Numa grande reportagem que este mês dá capa à revista Le Nouvel Observateur, a moda do true crime e da investigação amadora faz figura de tema nobre e matéria de análise jornalística – até Marcel Proust vem à baila, enquanto escritor que todos os dias devorava a secção de fait divers dos jornais, tornando-se exemplo perfeito de uma “certa elite” que, hoje como ontem, “adora intelectualizar este género de informação”. A tomar o pulso à atualidade, na dezena de páginas da reportagem fala-se do trabalho das associações de cidadãos investigadores, que em França nunca foram tão bem-sucedidas como agora, e da ligação natural, dir-se-ia imprescindível, desse fenómeno ao das séries e documentários de crimes reais, em abundância no streaming. Uma tendência que se desenvolveu sobretudo durante a pandemia, obrigando-nos “a não desviar o olhar do que mais nos assusta, dentro de uma estrutura codificada que, no entanto, deixa verdades cruéis intactas” (palavras da cronista Mara Goyet). O debate ético foi então dando lugar a um inofensivo prazer de investigação criminal... Neste ambiente propício, o britânico Richard Osman lançou, em 2020, O Clube do Crime das Quintas-Feiras (edição Planeta), que veio a ser o primeiro romance de uma série de “cozy mysteries” (mistérios aconchegantes), contribuindo seriamente para o alavancar desse subgénero da ficção policial. A adaptação do dito best seller chega agora à Netflix, com assinatura de Chris Columbus (o realizador de Sozinho em Casa), produção da Amblin de Steven Spielberg, e um elenco que contém o verdadeiro segredo da diversão: Helen Mirren, Pierce Brosnan, Celia Imrie e Ben Kingsley garantem a postura adequada de uma comédia para a hora do chá. Quem são eles? Quatro reformados que vivem numa imponente casa de repouso, na propriedade Coopers Chase – imagine-se uma mansão estilo Downton Abbey a servir de espaço comunitário para idosos –, onde são permitidos vários tipos de hobbies, incluindo um clube inspirado em Agatha Christie, cujo passatempo é estudar casos arquivados... Mirren surge como ex-agente do MI5, Brosnan veste a camisola de um outrora carismático sindicalista, Imrie é uma ex-enfermeira fascinada por cenas de crime, e viciada na confeção de bolos volumosos (o que dá imenso jeito nos encontros com a polícia), Kingsley fecha o ciclo na pele de um ex-psiquiatra. Quando o filme começa, ainda é um caso arquivado que lhes ocupa a atenção. Mas à medida que se insinuam conflitos entre os coproprietários daquele paraíso campestre, a narrativa precipita-se para um homicídio que põe os membros do clube em ação, desde logo, forjando o acesso privilegiado à investigação da polícia local, claramente a precisar de uma mãozinha. E a graça está aí, no modo como os gestos coordenados destes atores veteranos se deleitam com os clichés do género, e usam da autorreferência para dar mais cor aos retratos individuais: numa ocasião, Helen Mirren veste-se tal e qual a rainha Isabel II (como se fosse passear os corgis), a citar o seu papel de Óscar, ao mesmo tempo que ouve do marido um comentário sobre essa semelhança; ele, com princípio de demência, é interpretado por Jonathan Pryce, que também fez de Duque de Edimburgo na série The Crown. Já Pierce Brosnan parece ter ainda memórias dos gadgets de James Bond... “Velhinhas atentas e dinâmicas” Como mistério assente num jogo de vocabulário e humor policial, O Clube do Crime das Quintas-Feiras prima pela equilibrada leveza e conforto de tudo isto: morte e entretenimento andam de mãos dadas, da mesma maneira que as personagens assumem que estão a brincar (a sério) aos detetives. Num dos diálogos mais ternurentos e cómicos, Celia Imrie diz a Mirren que se sente “num drama de domingo à noite sobre duas detetives velhinhas, atentas e dinâmicas, que enganam a polícia o tempo todo.” Resposta da recém octogenária que foge a sete pés de papéis octogenários: “Nunca mais use as palavras ‘velhinhas atentas e dinâmicas’ na minha presença”. Dado objetivo: em nenhum momento Mirren se deixa caricaturar em função da idade. É uma atriz de elegância prática absolutamente desarmante, num filme que funciona como celebração, pura e simples, do trabalho de equipa na era do individualismo. Claro que, mais do que o rigor de qualquer enigma, o que importa aqui é o bichinho da investigação (sim, um tema nobre!), a aventura conjunta servida com inteligência suficiente no território dos prazeres modestos que é o pequeno ecrã.