Ressaca. Não há cura milagrosa, mas há formas de sofrer menos
O dia 1 de janeiro é o início de um novo ano, mas, para muitos, é também sinónimo de ressaca. A manhã seguinte a uma noite de festa, como a que celebra a chegada do Ano Novo, pode significar dor de cabeça, tonturas, dores musculares, náuseas, desidratação. No fundo, um mal-estar generalizado que leva algumas pessoas a não querer sair de casa, nem deixar a cama, à espera que a maldita ressaca passe.
Há, no entanto, formas de minimizar os efeitos da ressaca e o desconforto que provoca, mas ainda não foi encontrada uma cura. "Porque não temos a certeza absoluta do que causa a ressaca", justifica Sean Johnson, investigador que se debruça sobre o álcool e os seus efeitos na Universidade do Oeste de Inglaterra, em Bristol, à revista Time . "Não há uma compreensão firme sobre o que acontece no corpo entre o consumo de álcool e acordar sentindo-se uma porcaria", acrescentou.
Uma das explicações está relacionada com o processo de assimilação do álcool pelo organismo, o que varia de pessoa para pessoa, consoante a idade e as bebidas ingeridas.
De acordo com o especialista, membro do Alcohol Hangover Research Group (AHRG), os sintomas da ressaca atingem o seu auge quando a concentração do álcool chega a zero, o que acontece 12 a 14 horas após o último consumo. Ficam no organismo as toxinas resultantes do processo de assimilação do álcool.
Contactada pelo DN, a nutricionista Ana Ni Ribeiro explica que "nos primeiros dez minutos após beber, o corpo vê o álcool transformar-se em veneno, o acetaldeído, e tenta livrar-se dele o mais rápido possível. Essa substância é resultado da ação de uma enzima presente no fígado, que destrói a molécula do álcool".
Esclarece que se forem consumidas apenas algumas doses "o período de ação do acetaldeído é curto e os estragos são menores, pois ele é atacado por outra enzima, o aldeído-desidrogenase, junto com outra substância, a glutationa, que transformam o acetaldeído em acetato, uma espécie de vinagre, não tóxica".
Mas quando se bebe em excesso, a situação altera-se e o nosso corpo reage. "A glutationa armazenada no fígado não é suficiente para uma grande quantidade de bebida alcoólica, deixando o acetaldeído por mais tempo no organismo. O que ele causa? Além de aumentar a pressão arterial, pode causar derrames, mas, mais comummente, causa fadiga, náuseas, irritação do estômago, dor de cabeça. É a chamada ressaca", conta a autora do blogue A Nitricionista.
Isso mesmo referiu à Times Sally Adam, membro do AHRG e professora assistente de Psicologia na Saúde da Universidade de Bath. "A ressaca é o resultado de substâncias tóxicas, como o acetaldeído, derivadas do metabolismo do álcool, e contribuem para que nos sintamos suados e enjoados."
Aliás, Sally Adam liderou um estudo no qual se afirma que a ressaca pode ter "sérias consequências para o desempenho de atividades diárias, como conduzir", referiu a especialista. O trabalho dos investigadores da Universidade de Bath, noticiado pelo jornal Expresso , revela que os tempos de reação podem ser quase 20% mais lentos para pessoas do que estão de ressaca, com pouco ou nenhum álcool no seu sistema. Acrescenta-se a isto a redução da concentração e da memória, diz o estudo. Tudo isto somado pode prejudicar gravemente a capacidade de controlar um veículo, concluiu o estudo.
No fundo, explica a nutricionista Ana Ni Ribeiro, "a ressaca aparece quando o fígado não consegue concluir o processo de metabolização do álcool". Processo esse que é feito em duas etapas: "O etanol é transformado em acetaldeído (substância tóxica responsável pelos sintomas da ressaca), que depois passa a acetato. Só que o fígado só consegue metabolizar uma bebida por hora. Se passar disso, o corpo vai acumular acetaldeído."
E à medida que a idade avança a situação piora. "Mais tempo o fígado precisa para desencadear o processo de desintoxicação. Logo, maior concentração de acetaldeído no corpo", justifica a nutricionista.
Mas as más notícias continuam e atingem as representantes do sexo feminino. "As mulheres ficam mais suscetíveis aos efeitos do álcool porque, fisiologicamente, têm mais gordura retida no organismo, o que acaba por repelir a absorção do álcool pelas células, fazendo que ele permaneça por mais tempo na corrente sanguínea. Isso faz que os seus órgãos estejam mais tempo expostos aos seus efeitos nocivos, principalmente os mais sensíveis, como cérebro, fígado e coração", exemplifica.
Não há uma cura milagrosa, mas pode atenuar as consequências de se ter bebido demais no dia anterior.
Aliás, pode até começar por ter uma atitude preventiva, já a pensar no dia a seguir ao consumo excessivo de álcool.
"Para evitar a desidratação, é indicado que se tome, a cada hora, pelo menos um copo de água. Essa dica funciona ainda para retardar a absorção do álcool, dilui a bebida e ainda faz que bebamos menos, o que acaba por resultar em uma diminuição da ressaca", aconselha a nutricionista Ana Ni Ribeiro.
Mas há mais que pode fazer e a alimentação tem um papel fundamental para diminuir o mal-estar generalizado após uma noite de excessos.
