma importância extrema», confessa. Mais à frente, faz questão de nos realçar que esta história é sobre a natureza. «A natureza e a sua relação com cada uma das personagens ou como é difícil vivermos fora da nossa natureza interior. Aquele amante da minha personagem traz consigo algo que vem da natureza. Depois há ainda um conto de uma família que tem de ser discreta. E aí falamos de um fenómeno contemporâneo: os capitalistas burgueses que fizeram fortuna na era fascista. A essa gente interessa-lhe o silêncio. Há aqui um retrato muito fiel de um certo tipo de burguesia milanesa, é muito específico», diz.
Olha-se para a carreira de Tilda Swinton e é flagrante uma estratégia de liberdade. Por muito que faça um duvidoso As Crónicas de Nárnia, opta logo a seguir por arriscar e compor a alcoólica Julia em Júlia – Uma Vida de Sombras, de Erick Zonca, ou uma personagem de uma antipatia desconcertante em Destruir depois de Ler, sabotagem mainstream dos irmãos Coen. Depois do Óscar, as suas escolhas parecem ainda ter ficado mais radicais. Para trás está muito trabalho em teatro e uma colaboração com Derek Jarman, cineasta experimental inglês que mudou a face do audiovisual nos anos oitenta. Como se não bastasse, faz questão de arranjar tempo para organizar na Escócia The Ballerina Ballroom Cinema of Dreams, um festival de cinema numa aldeia das Highlands escocesas, onde só se exibem filmes antigos e os espectadores pagam os bilhetes com doces e bolos. No meio disto tudo há a tal imagem iconográfica: o cabelo curto, a magreza, a palidez da pele e, claro, os rumores de uma vida loca. Mais importante, a actriz cultiva um caso de amor com a alta- roda da moda internacional. Quando se encontra com a nm tem vestida uma peça Jil Sander: «Não tenho no meu subconsciente essa imagem que fazem de mim, fashionista. Não estou envolvida na fabricação da minha percepção, aliás, nem sei que tipo de actriz sou. Não perco muito tempo a pensar em mim como actriz. Em termos de moda, sinto-me uma mulher livre, sobretudo porque não disponho de energia ou de tempo para construir algum tipo de estilo. Por exemplo, estou hoje com uma peça Jil Sander porque adoro esta marca e porque ma ofereceram! Faz também sentido porque a minha personagem em Eu Sou o Amor é vestida em exclusivo por Jil Sander. Havia que dar àquela mulher um look próprio, que tivesse que ver com a velha imagem de Hollywood e nada com a moda actual.» Por fim uma curiosidade, o que deixa Tilda Swinton ofendida? Será que ela ainda se ofende? «Sim, ofende-me que se possa pensar que a voz que está no filme não é a minha! Para mim a questão da voz é fulcral. E aquele italiano foi trabalhado com sotaque russo… Fico triste se o público pensar que sou dobrada por uma italiana.» A seguir, mais aventuras sem rede para esta ruiva. Primeiro Phantasmagoria – The Visions of Lewis Carroll, retrato de Marylin Manson sobre o autor de Alice no País das Maravilhas. Depois, imersão no universo pesado da escritora Elfriede Jelinek em A Condessa de Sangue, em que se junta a Isabelle Huppert. Nos caminhos de Tilda tudo pode acontecer. Tudo vai acontecer.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt