Nem a dissolução da Assembleia da República e os três dias de luto nacional pela morte do papa Francisco impediram a sessão solene que assinala a dupla efeméride do 25 de Abril. Não só se vai comemorar o 51.º aniversário da revolução que pôs fim à ditadura do Estado Novo como está em causa a data redonda dos 50 anos das eleições para a Assembleia Constituinte que, menos de um ano depois, aprovou a Constituição da República Portuguesa.Esses dois acontecimentos históricos e a conjuntura política, com eleições daqui a pouco mais de três semanas, deverão dominar os discursos ouvidos na sala de sessões da Assembleia da República, onde se esperam todos os eleitos para a legislatura prestes a terminar, em vez dos 54 deputados com assento na Comissão Permanente. Ultrapassadas as dúvidas iniciais, logo após o chumbo da moção de confiança ao Executivo de Luís Montenegro, todos os partidos com representação parlamentar chegaram ao consenso de que, mesmo em circunstâncias muito particulares, fazia igual (ou ainda maior) sentido manter o modelo da celebração de 2024, quando a data redonda era o 50.º aniversário do dia em que o Movimento das Forças Armadas derrubou Marcello Caetano, sucessor de Oliveira Salazar. Apesar de o Governo ter adiado as comemorações, justificando a decisão com o luto nacional, os ministros vão à sessão solene, na qual haverá um minuto de silêncio e se ouvirá um voto de pesar pela morte do papa Francisco, apresentado pelo presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.Quanto à hipótese de o clima de pré-campanha “contaminar” as intervenções dos grupos parlamentares e da deputada única - os primeiros têm direito a seis minutos, e a última três -, há esperança de que a relevância da dupla efeméride se sobreponha à conjuntura. “Julgo que os partidos saberão dosear a sua mensagem política, para a qual têm plena liberdade, com a circunstância de estarmos a celebrar datas que têm um grande consenso na sociedade portuguesa”, disse ao DN a deputada social-democrata Teresa Morais, vice-presidente da Assembleia da República.Quando a circunstância de o 25 de Abril decorrer com o Parlamento dissolvido foi discutida na Conferência de Líderes, a manutenção da sessão solene “foi decidida sem convulsão e de forma pacífica”, diz Teresa Morais, com esperança de que “todos os partidos consigam fazer a celebração com a dignidade e liberdade que o momento exige”.Entre os três maiores grupos parlamentares, que têm 205 dos 230 deputados em funções, não foi possível apurar o teor das intervenções, mas dificilmente PS e Chega, representados pelos respetivos líderes, Pedro Nuno Santos e André Ventura, vão passar longe do desafio eleitoral de 18 de maio. Do grupo parlamentar do PSD, que há um ano encarregou Ana Gabriela Cabilhas de olhar para os 50 anos da Revolução no prisma da juventude, pode esperar-se uma homenagem à dupla efeméride, cuja importância supera as condicionantes. “Nunca aconteceu haver uma sessão solene do 25 de Abril numa situação em que tivesse sido decretado luto nacional”, diz Teresa Morais. O legado do líder religioso argentino será evocado no voto de pesar de José Pedro Aguiar-Branco, e numa das primeiras intervenções. O líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, revelou ao DN que fará uma referência ao papa Francisco antes de se centrar nos 50 anos das primeiras eleições livres e com sufrágio universal, que deram origem à Assembleia Constituinte, “na qual o CDS teve um papel ativo e determinante”, até porque os seus deputados foram os únicos a votar contra a Constituição da República Portuguesa, a 2 de abril de 1976, em clara discordância com um texto final que previa a “transição para o socialismo”.Admitindo que será muito difícil que a sessão não tenha intervenções que deixem patente a “leitura política de cada partido” em relação à situação atual, Núncio defende a decisão de manter a cerimónia nos moldes que teve no ano passado. E faz um paralelismo com outra das “datas marcantes do nosso processo democrático”, que teve pela primeira vez uma sessão solene por iniciativa do CDS-PP: “Se as eleições tivessem sido marcadas para meados de dezembro, entendo que se justificaria continuar a celebrar o 25 de Novembro.” Pela Iniciativa Liberal (IL), que terá a intervenção a cargo do líder, Rui Rocha, o 50.