Espargos são aliados. Ana Ni Ribeiro conta que, de acordo com investigadores coreanos, "os espargos verdes podem reduzir os efeitos do álcool e tornar a ressaca mais 'suportável'". "Após exporem um grupo de células hepáticas humanas ao extrato de espargos, verificaram que este suprimia os radicais livres e multiplicava por mais de dois a atividade das enzimas que metabolizam o álcool. Desta forma, já pode recuperar antes mesmo de começar a beber", afirma a nutricionista. E dá uma sugestão de como comer estes vegetais: "Experimente espargos assados com um pouco de azeite."
Escolher as bebidas a ingerir. Pode ser um bom começo optar por ingerir bebidas de cor clara, como o gin ou vodka, e evitar as de cor escura, como uísque ou brandy. Isto por causa dos químicos que resultam da fermentação que dão cor e sabor às bebidas. Não se livra da ressaca se optar por bebidas claras, é certo, mas o consumo de bebidas licorosas e escuras agravam os sintomas de mal-estar do dia a seguir, como refere a revista Times.
Pão e cereais. No dia a seguir a ter bebido demais, se conseguir coma pão e cereais porque ao consumir alimentos ricos em hidratos de carbono está a repor lentamente os níveis de glicose.
Laranja. De acordo com Ana Ni Ribeiro, o sumo de laranja "fornece vitamina C e frutose, que ajudam o fígado a digerir o álcool".
Iogurte com banana. Para a nutricionista esta dupla "garante vitamina B5 (os seus níveis baixam com o excesso de álcool) e B6, que diminui a ressaca e ajudam a repor os níveis de magnésio e potássio".
Omelete. A explicação deve-se ao facto de o ovo ser uma "fonte de cisteína". "Esta proteína combate uma substância tóxica (acetaldeído), que é produzida no processamento do álcool pelo fígado", diz Ana Ni Ribeiro.
Beber chá de gengibre e de limão com mel. Para "melhorar dos enjoos e das tonturas", a nutricionista recomenda chá de gengibre. Já o chá de limão com mel "é também boa opção e ajuda a repor os níveis de açúcar no sangue". Deve evitar os estimulantes, que "apenas irão provocar uma sobrecarga no sistema nervoso central", afirma.
Arroz branco. "É um dos melhores remédios caseiros para a ressaca", considera a especialista em nutrição. "Além do mais, poderá ser uma das poucas coisas que conseguirá comer se estiver maldisposto", diz.
Beber muita água. Acordar com a boca seca é um dos sintomas que afetam muitos do que têm de lidar com a ressaca. O álcool é diurético, o que leva a níveis elevados de desidratação no organismo, o que contribui para o mal-estar generalizado. Aliás, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode provocar suores e vómitos, o que leva a perda de líquidos corporais. "Para melhorar o seu estado beba muitos líquidos. A água e as bebidas isotónicas são essenciais para que se mantenha hidratado", diz Ana Ni Ribeiro.
Para repor os níveis de energia, a nutricionista sugere "um caldo de vegetais, que inclua batatas, aipo, abóbora, beterraba e cenouras".
Os frutos e as verduras são "essenciais". Afinal, são "ricos em vitaminas e fotoquímicos antioxidantes, e muitos ajudam a debelar as dores de cabeça e o excesso de toxinas acumulado", que provocam os desagradáveis sintomas da ressaca, realça a especialista em nutrição.
Um estudo de 2015 concluiu que um simples sumo de pera pode ser a solução para acabar com a ressaca ou pelo menos atenuar os sintomas. Parece mentira, mas este foi o resultado do trabalho levado a cabo por investigadores da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organizational, uma organização de pesquisa cientifica do governo australiano.
Os cientistas descobriram que as pessoas que beberam 220 mililitros de sumo de pera asiática antes de começarem a ingerir álcool tiveram uma redução ou mesmo nenhum sintoma da ressaca. Isso deve-se ao facto de as peras coreanas conterem enzimas que aceleram o metabolismo do álcool e inibem a absorção do álcool. "Com o consumo do sumo de pera, observaram-se reduções nos níveis de acetaldeído no sangue, o metabólico tóxico considerado responsável pelos sintomas da ressaca", explicou a investigadora Manny Noakes, que liderou o projeto.
A boa notícia surgiu neste verão e a concretizar-se pode acabar com as dores de cabeça e enjoos depois de uma noite de excessos no consumo de álcool. Yunfeng Lu, um professor de Química e Engenharia Biomolecular da Universidade da Califórnia, nos EUA, idealizou um comprimido contra a ressaca que foi testado em ratos alcoolizados. E os resultados deste antídoto são promissores: conseguiu reduzir a quantidade de álcool no sangue em 45% em apenas quatro horas e os níveis de acetaldeído mantiveram-se baixos, reduzindo o risco de toxicidade do álcool no organismo.
O antídoto foi desenvolvido em parceria com o professor Cheng Ji, especialista em doenças hepáticas, e tem como base as enzimas naturais do nosso organismo. "Escolhemos três enzimas naturais que convertem o álcool em moléculas inofensivas que são então expelidas", explicou Yunfeng Lu. Falta agora testar o comprimido em humanos.
É um mito que não corresponde à verdade dizer que a melhor solução para curar uma ressaca é beber mais álcool. "Apenas mascara os sintomas. Eles vão aparecer, eventualmente", afirma à revista Time Laura Veach, investigadora da Wake Forest School of Medicine, da Carolina do Norte. A realidade é que mais álcool vai apenas atrasar o inevitável, uma ressaca bem pior.