Dia de Reis

O rei do roque ressuscitou pela mão dos GNR. A NS’ acompanhou, em exclusivo, as gravações de um teledisco que é mais um passo na reaproximação da banda ao grande público.<br />
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«Rei da rádio, dá-me a voz/ rei da pop, compõe para nós/rei do roque, canta para nós/Rei do Rock, morreu por nós», canta Rui Reininho no primeiro refrão do novo single dos GNR. É um tributo a «gente que sofreu muito para ter aquelas histórias, o Michael Jackson, o Elvis Presley...», reconhece. Embora o tema da canção se refira a ícones defuntos, a sua missão é recolocar os GNR num mapa pop no qual se têm movimentado com discrição durante os últimos anos. Depois de ter sido posta a correr nos canais tradicionais de comunicação (a internet já é um meio instituído), o passo seguinte seria gravar o vídeo correspondente.

Para quem chegou a motivar quarenta mil pessoas a deslocarem-se a Alvalade, numa época em que o clube então presidido por Sousa Cintra vivia uma crise desportiva muito parecida com a actual, os estúdios Contra Campo, em Frielas (Loures), não poderiam ser um recato mais afastado do centro citadino lisboeta, ainda que as obras do novo IKEA condicionassem os acessos a esta zona suburbana.

No final de um curto mas inclinado acesso, o realizador Silvério Canto Moniz punha em prática as ideias apresentadas alguns meses antes durante uma conversa com o baixista Jorge Romão. «O conceito é ir ao encontro do que são os GNR. É um imaginário surrealista e divertido. As músicas deles são alegres», defende antes de citar uma frase do clássico Bellevue: «“Salto o muro, cuidado com o cão”. É... ginástica cenográfica», completa o estreante nestas andanças de telediscos.

O que se poderá ver então neste anúncio televisivo – assim lhe chamaram os Radiohead em 7 Television Commercials, uma compilação de vídeos – da canção que anuncia o primeiro álbum de originais do Grupo Novo Rock em oito anos? Duas modelos a trautear (as mulheres, os GNR e Rui Reininho) o refrão e corpos sem cabeça a tocar. «Há um retroceder ao rock, ao início de tudo, que também reverte para as musas. Quisemos ter um imaginário masculino e feminino. Depois, há uma ideia de mundo virtual em que tocam sem cabeça. No fundo, é tirar o corpo a quem toca. Em vez de ser um rei, são vários. É o regresso ao rock dos anos oitenta e a esse lado mais irrealista em que, por exemplo, os Depeche Mode apareciam a cantar com umas cabeças num vídeo», explica Silvério Canto Moniz.

E se o interesse nasceu de uma forma «muito espontânea» e feliz, quer do realizador quer da produtora Krypton, o mesmo não se poderá dizer da letra de Rui Reininho que, no fundo, se refere ao consumo imediato de música a troco de nada. «Agora é fácil fazer um download. As pessoas queixam-se, mas o que é que nos dão? Temos de deixar a adolescência e passarmos a trabalhar. Nós damos música, damos prazer. Ao menos podiam fazer-nos festinhas», termina com a jocosidade habitual.

«Às tantas uma pessoa também exige um certo respeito. As pessoas vão à televisão e dizem que é tudo fantástico, mas nem sempre é assim. Há sítios muito difíceis, mesmo físicos. Por circunstâncias da vida, só os mais sinceros é que passaram por esse percurso. Ainda no outro dia estava a ver um documentário dos Nirvana em que o homem (Kurt Cobain) não aparecia em condições. Nós nunca falhámos um concerto por doença. É Inverno, Primavera, Verão. Há quantos anos não posso tirar 15 dias em Julho para ir à Micronésia? É muito fácil alguém lamentar-se quando vendeu quatro milhões de discos», atira.

As filmagens prolongam-se pela noite adentro mas o Grupo Novo Rock continua a defender pop acima de todos os outros interesses. Sinal de reconhecimento da única banda portuguesa que esgotou um estádio, a equipa que auxilia Silvério Canto Moniz trabalha gratuitamente, no que é uma acção de promoção da Krypton. Independentemente de todo o património construído, Tóli César Machado prefere pensar que «o mais importante é os GNR estarem de volta com novas canções». E quando se fala de trigésimo aniversário, a ser comemorado em 2011, Reininho, Tóli e Romão torcem o nariz à efeméride. «Não quero fazer dessa data um cavalo de batalha. Já há muita gente a fazer a festa dos 30 anos», comenta o compositor maioritário, em tempos baterista e agora guitarrista.

‘Retropolitana’ pára na estação do Verão

O novo álbum dos GNR já tem título definido, Retropolitana, e vai ser editado «em Junho ou Julho», revelou a banda à NS’. As gravações decorreram, pela primeira vez, no próprio estúdio da banda. Durante esse período, os GNR estiveram sem editora após uma rescisão amigável consumada com a EMI. «Foi muito bom porque a primeira preocupação foi gravá-lo bem. Acreditámos que, mesmo com esta crise no mercado discográfico, alguém haveria de se interessar.»

O novo casamento acabou por ser consumado com a Farol. «É um disco de canções. São elas que vêm primeiro e depois é que surge o ambiente sonoro», descreve Tóli. «Se de repente fizéssemos um álbum à Depeche Mode, seria esquisito», completa Rui Reininho, o autor de um título clássico na linguagem GNR. «Imaginei um percurso. É quase escolher onde se vai. Sonhei com isso. Uma pessoa entra numa estação e sai noutra época», descreve. Uma imagem que pode ser entendida como um olhar retrospectivo sobre uma obra escrita ao longo de quase três décadas.

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