Lançar soluções locais de saúde está a ser a resposta de alguns municípios para responder ao défice de médicos de família, que já atinge cerca de 1,5 milhões de pessoas só na Grande Lisboa.Teleconsultas gratuitas para todos, ou só para os mais idosos, e novas clínicas de proximidade estão a ser disponibilizadas em municípios como Cascais e Lisboa, que se querem afirmar como uma espécie de ‘Estado Social Local’.E é uma tendência que veio para ficar. Seja em articulação com misericórdias, médicos privados ou com o próprio Ministério da Saúde, os autarcas estão a adiantar-se ao Estado central para melhorar o acesso à saúde, uma das áreas mais críticas da governação e que pode influenciar vitórias ou derrotas eleitorais, também a nível autárquico.Através do projeto ‘Bata Branca’, misericórdias em parceria com outros 17 municípios têm também oferecido respostas alternativas a quem não tem médico de família, sobretudo na Grande Lisboa, nomeadamente no Arco Ribeirinho de Setúbal.Cascais e Lisboa, ambos liderados pelo PSD, são os municípios onde estes conceitos estão mais avançados, com o primeiro a ser mesmo o pioneiro na disponibilização de teleconsultas gratuitas a todos os munícipes, estudantes ou trabalhadores no concelho com o cartão Viver Cascais, “independentemente da idade ou do nível de rendimento”. A ideia surgiu durante a pandemia de Covid-19, em 2021 – quando se evitava a deslocação aos serviços de saúde e estes estavam sobrelotados por casos mais sérios - mas manteve-se até agora e foi sendo melhorada, com o alargamento da oferta a consultas de psicologia, mas também de veterinária para todo o tipo de animais domésticos. Muitos dos potenciais destinatários, contudo, ainda desconhecem a modalidade.“Desde que foi criado aquele serviço, já foram feitas mais de 6 mil teleconsultas a cerca de 6300 utentes”, disse o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, Nuno Piteira Lopes, em entrevista ao DN. “Com o foco na qualidade de vida da população, muitas vezes vamos muito além das estritas competências próprias municipais em áreas como a educação, infraestruturas e saúde, construindo equipamentos mais pesados como centros de saúde”, referiu Piteira Lopes para enquadrar o conceito numa estratégia política mais vasta.O vice-presidente de Cascais não tem dúvidas de que “esta alternativa, sobretudo para quem tem pouco tempo e necessita de respostas rápidas, tem sido uma mais valia para a população e funciona como uma triagem que reduz a sobrecarga dos centros de saúde e dos serviços de urgência hospitalar”. Prova disso mesmo é o facto de “os picos de adesão às teleconsultas ocorrerem precisamente nos meses entre novembro e janeiro”, indicou.Paralelamente, o município de Cascais está também integrado no projeto ‘Bata Branca’, uma parceria tripartida com a Santa Casa da Misericórdia de Cascais e com o Ministério da Saúde, em que os residentes que precisem de uma consulta presencial, não tenham médico de família e sejam encaminhados pelo centro de saúde local, podem deslocar-se às instalações da Santa Casa e ser atendidos, explicou o autarca.Para operacionalizar as teleconsultas são recrutados médicos privados em regime de prestação de serviços, sendo que nas respostas sociais de saúde, Cascais gasta à volta de 575 mil euros anuais, disse Nuno Piteira Lopes. Se forem considerados também os investimentos na ampliação do Centro de Saúde de São Domingos de Rana, a remodelação do centro da Parede, ou a construção das novas unidades de Carcavelos e de Cascais, o orçamento ascende aos 25 milhões de euros, com IVA, revelou o autarca já confirmado como o candidato social-democrata às próximas eleições autárquicas.Lisboa lança mais duas clínicas este anoEm entrevista ao DN, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, assume sem rodeios que a sua “estratégia para a cidade assenta na lógica de um ‘Estado Social local’ baseada em três pilares: habitação, combate à probreza e à situação de sem-abrigo e saúde”.No que diz respeito à saúde, Carlos Moedas, que já abriu duas clínicas de proximidade construídas de raiz, uma em Marvila e outra no Alta de Lisboa, revelou que essa é uma abordagem para prosseguir: “Até ao final deste ano vamos lançar mais duas clínicas de proximidade para abranger populações pior servidas e ficaremos com quatro unidades de saúde deste tipo”, disse o autarca. Neste tipo de valências, o serviço prestado pelos médicos é articulado com o Ministério da Saúde, explicou. Foram também já concluídos sete centros de saúde clássicos, adiantou.