Pita Barros, professor da Nova School of Business and Economics defende que PPP deverão ser mais acompanhadas e que "é altura de os serviços públicos de apoio à gestão na esfera do Estado mostrarem a sua competência técnica".
Pita Barros, professor da Nova School of Business and Economics defende que PPP deverão ser mais acompanhadas e que "é altura de os serviços públicos de apoio à gestão na esfera do Estado mostrarem a sua competência técnica".Carlos Manuel Martins

Pita Barros: “PPP têm maior autonomia de gestão e conseguem experimentar soluções diferentes de forma rápida”

O Governo aprovou o regresso das PPP ao SNS, mas a medida pode não avançar. Pedro Pita Barros, economista em Saúde, explica as vantagens e desvantagens do modelo e diz que há outras soluções.
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Após a reunião de Conselho de Ministros de 7 de março, o ministro da Presidência, Leitão Amaro, anunciava o regresso do modelo de gestão de Parcerias Púbico-Privadas (PPP) ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente a cinco hospitais (Braga, Amadora-Sintra, Loures, Vila Franca de Xira e Garcia de Orta), mas, na verdade, no comunicado do Conselho de Ministros está referido que este regresso é às Unidades Locais de Saúde (ULS).

Ou seja, que este modelo de gestão privada iria integrar tanto hospitais como centros de saúde. De qualquer forma - e como quatro dias depois deste anúncio, o Governo caiu -, a medida poderá nem sequer ir para a frente.

Aliás, no caso de o PSD perder as eleições, e vencer o PS, o líder dos socialistas, Pedro Nuno Santos, já fez saber numa entrevista televisiva que a reforma iniciada pelo primeiro diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, é para continuar a aplicar e, desta, não fazem parte a PPP - recorde-se que este modelo de gestão foi abolido pelo primeiro governo de António Costa.

Nesta entrevista ao DN, Pedro Pita Barros, economista, professor da Nova School of Business and Economics e especialista na área da Saúde, explica ao DN as vantagens e desvantagens das PPP no setor, dizendo que há outras soluções para o SNS, mas que, para estas terem resultado, são precisas regras claras do desempenho e de responsabilização das administrações.

O Governo aprovou o regresso das PPP já numa altura de crise política. Foi criticado, o timing era o mais adequado para se tomar uma decisão deste tipo para o SNS?

Em termos políticos, dificilmente haverá um momento adequado, devido às posições extremadas que a criação de PPP origina no panorama partidário. Um processo para criar PPP leva muitos meses, provavelmente mais de um ano, para se conseguir fazer um caderno de encargos e lançar e realizar o concurso de atribuição da parceria. Nesse sentido, lançar esse processo num momento de incerteza sobre a continuação do Governo poderá ter o custo de não vir a ser concretizado, se houver mudança de Governo entretanto. Por outro lado, torna clara uma parte importante do programa político do Governo. Provavelmente seria melhor ser um processo lançado num contexto de governo de maioria absoluta. Ainda assim, poderá ser melhor iniciar do que não iniciar.

Foram escolhidos cinco hospitais. Porquê estes e não outros?

Pressuponho que quatro das PPP tenham sido escolhidas por já terem sido PPP no passado (sendo que três dessas PPP ainda têm em curso a PPP para a infraestrutura hospitalar). O caso do Hospital Garcia de Orta, da ULS Almada-Seixal, que nunca esteve em PPP, acredito que tenha sido escolhido por ter alguns problemas a nível de funcionamento das Urgências, em que houve vários momentos de encerramento. Mas estamos a admitir que são mesmo só hospitais, mas lembro que o comunicado do Conselho de Ministros refere Unidades Locais de Saúde.

Mas é só com uma gestão privada das unidades que o SNS conseguirá ser mais eficiente?

Uma PPP não é o único modelo que poderá tornar as unidades do SNS mais eficientes e mais eficazes. Há outras opções dentro da gestão pública, mas a utilização de uma PPP terá a vantagem de uma maior clareza sobre o que se pretende que seja alcançado. Uma PPP tem maior capacidade de responsabilização da gestão (pois o parceiro privado assume os custos mais elevados de prestar os serviços acordados, se não conseguir ser mais eficiente).

E o que pode mudar com a gestão por uma PPP?

Uma gestão PPP leva a uma gestão mais focada em resultados, dado que é necessário garantir os serviços acordados, o que favorece a procura de inovações a nível da gestão que é feita. A gestão em PPP tem introduzido ideias de gestão e modos de funcionamento interno que depois tendem a passar para o resto do Serviço Nacional de Saúde. Tendo maior autonomia de gestão, conseguem experimentar soluções diferentes de forma rápida, embora tenham de suportar custos adicionais se essas soluções não funcionarem. Será de esperar também uma maior capacidade de atrair profissionais de saúde, novamente devido a maior autonomia de gestão, que se pode traduzir em oferta de melhores condições remuneratórias e de trabalho. Mas a gestão em PPP trará também um maior escrutínio ao que é feito, o que tenderá a ser favorável a um bom desempenho. No passado, a atenção à satisfação da população foi um dos aspetos importantes das PPP, além da procura da eficiência operacional e da qualidade clínica - esta última controlada por um conjunto de indicadores detalhados, que aliás deveriam ser também aplicados à gestão pública dos hospitais do SNS.

Com a organização em Unidades Locais de Saúde, faz sentido as PPP abrangerem só cuidados hospitalares, sem os cuidados primários?

