Curiosa a sintonia com que chegam ao pequeno ecrã Rebels e La Ruta - Conquistar a Noite. A primeira, em estreia esta terça-feira, 5 de agosto, na plataforma Filmin, centra-se nos acontecimentos por trás da demolição da Casa da Juventude de Copenhaga em 2007, um caso que se traduziu numa hostilidade crescente entre jovens e polícia. Já La Ruta, a partir desta quinta-feira (22h10) no TVCine Edition e TVCine+, leva-nos à cena noturna valenciana das décadas de 80 e 90 para sentir a pulsação de um movimento, Ruta Destroy, que moldou a música eletrónica e os jovens da época. O que é que une informalmente ambas as séries? A capacidade de narrar o espírito de união de uma juventude perdida, e reencontrada, em momentos específicos da sua realidade cultural.Da Dinamarca com revoltaEm rigor, Rebels apresenta-se no formato de minissérie, e abre com uma nota informativa a contextualizar as personagens que vamos seguir ao longo de cinco episódios de 30 minutos. Nessa nota conta-se que os jovens do movimento ocupa de Copenhaga receberam uma casa da câmara em 1982, da qual viriam a ser expulsos 20 anos depois, apesar dos atos de resistência que deram lugar aos “confrontos mais violentos da atualidade entre jovens e a polícia” da cidade. Termina-se sublinhando que esta é “uma história de luta pelo direito a não se enquadrar”.Com assinatura de Mads Matthiesen, a série agora disponível entre nós procura, justamente, perceber como se organizou o grupo da Casa da Juventude (“Ungdomshuset”) perante o anúncio público da demolição do espaço, em 2007, vendido a uma seita religiosa... Assiste-se ao despertar da revolta dessa esquerda “desenquadrada” e punk, mas, sobretudo, acompanha-se o rosto de Iben (Thit Aaberg), uma rapariga de 22 anos dividida entre a anarquia e a responsabilidade nesse contexto propício a posturas radicais, como aconteceu no interior do grupo, com uma ala mais drástica a contrariar os esforços dos moderados.Rebels funciona como um instantâneo daqueles dias na Dinamarca, e torna-se tocante, no meio da agitação, porque não contrasta demasiado os dois lados da narrativa. Há um princípio de autenticidade que orienta o realizador - ele próprio um frequentador da Casa da Juventude nos anos 90, o auge da cena punk -, convertendo-se o drama num quadro de energia áspera, nostálgica, envolvente.Dançar até ao fim da noite.E nostalgia é mesmo o elemento palpável em La Ruta - Conquistar a Noite, uma série que embala o espectador logo aos primeiros minutos, com a voz de Marc (Àlex Monner), um jovem DJ, a contar, em tom intimista, a possível história de origem desse fenómeno que é a dança coletiva: aconteceu em 1374, na Alemanha, e ficou conhecida como a Dança de São Vito, um surto de “dançomania” que levou um grande grupo de pessoas a irromper num bailado inexplicável, sem música, acabando por derrubar uma ponte sobre o rio Mosa...Entrar assim na inspiração das memórias noturnas de Valência, em 1993, mostra a habilidade de quem quer fazer-nos abrir a porta do quarto da juventude e recuar no tempo. Essa vertigem será de resto confirmada pela própria estrutura temporal de La Ruta, narrada do fim para o princípio, um episódio de cada vez (são 8 no total), levando à época em que as personagens se conheceram, ainda carregadas de sonhos, no ano de 1981. Para o cocriador Borja Soler (que assina a série com Roberto Martín Maiztegui), o desejo era “que a jornada do espectador, durante estes doze anos, fosse da escuridão para a luz”, como disse à revista Variety.O início da década de 90 corresponde, por isso, à perda da inocência, uma espécie de desânimo que acompanha o encerramento de um percurso identitário. E aí a melancolia de Marc serve um pouco de fio condutor no ambiente de discotecas, festas, amigos, drogas e criação de música eletrónica que definiu o carpe diem noturno dos jovens do movimento Ruta Destroy (também chamada de Ruta del Bakalau), fundado num espírito valenciano de contracultura à semelhança da Movida Madrilena.Dentro da atual fase próspera da produção de séries espanholas, La Ruta traz, afinal, o semblante vivo de uma “máquina com um leque de emoções, que vai dos 20 mil aos 22 mil hertz”, como alguém refere a certa altura, em defesa da sensibilidade do techno. Estamos perante o melhor da ficção televisiva de nuestros hermanos, concebida para os olhos, ouvidos e coração: uma excelente desculpa para exercitar o músculo da nostalgia, na dança intensa de uma geração que se uniu, fisicamente, pela força inexplicável da música.