"O país tem de estudar a canalização da água de Norte para Sul"
As autarquias do Algarve ponderam racionar a água na rede de abastecimento público?
A gestão dos recursos hídricos é da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Mas o racionamento da água é uma hipótese em aberto se o ano hidrológico que agora começou não trouxer chuva suficiente. Será uma decisão da APA em articulação com as câmaras municipais.
Uma das medidas de racionamento é a fixação de uma quantidade mensal máxima de água por família e, a partir daí, cobrar mais por metro cúbico. Concorda?
Sim. Será possível fixar um valor máximo por família, por exemplo 10 ou 15 metros cúbicos por mês (10 ou 15 mil litros), ao preço normal. A partir deste escalão, o preço da água consumida aumentaria para o triplo ou o quadruplo. Isto obrigaria os consumidores a não desperdiçarem água. Os cortes temporários de água têm um efeito imprevisível -- provavelmente, desastroso -- sobre as redes, uma vez que a pressão negativa provocaria várias roturas na rede. Os cortes no abastecimento, mesmo temporários, é uma medida pouco prudente.
Pode vir a ser proibido o enchimento de piscinas com água da rede pública?
É desejável, mas não vejo que seja possível. As piscinas não têm um contador próprio. Numa primeira fase, devia ser possível acabar com os segundos contadores -- normalmente, para a rega de jardins e enchimento de piscinas -- que têm um tarifário mais favorável, uma vez que não recai sobre o consumo o pagamento tas taxas de resíduos.
Os grupos hoteleiros estão a fazer tudo para deixarem de utilizar a água da rede para regar os campos de golfe?
Fazem muito pouco. Os grupos hoteleiros continuam a ter espaços verdes com grande consumo de água e não se adaptaram. Em alguns locais do Algarve, em vez de reverem a paisagem ao redor dos seus empreendimentos, começaram a utilizar água de furos. Nalguns casos, os furos são autorizados. Noutros casos, nem por isso. Basta ver como algumas das zonas mais turísticas do Algarve continuaram verdejantes à volta dos hotéis em contraponto com muitos dos jardins públicos.
O turismo não pode ficar sem água nas torneiras...
A questão vai ser difícil de gerir quando tivermos de definir um consumo médio aceitável por unidade hoteleira. Quando chegarmos a este ponto, isto terá um tremendo impacto económico e social no Algarve que deixará marcas por alguns anos.
O futuro está nas centrais dessalinizadoras?
A Comunidade Intermunicipal do Algarve tem vindo a defender, desde 2019, a necessidade de a região ter maior resiliência e não ficar à espera de que chova. Fomos visitar alguns exemplos na costa espanhola, em regiões de grande pressão turística, como a Província de Alicante, onde já funcionam há anos centrais dessalinizadoras. Muitas funcionam apenas metade do ano. Não pode é faltar água. Em Portugal, o Ministério do Ambiente e a entidade Águas de Portugal levaram muito tempo em "negação" e a assobiarem para o lado. Finalmente, temos uma central projetada para Albufeira. Levámos muito tempo a perceber que o sistema assente em barragens - que funcionou durante mais de 25 anos -- não estava dimensionado para ciclos de seca de sete a oito anos, mas apenas para ciclos mais curtos de três a quatro anos. A Comunidade Intermunicipal defende que se estude já a localização de uma outra dessalinizadora, a Sotavento, igualmente com capacidade para produzir 24 hectómetros por ano, o que daria uma capacidade de produção de cerca de 48 hectómetros ano, mais de 60 por cento do que é o normal consumo urbano, que é de cerca de 80 hectómetros ano. E não me venham dizer que a água das dessalinizadoras é muito cara. Pergunto: mais cara do que qual -- daquela que não temos? E qual é o preço a pagar de não a ter?
O que é que os autarcas defendem que não está a ser feito pela Agência Portuguesa do Ambiente?
A APA tem estado a fazer a gestão possível, mas são necessárias tomar medidas mais difíceis. No curto prazo só há duas coisas a fazer: esperar que chova e gastar menos. Nós, autarcas, não aceitamos o "fado" de que o Algarve não tem água para a agricultura ou para o golfe no Algarve. Compreendo as duras e difíceis medidas para o setor agrícola, ao qual nos juntamos na revindicação de apoios à perda de produção, mas a médio e a longo prazo temos de ter mais água disponível.
Como é que o Algarve pode vir a ter mais água?
É urgente a construção da Barragem da Foupana e o aceso à água do Guadiana. Mas temos de ser mais ambiciosos se queremos um Algarve com maior diversificação económica. O preciso estudar a hipótese de se canalizar água do Norte para o Sul do país, de forma ambientalmente segura e economicamente sustentável, a um preço que o setor agrícola possa pagar. Mas defendemos também a alteração clara do regime privado para o regime público das águas subterrâneas. Tem de haver uma relação entre área de cultivo e consumo de água. Defendemos mesmo uma regulação do setor agrícola pela via do licenciamento.