A utilização de PPP não precisa de ficar restrita aos hospitais, poderá também ser feita para a ULS, como um todo. Em Espanha, por exemplo, houve durante vários anos uma PPP de algo equivalente às Unidades Locais de Saúde, pois englobava cuidados hospitalares e cuidados de saúde primários de uma zona geográfica claramente delimitada. No caso de Portugal, com a criação das ULS, em janeiro de 2024, com a discussão de um ajustamento do modelo para as ULS universitárias, esta decisão gera a necessidade de clarificar qual o modelo que o governo pretende seguir para as PPP. Serão os hospitais separados da ULS? Será a ULS a gerir a PPP do hospital que está dentro da ULS? A primeira opção será o início de um processo de reversão das ULS, que neste momento provavelmente será mais prejudicial do que benéfico, pois o sistema de apoio aos cuidados de saúde primários integrados nestas ULS teria de ser repensado. A segunda opção obriga a “camadas sucessivas” de gestão, e da criação dos mecanismos de acompanhamento da PPP dentro de cada ULS.

O que é preferível?

A meu ver, seria preferível esta última solução, sobretudo se houver o cuidado de colocar a Direção Executiva do SNS a apoiar as ULS no acompanhamento das PPP. E no tempo até à PPP entrar em funcionamento, seria igualmente bom que o PlanAPP, departamento do Governo de apoio às políticas públicas, faça um trabalho de preparação conjunto, recolhendo o que foram os ensinamentos das PPP para as atividades clínicas que existiram nesses hospitais e que existe ainda no Hospital de Cascais. Será, certamente, agora uma situação mais complexa do que foi no passado, fazer o acompanhamento das PPP. Mas é altura de os serviços públicos de apoio à gestão na esfera do Estado mostrarem a sua competência técnica e fazerem esse acompanhamento.

O Governo tem defendido a aposta na articulação entre cuidados primários e hospitalares. Um modelo de PPP só para os hospitais não coloca em causa esta aposta?

Não coloca necessariamente em causa. Só o fará se for decidido que estas PPP hospitalares são retiradas de dentro das ULS e são colocadas em funcionamento autónomo. Se o contrato de PPP for gerido pela ULS, com regras e indicadores de acompanhamento adequados, poderão estar reunidas as condições para uma boa articulação entre os cuidados de saúde primários e os hospitais.

Um modelo PPP pode trazer desigualdades em relação a outras unidades e para os profissionais? Pode levar médicos a sair do SNS para irem trabalhar para um hospital PPP?

Sim, é um risco que está presente. Mas cabe, aqui, ao SNS na sua parte de gestão pública tornar-se suficientemente atrativo para evitar essas situações, até porque se as PPP poderão ter algumas vantagens para quem escolhe nelas trabalhar, também poderá ter desvantagens. Para acautelar esta preocupação, deverá ser feita nos próximos meses uma análise aprofundada do que foi a experiência das três PPP que cessaram (Braga, Loures e Vila Franca), quer no período inicial em que tiveram de atrair profissionais de saúde (caso de Loures), quer no período de reversão para o setor público (que profissionais perderam e porquê). É igualmente de considerar que a PPP também poderá conseguir trazer para prestar serviço no SNS profissionais de saúde, como médicos, que se encontram apenas no setor privado.

Tendo em conta a realidade lá fora, por exemplo Reino Unido, Espanha e Itália, que têm modelos de PPP na Saúde, mas nem por isso melhores resultados nesta área. Por que é que Portugal aposta neste modelo?

A experiência prévia em Portugal com as PPP foi boa, e compara muito bem com as experiências de outros países. Não houve em Portugal vários dos problemas ocorridos noutros países.

Mas é o único modelo que pode ser testado na Saúde?

Claro que não. Podem ser testados outros modelos, e alguns até foram sugeridos para Portugal há 10 anos ou mais. Deixo como exemplos sugestões surgidas numa séria de conferências que foram realizadas conjuntamente pelo Banco de Portugal, Conselho de Finanças Públicas e Fundação Calouste Gulbenkian e as propostas que surgiram da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde (e que mais tarde, devido à pandemia, acabaram por não ser levadas à prática). Mais orientada para a gestão hospitalar, também deixei uma sugestão num documento da SEDES: Que soluções para a sustentabilidade e melhor performance do SNS? Dois pequenos passos para a mudança. Portanto, podem ser testados outros modelos no SNS, mas o importante é saber que grau de responsabilização conseguem realmente impor esses modelos à gestão das unidades de saúde, ou seja, de forma simples, o que acontece se a gestão não for eficiente?

Então há outros modelos que podem ser usados em Portugal?

É possível encontrar outros modelos de enquadramento da gestão para o SNS e para as Unidades Locais de Saúde que não só as PPP e que ajudem a ter maior eficiência operacional, maior satisfação dos cidadãos e maior qualidade nos cuidados prestados. Mas para que tenham resultado, é necessário ser claro nas regras usadas para a gestão, e em especial na forma de avaliar o desempenho das equipas de gestão e nos mecanismos da sua substituição (e eventual custos suportados) quando esse desempenho for claramente insuficiente. 

Se fosse dada mais autonomia e responsabilização às ULS as falhas apontadas à gestão pública seriam resolvidas?

Com mais autonomia, tem de existir mais responsabilidade por parte das equipas de gestão. De outro modo, essa maior autonomia facilmente resultaria em mais problemas.

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