Representantes de 120 países e regiões assistem à cerimónia de homenagem às vítimas do bombardeamento de Hiroxima, um número recorde, mas à qual estão ausentes Estados com armas nucleares como a Rússia, a China, a Coreia do Norte e o Paquistão, prova da multiplicação do poder atómico bem como dos seus riscos. Na última declaração do Boletim dos Cientistas Atómicos sobre o relógio do apocalipse - um cenário criado em 1947 para alertar sobre a hipótese de a humanidade desaparecer - a contagem indica 89 segundos para a meia-noite, o valor mais próximo de sempre do desastre, graças às ameaças da Rússia à Ucrânia. Ao anunciar o lançamento da primeira bomba atómica, o presidente dos EUA Harry Truman disse que iria instruir o Congresso sobre “como a força atómica poderá vir a ter uma imensa influência na manutenção da paz mundial”. Ou seja, Truman aludiu a um conceito que mais tarde foi cunhado de “força de dissuasão”, o paradoxo de que as potências dotadas de armas nucleares previnem um ataque entre elas por se temer a retaliação com meios semelhantes, assegurando a destruição mútua. .A “extremamente cruel” bomba atómica foi lançada há 80 anos.Esta teoria, porém, expõe o mundo a riscos tremendos. Enquanto candidatos à presidência o republicano George W. Bush e mais tarde o democrata Barack Obama fizeram passar uma mensagem igual: “Manter armas nucleares prontas a disparar num piscar de olhos é uma perigosa relíquia da Guerra Fria. Tais políticas aumentam o risco de acidentes catastróficos ou de erros de cálculo”, advertiu Obama. No entanto, apesar de ter defendido um mundo livre de armas nucleares - tendo motivado a entrega do Prémio Nobel da Paz -, nada fez para alterar a política de “lançamento ao alerta”, ou seja, de atacar automaticamente o país assim que sensores de alerta avisam para um ataque nuclear iminente. Essa política foi instituída na Guerra Fria, depois de em 1946 o Estado-Maior-General dos EUA ter pedido uma avaliação da bomba atómica como “arma militar” - ao que o relatório da comissão constituída por militares e cientistas concluía: “A única alternativa para os Estados Unidos é continuar a fabricar e armazenar armas” para manter a superioridade face a eventuais inimigos. A União Soviética beneficiou dos serviços do físico Klaus Fuchs, que trabalhou no Projeto Manhattan (programa de desenvolvimento das primeiras bombas atómicas) e passou os planos a Moscovo. Em 1952, quando os EUA anunciam a bomba H, ou bomba de hidrogénio - cujo protótipo equivalia à potência de mil bombas como a deflagrada em Hiroxima -, os militares norte-americanos já tinham 841 bombas armazenadas e a URSS 50. Em 1967, os EUA acumularam 31.255 bombas nucleares, o máximo de sempre. Desde então, o número foi baixando e os acordos sobre desarmamento com a União Soviética/Rússia, que visavam a paridade entre as duas superpotências levou a que, em 2023, cada país tinha em estado de prontidão à volta de 1770 armas nucleares, entre silos e submarinos.À União Soviética seguiram-se Reino Unido - tinha participado no Projeto Manhattan - em 1952, França, China e Israel nos anos 60, a Índia em 1974 e o arquirrival Paquistão em 1998, e a Coreia do Norte em 2006. No total, estes países são responsáveis por mais de 2 mil explosões nucleares, quer na superfície quer no subsolo. A África do Sul desistiu do seu programa, enquanto o Iraque, a Líbia e a Síria foram forçados externamente a pôr fim aos seus programas clandestinos. Com o desmantelamento da União Soviética, o Cazaquistão, a Ucrânia e a Bielorrússia cederam as suas armas em troca de garantias de segurança. O Memorando de Budapeste assegurava a soberania e independência dos três países por parte dos restantes signatários (EUA, Reino Unido e Rússia). Minsk entretanto acordou receber armas nucleares táticas no seu território. A guerra na Ucrânia potenciou a tensão nuclear. O líder russo Vladimir Putin, que promulgou no ano passado a mudança da doutrina nuclear de forma a ter uma maior amplitude de uso do seu arsenal, afirma não estar a ameaçar, mas a seguir a política de dissuasão. A Voice of America, antes de ser desmantelada pela administração Trump, contou em dezembro passado 135 ameaças nucleares de Moscovo desde o início da invasão à Ucrânia.