“Em Marvila, por exemplo, a clínica de proximidade tem um médico e enfermeiro e há atendimentos todas as segundas, quartas e sextas-feiras, sem que seja necessária marcação, as pessoas aparecem e são atendidas”, explicou. A autarquia aposta, por exemplo, “em trazer médicos, alguns já quase reformados, que estejam disponíveis para ajudar três dias por semana”.O município tem também em vigor um plano de saúde, o ‘Plano de Saúde 65+”, destinado a maiores de 65 anos, que foi lançado em 2023. Tal como o modelo de Cascais, este plano também aposta nas teleconsultas gratuitas, sem critério de rendimento, mas tem o escalão etário como condição, o que não sucede no outro. Segundo Carlos Moedas inscreveram-se neste plano cerca de 15 mil pessoas e foram efetuadas 5 mil consultas telefónicas e ao domicílio, no âmbito de uma parceria com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. “Para aceder a estes serviços médicos basta a inscrição numa farmácia de Lisboa com o número do cartão de cidadão e depois ligar para um daqueles números de atendimento automático”, ao abrigo de um protocolo assinado com a Associação Nacional de Farmácias. O edil considera que o universo de pessoas elegíveis é bem maior dos que os 15 mil inscritos e diz-se apostado na sua melhor divulgação.Questionado sobre o regime de contratação dos médicos, Moedas explicou que, ao contrário do que se chegou a dizer, não são seguradoras, mas sim “entidades que estão por trás das seguradoras, que também lhes prestam serviço, constituidas por médicos prestadores de serviços”. O presidente afirma terem sido consultadas 7 ou 8 entidades, tendo sido escolhidas com base no critério do preço mais baixo. Nestas valências, o autarca, que ainda não esclareceu se se vai recandidatar à presidência de Lisboa, disse que o município despende entre 300 mil a 400 mil euros por ano.Quanto às críticas que surgiram à sua estratégia para a saúde por parte dos partidos da oposição na CML, alegando uma sobreposição de recursos do Serviço Nacional de Saúde, Moedas considera que “são posições ideológicas, baseadas no preconceito de que a saúde deve ser um exclusivo do Estado. A minha visão não é essa, o importante para as pessoas é melhorar o acesso à saúde da forma mais eficiente possível, seja o operador público ou privado em complementaridade com o setor social e também com soluções de inovação social”. Perante a crise que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta “são necessárias soluções mais pragmáticas”, defendeu.Um exemplo dessa visão está na atitude “proativa” do município que baixou a idade para o rastreio gratuito do cancro da mama, que estava nos 50 anos, tendo em conta o aumento da incidência desta doença oncológica em mulheres mais jovens, revelou. “Até ao momento, já tinham sido feitas 249 mamografias e estavam mais 120 agendadas numa parceria entre os Serviços Sociais da CML e a Fundação Champalimaud”, revelou Carlos Moedas.‘Médico assistente’ vai substituir ‘Bata Branca’Programa das misericórdias vai apostar mais nas teleconsultas com acesso ao historial clínico e num vencimento médio para os médicos em vez do pagamento à hora. Objetivo é 2500 utentes por médico.A União das Misericórdias Portuguesas (UMP) é o elo de ligação da nova tendência de saúde municipal no território nacional. Foi ela que desenvolveu o programa ‘Bata Branca’ desde 2017 - primeiro com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo - que já chega a 17 municípios. “O programa que visa facilitar consultas a quem não tem médico de família foi um sucesso, mas vai mudar de formato”, disse ao DN o presidente da UMP, Manuel Lemos. Em cima da mesa de discussão com o Ministério da Saúde está a ideia de tornar as consultas ao abrigo do programa o mais parecidas possíveis com a do médico assistente, com o profissional a ter acesso ao historial clínico do utente, de modo a poder ver e prescrever exames. O objetivo das mudanças em perspetiva é “tornar o programa mais eficaz, mais moderno e mais atraente para os médicos”, revelou Manuel Lemos. Isso compreende também a “maior generalização das teleconsultas por telefone ou vídeo, o que torna todo o processo mais fácil, mais barato e com capacidade para acolher mais gente”.O responsável revelou ainda que existe a ideia de “fixar uma minuta de vencimento médio para os médicos que aderem a este programa em vez de um valor pago à hora”. O valor/hora é baixo, admitiu. Segundo Manuel Lemos, “o sistema tem um custo médio anual de 80 euros por utente, sendo que os jovens gastam menos e os mais velhos mais”. Mas com o novo modelo, a expetativa da UMP é que cada equipa de médico e enfermeiro possa atender 2500 utentes/ano.“Temos tido reações muito positivas, dos utentes e dos médicos que gostam de trabalhar neste modelo em que as misericórdias são mais parceiros do que entidade patronal”.O Bata Branca assenta numa parceria tripartida entre as misericórdias, o Ministério da Saúde e os municípios para dar respostas aos cerca de 1,5 milhões de utentes sem médico de família na Grande Lisboa, mas também noutras zonas do país. O sistema é articulado com o Serviço Nacional de Saúde, na medida em que os utentes têm de estar inscritos num centro de saúde e são reencaminhados por estas unidades para estas respostas complementares. Só entre janeiro e maio de 2023 tinham sido realizadas 17 mil consultas ao abrigo deste programa, segundo a UMP. Segundo afirmou o ex-ministro da Saúde do PS, Adalberto Campos Fernandes, aquando da renovação do programa com a ARS – LVT em 2023, o modelo é “uma coligação virtuosa de vontades que responde, neste caso concreto, a uma carência que é real e sentida por milhares de pessoas que vivem nesta zona do país”.