Marshall. Um biquíni nuclear
Mala de viagem (114). Um retrato muito pessoal das ilhas Marshall.

A palavra biquíni é derivada do nome de uma região deste país insular. Em 1946, o francês Louis Réard surgiu com um maiô tão escandaloso que nenhuma modelo concordou em usá-lo por expor a barriga. Por conta disso, ele considerou a sua criação uma verdadeira "bomba" e decidiu nomeá-la em referência ao Atol de Bikini, onde os Estados Unidos da América faziam testes nucleares nesse mesmo ano. Só que a ilha ficou sem população e ainda hoje apresenta níveis altos de radiação após uma sequência de testes nucleares. Eu estava no encontro de especialistas em turismo da Nova Zelândia, já aqui referenciado, quando o participante das ilhas Marshall lançou um alerta: "Como é que podemos conciliar o turismo com os impactos dos testes nucleares norte-americanos, que ainda perduram no nosso país?" O nome deste país deriva do explorador britânico John Marshall, que visitou a região em 1788. As ilhas eram anteriormente conhecidas como "jolet jen Anij" (presentes de Deus). Elas pertencem à Micronésia, cujos vizinhos mais próximos são Quiribati, a sul, os Estados Federados da Micronésia, a oeste, e a ilha Wake, pertencente aos Estados Unidos da América, a norte. Marshall compreende 29 atóis e 5 ilhas, agrupadas em duas secções, uma oriental chamada Ratak Chain, que significa nascer-do-sol, e outra, a ocidente, Ralik, que significa pôr-do-sol. Dois terços da população vivem em Majuro, a capital. Embora tenha a Constituição de República, este território é um Estado Livremente Associado aos Estados Unidos da América. Depois de quase quatro décadas sob administração norte-americana, Marshall alcançou a independência, em 1986, a partir da qual o Governo reforçou os pedidos de indemnização como resultado dos testes nucleares conduzidos pelos norte-americanos em alguns dos atóis. De 1946 a 1958, detonaram 67 bombas atómicas nas ilhas. Durante um teste de bomba de hidrogénio, a ilha de Elugelab foi literalmente explodida. O palestrante referiu, ainda, que muitas ilhas são vetadas ao turismo, mesmo para os nativos. Kwajalein, lugar de batalha na Segunda Guerra Mundial, é hoje uma base de testes de mísseis dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo que perdura uma economia de subsistência, com base na agricultura e na pesca, a prática do turismo tem sido marcada pelo produto associado ao mergulho, pela rica vida marinha, com mais de mil espécies de peixes catalogadas. No entanto, o turismo é escasso, concluindo aquele responsável: "Não podemos espantar os potenciais turistas com o estigma das radiações, embora seja triste saber que ainda hoje há cancros e defeitos congénitos relacionados com ela. Porém, temos praias de areia branca, vegetação verdejante, lagoas azuis, atóis de corais, visitas em canoas, tapetes genuínos e uma sopa de ostras que é considerada como o prato nacional." Importa referir que, devido às mudanças climáticas e ao facto de os atóis e as ilhas estarem apenas alguns metros acima do nível do mar, estas correm uma séria ameaça, estando em risco 40% dos edifícios existentes na capital e 96% da cidade sujeitos a inundações frequentes induzidas pelas mudanças climáticas, de acordo com um estudo do Banco Mundial que aquele palestrante nos mostrou. Ele terminou com a saudação mais comum no seu país: "iakwe" (sois um arco-íris). E vai daí começa a oferecer biquínis de diferentes cores, ou seja, um arco-íris da moda de praia. Só faltou uma dançarina tal qual Micheline Bernardini, de 19 anos, que foi a primeira modelo de Louis Réard. O seu biquíni foi controverso, porque pela primeira vez o umbigo foi exposto, passando a ser o ponto nuclear deste "presente de Deus". E, agora, será que o biquíni pode fazer parte de um produto nuclear deste destino turístico?
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Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.