º aniversário das eleições para a Assembleia Constituinte ganha preponderância. “Num momento em que os portugueses se preparam para escolher, de novo, quem os representa, lembrar o dia em que conquistámos esse direito é essencial. Foi nesse dia que a liberdade passou das ruas para as urnas, devolvendo aos portugueses a escolha do seu destino político, com eleições livres, partidos políticos e liberdades individuais asseguradas”, diz fonte do grupo parlamentar.Defendendo que “é nos dias de maior agitação política que devemos lembrar que tudo começa com a liberdade, e que essa liberdade não é um dado adquirido, mas sim um valor pelo qual devemos lutar todos os dias”, os liberais dizem que as circunstâncias “tornam ainda mais urgente” a celebração.“Não basta recordar a Revolução. É preciso reafirmar, com convicção, o seu legado, que é a liberdade, mas também a responsabilidade de defender a democracia que conquistámos”, realça a IL, vendo a celebração como “um apelo à confiança, à participação e à exigência”, que ocorre “num tempo em que muitos portugueses se sentem afastados da política, desiludidos com os partidos e descrentes nas instituições”..Passado e futuro à esquerda.Já o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, realça que aquilo a que se assistirá hoje poderia ter sido adiado para 2026, devido à dissolução da Assembleia. “Esteve mesmo para acontecer, porque na primeira reunião da conferência de líderes o Bloco foi uma das poucas vozes que defendeu a manutenção da sessão solene do 25 de Abril”, diz o deputado, para quem “seria duplamente incompreensível” que não se realizasse.Fabian Figueiredo diz que para o desfecho positivo contribuiu o facto de muitas vozes na sociedade civil se terem manifestado favoravelmente quanto à sessão solene, “que ninguém no campo democrático compreenderia que não se realizasse”, na medida em que “a democracia não está dissolvida”. “Seria contraditório que existir campanha impedisse a sua realização”, diz o bloquista, destacando a importância do 50.º aniversário das eleições, em que “os portugueses e as portuguesas tiveram, em condições de igualdade, a possibilidade de expressarem a sua opinião através do voto”. Sobretudo quando se vivem tempos de “ameaças ao regime democrático em cada vez mais países”.A coordenadora bloquista, Mariana Mortágua, vai deixar na sessão solene “uma mensagem de esperança, de força, de resistência e de resposta aos desafios do presente, aos perigos que se enfrentam em Portugal e no mundo, mas também uma mensagem de alternativa, de convicção de que está na mão das portuguesas e dos portugueses mudarem a sua vida para melhor”. Nada que Fabian Figueiredo não espere de outras bancadas, sendo normal que os discursos “se centrem nos desafios do presente e do futuro, que como é evidente tem paragem obrigatória no 18 de maio”.Também à esquerda, a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, salienta que “uma das conquistas da Revolução de Abril foram os direitos políticos”, pelo que os 50 anos das eleições para a Constituinte devem ser salientados. Desde logo, por terem servido para aprovar a Constituição “que consagrou as conquistas, os valores, os direitos políticos, económicos e sociais e culturais” que, “apesar de mutilados, ainda hoje prevalecem e devem ser presente e futuro” em Portugal.Na intervenção do grupo parlamentar comunista, que estará a cargo do deputado António Filipe, além da evocação do acontecimento que derrubou a ditadura, será feita “a defesa dos valores e das conquistas de Abril”, realçando-se as muitas dificuldades que existem no acesso à saúde e à habitação, e a existência de “soluções para garantir que são efetivamente para todos”.Pelo Livre fala a líder parlamentar Isabel Mendes Lopes, com o partido a querer passar a ideia de que “temos um passado para honrar e temos de conseguir fazer o nosso futuro”. Algo que se traduz, na data em que a Assembleia da República celebra os 50 anos das primeiras eleições livres, “na defesa do Estado Social enquanto criação conjunta”, pois “a liberdade só existe quando é partilhada e quando todos dela beneficiam”. Até porque, defende a deputada, “estas sessões solenes não são apenas para comemorar o passado e servem também de ponto de reflexão para o futuro”, numa altura em que se irão realizar “eleições importantes, porque vão condicionar os próximos anos de Portugal”.Por último, a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, centrará a intervenção naquilo que ainda falta realizar, após mais de meio século de regime democrático, nomeadamente no que toca aos direitos dos animais ou à persistência dos casos de violência doméstica.