O caos do processo de decisão e a saída dos últimos adultos da Casa Branca tornam Trump uma ameaça à segurança americana. Ao contrário da ilusão vendida, os EUA são hoje menos respeitados, credíveis, geopoliticamente consistentes e com autoridade política reconhecida. A Trump o devem. .A enésima crise de segurança entre os EUA e o Irão reside muito mais num elemento exterior à atual relação bilateral do que num qualquer pretexto alarmista que aponte para uma ameaça iminente na região ou, em particular, ao território americano. O elemento exterior chama-se Barack Obama, a razão existencial para a tomada de todas as decisões mais ou menos ortodoxas nestes dois anos e meio de administração Trump. A obsessão deste com Obama é doentia.. Foi assim quando Trump rasgou, saiu ou deu por terminadas as negociações sobre os acordos comerciais transatlântico (TTIP) e transpacífico (TPP), com o Acordo de Paris para enfrentar as alterações climáticas, com o tratado que regulava com a Rússia a capacidade nuclear de alcance intermédio, e com o acordo com o Irão, assinado em 2015 entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, a Alemanha e a União Europeia. Alguém que se descreve como o mago da "arte da negociação", a única coisa que conseguiu mostrar até agora foi a arte de rasgar acordos, sem qualquer alternativa consistente na defesa dos interesses americanos. Já nem levanto a bandeira dos interesses da "comunidade internacional", pois não é esta a primeira administração a secundarizá-los. Nem será certamente a última..A grande diferença está no facto de este presidente nunca ter sequer estado nesse plano, mas sim no do absoluto desprezo por uma grelha mínima de interesses comuns a uma rede de aliados. O que o move, e o que o elegeu, foi exatamente a ambição de rasgar, sair, cortar com todos os procedimentos tradicionais ao dispor da presidência na feitura das suas decisões, independentemente de existir um plano alternativo. Isso é irrelevante no "método" de decisão trumpiano. O importante é anular tudo o que Obama fez e que pudesse ter um impacto duradouro ou estrutural na política internacional. Permitir essa marca temporal seria não só uma complacência com um antecessor que abertamente odeia como iria gerar uma dificuldade grande ao tentar desfazer os seus efeitos. A postura passou, pois, por cortar rapidamente tudo pela raiz e o mais rapidamente possível. Já referi os acordos comerciais ou do clima, mas poderia mencionar a abertura a Cuba, o desanuviamento económico em troca de uma segura monitorização internacional ao programa nuclear do Irão. É precisamente aqui que estamos desde maio de 2018, quando Trump retirou os EUA deste acordo, retomando unilateralmente três meses depois as sanções que lhe antecediam..Os efeitos estão à vista. Primeiro, não havia qualquer motivo para rasgar um acordo que estava a ser respeitado por Teerão e tinha estabilizado um tom moderado na complexa estrutura iraniana de governo. O resultado da posição americana foi ter ressuscitado os ultras do regime e a sua beligerância argumentativa, alimentada por um cerco renovado entre Washington, Telavive e Riade. Nem os EUA estão mais seguros com este cerco nem as tropas que mantêm em permanência do Bahrein ao Koweit passaram a estar mais resguardadas das intempéries securitárias em que o Médio Oriente está mergulhado..Segundo, a decisão de Trump não restituiu nenhuma força estratégica ao papel americano no Médio Oriente. Não o fez aos olhos dos americanos nem de outros aliados com interesses na região. O Japão e os europeus ficaram completamente isolados nas suas ações meritórias, perdendo nesta equação multilateral o fator decisivo americano para qualquer boa implantação de um acordo. Os estados sunitas do Médio Oriente ou do Norte de África não estão mais confiantes na autoridade americana do que estavam, e adversários estratégicos como a Rússia ou a China veem nestas retiradas de Washington mais uma oportunidade para se afirmarem nos vazios criados. E mesmo Israel e a Arábia Saudita, ao celebrar a decisão de Trump, ficam hoje mais vulneráveis às provocações públicas iranianas e às ações menos visíveis dos seus proxys, além de reféns de intenções nucleares pouco ou nada supervisionadas..Terceiro, o regresso às sanções sem justa causa aliena por tempo indeterminado uma geração jovem no Irão que merecia outro acompanhamento no Ocidente. A previsível contração da economia, o aumento da inflação, as restrições às exportações e ao investimento estrangeiro, as condições abertas a uma crise bancária grave e as limitações à liberdade de circulação são inversões suficientemente duras para sonhar em trazer à primeira linha do Irão elementos pró-ocidentais capazes de alterar o regime por dentro..Quarto, a perversidade da decisão de Trump, aliada a esta bizarra metodologia do "agarrem-me senão vou-me a eles", inspirada nos perigosos conselhos de John Bolton outrora em prática no Iraque, conseguiu elevar o alarmismo na última semana no preciso momento em que o Pentágono tem o terceiro secretário da Defesa em seis meses, dois deles interinos (Mattis, Shanahan, Esper). O cúmulo de tudo isto seria iniciar um conflito desta dimensão com a cadeia de comando totalmente à deriva. E foi com este grau de autoridade que os EUA se apresentaram há dias na reunião de ministros da Defesa da NATO, em Bruxelas, procurando cobertura aliada para o roteiro com o Irão. Conhecemos várias decisões americanas erradas e com consequências graves na política internacional, mas não há memória do nível de amadorismo a que isto chegou. Os alertas não andaram longe da verdade: pior do que administrações hiperativas só uma em retirada global sem plano B..Investigador universitário