A canadiana que quer continuar a fazer frente a Donald Trump
Justin Trudeau deitou a toalha ao chão. Mark Carney, vencedor das eleições internas do Partido Liberal, vai procurar nas eleições de dia 28 a validação popular para continuar como primeiro-ministro numa nova legislatura. Já o rosto da continuidade do governo liberal do Canadá, um país que de supetão se viu ameaçado pelo vizinho, é a chefe da diplomacia. Mas mais do que isso, é quem leva o seu país para a frente da resposta à guerra comercial desencadeada por Donald Trump. “Não só estamos a liderar o processo, como somos o país que mais impôs contratarifas aos produtos americanos”, disse em entrevista à Euronews antes de Estados Unidos e China terem entrado na atual espiral retaliatória. Para Mélanie Joly, a solução passa por responder de forma igualmente dura e em articulação com outros países e, a montante, com os cidadãos norte-americanos a protestarem. “São quem pode criar a pressão política dentro do seu próprio sistema para garantir que a mudança ocorra”, crê.
Joly, de 46 anos, é natural de Montreal, na província francófona do Quebeque. Filha de um contabilista que gere as contas do Partido Liberal do Quebeque e tendo como madrasta uma política daquele partido, teria sido natural que seguisse o trilho familiar. Acabou por fazê-lo, mas antes andou a debater em coletivos. Em 2013, 10 anos depois de ter obtido uma pós-graduação em Direito em Oxford, deixada a advocacia e as relações públicas para trás, cria um movimento político local e concorre para a presidência da Câmara de Montreal com uma mensagem de combate à corrupção. Apesar de não ser conhecida do grande público, ficou em segundo lugar. Em paralelo, conheceu o realizador Alexandre Trudeau, irmão de Justin, tendo participado na equipa da campanha vitoriosa à liderança do Partido Liberal.
Acabou por aceitar o cargo de ministra dos Negócios Estrangeiros. Um mês depois engravidou, mas acabou por sofrer um aborto espontâneo.
Dois anos depois troca a política local e concorre ao cargo de deputada. Não só é eleita, como faz parte do primeiro governo paritário, como ministra do Património. Uma estrela política em ascensão, é considerada a dirigente liberal “mais soalheira”. No entanto, um acordo realizado com a Netflix para produzir conteúdos no Canadá não salvaguardou o financiamento de produções em língua francesa. Debaixo de fogo, mudou de pasta numa remodelação governamental, em 2018, para o Turismo, no que foi considerado uma despromoção. Mas Joly deu a volta. No ano seguinte é-lhe confiada o Desenvolvimento Económico e, dois anos depois, em 2021, assumiu os Negócios Estrangeiros. Ao The New York Times contou ter recusado o convite porque a vida diplomática não se coadunava com a sua tentativa de engravidar através da fertilização in vitro. Trudeau insistiu: “Se engravidares vais enviar uma mensagem fantástica ao mundo.” Aceitou e um mês depois engravidou, mas acabou por sofrer um aborto espontâneo. Apesar da contrariedade, Joly não desistiu. Continua a receber tratamentos de fertilização. Na política, idem. Antes da crise iniciada por Trump, que tem provocado os canadianos com a ideia de estes serem anexados como o 51.º estado dos EUA, Joly teve de lidar com Pequim e Nova Deli.
A relação com os chineses já se deteriorara com a detenção da filha do fundador da Huawei, mas agravou-se com Joly a acusar Pequim de interferência nas eleições canadianas e de genocídio dos uigures. Com a Índia a crise foi mais grave, depois de um líder sikh que advogava por um estado independente ter sido assassinado na Columbia Britânica, em 2023. Otava acusou o governo indiano de envolvimento no crime e Joly deu ordem de expulsão a vários diplomatas.
Com o eleitorado descontente com o rumo da economia e um Trudeau desgastado, a ministra mostrava-se solidária com o líder, mas advertia que “a classe média está a sofrer” e que o governo tinha de se “adaptar”. Mais tarde, com a demissão de Trudeau, Joly recusou concorrer à liderança porque não quis desistir a meio do seu mandato. “Estou pronta para ser a primeira mulher a liderar o Partido Liberal do Canadá? A resposta é sim. E a segunda pergunta é: estou pronta para deixar de lado as minhas responsabilidades como ministra dos Negócios Estrangeiros num momento crucial nas relações entre o Canadá e os Estados Unidos? A resposta é não.”