Beto, o anti-Trump do Texas de olho na Casa Branca

Congressista quer tirar a Ted Cruz o lugar no Senado, num estado que há 20 anos não vota democrata. Comparado a Robert Kennedy ou Ronald Reagan, há quem veja nele o anti-Trump.
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Até há bem pouco tempo, o nome de Beto O'Rourke era quase desconhecido para qualquer pessoa fora do seu distrito no Texas. Mas tudo mudou no dia em que o congressista democrata respondeu a uma pergunta num comício sobre os jogadores de futebol americano que ajoelham durante o hino nacional em protesto contra a violência racial. "Não, não acho que seja falta de respeito", respondeu Beto O'Rourke, mas, sublinhou, sim, os americanos podem discordar sobre este assunto. E depois de recordar os principais momentos da luta pelos direitos cívicos dos negros nos anos 1960 e de os comparar aos sacrifícios dos militares, explicou que para ele "não há nada mais americano do que erguer-nos ou ajoelharmo-nos pacificamente pelos nossos direitos".

Veja aqui o vídeo:

O vídeo deste momento tornou-se viral e o congressista que espera desalojar Ted Cruz do seu lugar no Senado nas eleições intercalares de novembro ganhou aura de estrela em ascensão num Partido Democrata em busca de identidade na era de Donald Trump. Robert Kennedy, Ronald Reagan, são várias as figuras - neste caso de ambos os partidos - a que Beto (assim, já sem apelido) tem sido comparado nos media.

Jovem - fez 46 anos nesta semana -, alto, elegante, bom ouvinte e melhor orador, não espanta a comparação com o irmão do presidente John Kennedy, morto em 1968 em plena campanha presidencial, apenas cinco anos após o assassínio do irmão. Já com Reagan, o ator tornado presidente, Beto tem em comum um otimismo contagiante e essa capacidade para discordar dos adversários sem entrar em rutura.

Traço de personalidade ou imagem pensada? Um pouco das duas talvez. Mas a verdade é que este descendente de irlandeses, nascido e criado em El Paso, junto à fronteira com o México, e fluente em espanhol tem lamentado a polarização da sociedade e da política americana.

Este apelo bipartidário não impede Beto de se apresentar como um progressista liberal. Membro da Comissão das Forças Armadas e da Comissão dos Assuntos dos Veteranos da Câmara dos Representantes desde 2012, quando foi eleito para representar o 16.º distrito do Texas no Congresso, tem-se destacado na defesa do acesso gratuito à saúde para os veteranos. E para todos os americanos, na verdade. Beto propõe a legalização da marijuana, é um crítico da alta finança, defende um aumento dos impostos para os mais ricos e tem-se oposto à política de imigração de Trump, sobretudo a separação de famílias, mas também a construção do muro na fronteira com o México. Com um argumento que os próprios republicanos têm reconhecido como válido: os direitos de propriedade dos donos das terras por onde a obra deve passar.

Recusando usar dinheiro dos Super PAC (Comités de Ação Política, ou seja, organizações privadas que financiam as campanhas dos candidatos), Beto gosta de lembrar que na sua campanha para o Senado já visitou todos os 254 condados no Texas. "Democratas, republicanos, independente, abstencionistas - todos devem unir-se pelas nossas comunidades, o nosso estado, o nosso país", escrevia o congressista no Twitter a 10 de agosto. Não desprezar ninguém, portanto.

Afinal Beto sabe que precisará de todos os votos possíveis se quer derrotar Ted Cruz, candidato derrotado por Trump na corrida à nomeação republicana nas presidenciais de 2016. Porquê? Há 20 anos que o Texas não vota democrata numas eleições e há 30 que não elege um democrata para o Senado. As sondagens, no entanto, mostram que isso pode estar prestes a mudar. Talvez por influência dos 39% de hispânicos - uma comunidade em expansão, que em termos nacionais já conta para quase 18% dos 330 milhões de habitantes cujo peso irá crescer nas próximas décadas. As últimas sondagens, compiladas pelo site Real Clear Politics, dão apenas menos de cinco pontos de vantagem a Cruz sobre Beto.

Facilmente identificável por todas as gerações de homens brancos, a sua infância texana é, no entanto, uma arma para Beto. Até o diminutivo que usa desde criança - o seu nome de batismo é Robert Francis O'Rourke - é uma vantagem frente a um adversário cujos pais até emigraram de Cuba para os EUA, mas que confessa ter o espanhol um pouco enferrujado.

No debate entre os dois, em Dallas, quando desafiado a identificar uma coisa que admiram no adversário, Beto mostrou o seu lado mais gracioso ao afirmar: "Não tenho dúvidas de que o senador Cruz quer o melhor para a América, e que trabalha para isso mesmo sacrificando a sua família e os seus filhos. Obrigado, senador Cruz, pelo seu serviço à nação."

A resposta de Cruz foi bastante menos graciosa. Para o senador, o que mais aprecia no rival é que "é absolutamente sincero, como Bernie Sanders [o candidato à nomeação democrata derrotado por Hillary Clinton em 2016 e autodenominado socialista], quando diz que acredita em mais governo e no aumento de impostos". Ao que O'Rourke retorquiu: "Verdade!"

Veja aqui o debate:

Punk rock, detenções e política

Texano de quarta geração, Beto conciliou os estudos com paixão pelo punk rock, tendo sido baixista numa banda chamada Foss. No início dos anos 1990, o grupo chegou a lançar um álbum chamado The El Paso Pussycats.

Veja aqui uma atuação dos Foss:

Formado em Literatura Inglesa na Universidade de Columbia, mudou-se para Nova Iorque em meados dos anos 1990, tendo trabalhado numa empresa de telecomunicações. De volta ao Texas, entrou para a política em 2005, na Câmara de El Paso. Sete anos depois, era eleito para o Congresso. Antes disso, teve alguns problemas com a justiça, tendo sido detido duas vezes: uma por assalto, após saltar a vedação da Universidade de El Paso, outra por conduzir sob o efeito do álcool. Ambas as acusações foram retiradas. E se os seus apoiantes veem nestes casos devaneios de juventude, os críticos acusam os media de encobrir os problemas judiciais do candidato.

Casado e pai de três filhos, Beto impôs-se nas últimas semanas no panorama político americano. Foi convidado de programas televisivos como Ellen ou The Late Show with Stephen Colbert e há já quem veja nele um novo Barack Obama e a melhor hipótese dos democratas para reconquistar a Casa Branca em 2020. Ele, em entrevista ao Texas Tribune, garantiu que não, que se for eleito para o Senado, irá cumprir o mandato de seis anos. Mas num longuíssimo artigo, a Vanity Fair questionava: "Será Beto O'Rourke a resposta da esquerda ao estilo Obama para responder a Trump em 2020?"

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